Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalismo investigativo a serviço dos cidadãos

“A liberdade de imprensa não é um privilégio dos jornalistas mas um direito dos cidadãos.”

A frase, adotada pelo jornalista Edwy Plenel como lema, guia hoje o Mediapart,o mais respeitado site de jornalismo da França. Criador de Mediapart,juntamente com cinco colegas, Plenel lançou, em março, um livro intitulado Droit de savoir (Direito de saber). É o 20º livro escrito por esse jornalista, defensor ardente do jornalismo investigativo no estilo anglo-saxão.

Mediapartfoi quem revelou o maior escândalo dos últimos tempos da política francesa. Desde que publicou, em 4 de dezembro do ano passado, que o ministro do Planejamento (ministre du Budget) Jérôme Cahuzac tinha uma conta na Suíça, Plenel vinha enfrentando o ceticismo e, quem sabe, a inveja dos colegas da imprensa.

Até o dia em que, tendo a Justiça elementos suficientes para investigar o ministro, o presidente François Hollande tomou a decisão de afastá-lo, em 19 de março, do gabinete formado pelo primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault. Para Hollande, um ministro socialista encarregado de combater a fraude fiscal – e cuidar do equilíbrio das finanças do país em grave crise – ter uma conta na Suíça (depois transferida para Singapura) é uma bomba atômica. Em 2 de abril, quando o ministro Cahuzac admitiu que tinha mentido ao negar a conta, foi o início de uma grave crise que vai permitir a moralização da vida política francesa, segundo expressou o presidente na quarta-feira (10/4) ao apresentar reformas com esse objetivo.

Figura nacional

Os jornais do mundo inteiro destacaram o papel fundamental de Mediapart na revelação do escândalo que explodiu nas mãos de Hollande. “A maioria dos jornais da mídia tradicional desprezou o modesto mas rigoroso Mediapart, fundado por Edwy Plenel, em vez de aprofundar os indícios apontados contra o poderoso ministro Cahuzac”, comentou o diário espanhol El País.

Mediapartjá havia dado numerosos furos com grandes matérias de investigação feitas pela redação pequena mas combativa, que faz hoje o jornalismo mais agressivo e independente da França. Os outros jornais, revistas e a mídia audiovisual parecem condenados a suitar os grandes furos de Plenel e seus jornalistas. Diversos escândalos revelados no governo de Nicolas Sarkozy abalaram os políticos da direita e seguem seu curso no Judiciário.

Agora, quem se viu às voltas com a competência e a seriedade do jornalismo investigativo de Mediapart foi a esquerda. O affaire Cahuzac foi revelado em dezembro, mas nem todo mundo levou a sério as revelações. O ministro tratou de desmentir “olhos nos olhos” aos jornalistas que o questionaram em público sobre o fato de ter conta na Suíça.

Os jornalistas sabem que os políticos trabalham ativamente para divulgar notícias que defendem seus interesses e tudo fazem para esconder o que pode prejudicar suas carreiras e seus objetivos. É aí que o jornalismo investigativo é importante e fundamental: na revelação do que querem esconder dos cidadãos.

O mais conhecido jornalista de investigação da França, Plenel foi diretor da Redação do respeitadíssimo jornal de referência francês Le Monde, de 1996 a 2004. Em 2005, um ano depois de ser afastado da função de diretor da Redação, foi demitido por Jean-Marie Colombani, diretor do jornal. Em 2008, Plenel criou Mediapart, que acaba de completar cinco anos.

A direita não gosta de Plenel, um ex-trotskista, empedernido defensor da liberdade de imprensa, que nunca renegou seu passado e seu engajamento de juventude na Liga Comunista Revolucionária. Ele começou sua carreira como jornalista no jornal da Liga, Rouge (Vermelho).

Com o affaire Cahuzac, Plenel mostrou que a esquerda, como a direita, têm que temer a vigilância de Mediapart. As revelações de Plenel sobre diversos affaires no governo François Mitterrand já haviam feito dele uma figura nacional do jornalismo independente e crítico. No recente episódio, Alain Finkielkraut, um filósofo conservador, chegou a defender Jérôme Cahuzac comparando Mediapart a uma verdadeira “Stasi internet” – referência ao nome da polícia política da antiga Alemanha