Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cruzada da mídia contra Neymar

“No mundo todo (ou quase), se surge sujeito com potencial para ser astro, é um orgulho. Por aqui, não se vê a hora de que Neymar vá embora.” A declaração é do colunista do Estado de S.Paulo e comentarista do canal ESPN Antero Greco, no sábado (13/4), em sua conta no Twitter. Antero arrematou, pedindo: “O que eu queria ver era uma campanha para fazer com que os clubes mantivessem seus principais jogadores e ainda trouxesse de fora. Sonho?”.

No domingo (14/4), Antero reforçou em seu blog no Estadãoobservações de tuites do dia anterior. Em resumo, escreveu:

“Faz algum tempo remo contra a maré, ao defender a permanência de Neymar no Brasil por mais algumas temporadas. Posição que não tem respaldo de muita gente boa, que, sem qualquer ligação direta com o rapaz, insiste na saída imediata, para que possa ganhar experiência e tornar-se maior. Consideram que só na Europa poderá crescer, ganhar prêmios, ajudar a seleção brasileira, rivalizar com os craques internacionais, etc.”

A reflexão de Antero é a mesma de uns poucos profissionais da mídia esportiva, como Alberto Helena Jr, colunista do Diário de S.Paulo e integrante do programa Bem, Amigos!, do SporTV, e Fábio Sormani, da Jovem Pan e blogueiro do Terra Esportes. Sormani também escreveu sobre Neymar no domingo (14). Em artigo intitulado “Santos: o maior time do mundo completa 101 anos“, Sormani fala um pouco do craque brasileiro:

“Neymar vai embora para a alegria dos torcedores rivais (o que é compreensível por conta da paixão clubística) e, volto a dizer, da mídia reacionária, que trabalha com a camisa do clube embaixo do paletó.”

Evidentemente que há outros que defendem o futebol de Neymar do jeito que ele é, ousado, abusado, eficiente e vencedor, como Flávio Prado, comentarista da Jovem Pan. Cito apenas esses porque eles têm se manifestado dessa forma sempre que mundo cai sobre o menino quando ele não consegue carregar o Brasil nas costas contra seleções tradicionais.

A cruzada

Por questão ética, Antero não pode mencionar nomes dos que empurram Neymar para a Europa. Eu posso. A TV Globo, que passou a transmitir a Liga dos Campeões, começou campanha covarde para que a joia santista acerte sua transferência para algum clube do velho continente. A poderosa emissora escalou Galvão Bueno para fazer esse papel. Como chefão, Galvão convocou Walter Casagrande, Caio Ribeiro e Arnaldo César Coelho para infernizar a joia brasileira.

Nos jogos da Seleção Brasileira, o quarteto não perde a chance de cutucar o garoto santista. Basta uma queda, ou mesmo drible a mais para a corneta global tocar em harmonia de vozes. Casagrande, com o qual muitos tiveram paciência para que ele pudesse se recuperar da dependência química, demonstra intolerância incompreensível com Neymar.

O site do Globo Esporte também começa a se especializar em criar polêmicas envolvendo Neymar. Dá espaço a qualquer pessoa que fale mal publicamente do menino. Só falta criar coluna para receber as ofensas contra o garoto, do tipo “Deixe aqui seu xingamento contra Neymar”.

No SporTV, a cruzada contra Neymar segue no Bem, Amigos!, comandado também por Galvão. E lá, de novo, surge Alberto Helena em defesa de Neymar. No programa de segunda-feira (8/4), Helena disse, sem meias palavras, que Galvão, Casagrande e Caio “cornetaram” Neymar o tempo todo, mesmo o garoto tendo feito dois gols em 45 minutos no amistoso do Brasil pró-Corinthians contra a Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra. Espera-se que essa afirmação não custe o emprego de Helena, como ocorre com quem discute com o narrador número um da Globo. Até Marco Antônio Rodrigues, que considero um dos melhores jornalistas esportivos do país, pende-se para o lado de Galvão, talvez por ser muito amigo do narrador.

Um inglês

Já no programa da manhã desse mesmo canal, o Redação SporTV, a missão passa por vários convidados. Destaco o correspondente da BBC no Brasil, Tim Vickery. O inglês é o convidado preferido do apresentador André Rizek. Vickery especializou-se em bater no craque brasileiro. Virou função. Ironiza as atuações do garoto no Brasil e na América do Sul. Desmerece os feitos de um jovem de apenas 21 anos, que já ganhou três paulistas contra São Paulo, Palmeiras e Corinthians, Copa do Brasil diante de Atlético-MG e Grêmio, Recopa em cima da Universidad de Chile e Taça Libertadores, esta com apenas 19 anos. E o mais impressionante: em todas as competições, foi eleito o melhor jogador e goleador na maioria delas.

Messi nasceu e se criou no futebol europeu. Nem isso fez com que o talentoso argentino marcasse um gol sequer em duas copas do mundo. Repito: Messi jogou duas edições do campeonato de seleções e passou em branco. Quer mais? Disputou a Copa América em 2011, dentro do seu país, e não marcou mísero golzinho. Se Messi jogasse na Argentina, certamente o discurso seria o mesmo usado para avaliar o desempenho de Neymar na seleção nacional.

Criou-se tese entre jornalistas esportivos de que o jogador brasileiro precisa ir para a Europa a fim de desenvolver seu futebol. Mantra repetido diariamente pela mídia brasi-europeia, que só convence os que têm algum interesse em valorizar o futebol europeu, ou aqueles que vivem diante do videogame. Até parece que as seleções europeias têm massacrado a brasileira, em especial. Das últimas cinco copas do mundo, o Brasil venceu duas e chegou à final em outra.

A verdade

O desempenho do Brasil nas últimas copas passou a cair à medida que nossos craques foram para o exterior. Em 1994, dos 22 convocados, 11 atuavam em times brasileiros, ou metade da equipe tetracampeã. Em 1998, quando o Brasil foi vice-campeão, oito atletas jogavam aqui, ou 40% daquele grupo. Já em 2002, na campanha do penta, Scolari convocou simplesmente 13 que jogavam no Brasil, ou 56% dos 23 chamados. Em 2006, quando o Brasil fez campanha medíocre na Alemanha, parando diante da França nas quartas de final, o time era quase todo europeu. Dos 23 chamados por Parreira, apenas três eram “brasileiros”.

Para terminar esse conjunto de provas cabais, as quais desmontam argumentos dos ditos “especialistas”, informo que na seleção de 2010, na África do Sul, apenas dois jogavam em clubes daqui. Aliás, a medíocre seleção “europeia” convocada por Dunga recebeu aval de grande parte da mídia. Embora tenha sido chamado quando tinha contrato com o Santos, Robinho era jogador do Manchester City e tinha sido vendido ao Milan.

“Patrimônio nacional”

Querem transformar o futebol numa ciência exata, com jogadores biônicos, talhados para o “futebol moderno”, parecidos com os desenvolvidos para jogos de videogames. O Neymar sonhado por grande parte da mídia brasi-europeia pode ser visto no Playstation, obediente taticamente, cintura dura, sem molejo. Aliás, há muitos comentaristas fabricados não nos estádios e campos de futebol, mas dentro de estúdios e redações de rádios, TVs e jornais.

Peço permissão a Antero Greco para finalizar este texto com trechos extraídos de artigo publicado no seu blog no domingo (14/4).

“No lugar de apontarmos o dedo para Neymar e acusá-lo de cai-cai, mascarado, marqueteiro e outras bobagens menores, deveríamos nos unir e carimbá-lo como patrimônio nacional. Quem sabe assim os outros clubes não se animassem a se mexer, a tornar-se profissionais e segurar o que têm bom e dar uma banana para os estrangeiros?

“Sonho, loucura, besteira, divagação, quimera, utopia? Sei lá, pode usar o termo que quiser. Mas ainda imagino o dia em que curtiremos nossas joias por bastante tempo, antes que elas se decidam a mostrar suas qualidades para outras plateias. Enquanto isso, babamos para os Barças, Manchesters, Milans da vida. E eles nos olham como gentalha, que se sente honrada porque seus melhores jogadores atraem a atenção dos colonizadores.”

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Antonio Carlos Teixeira é jornalista, assessor de imprensa no Senado Federal, em Brasília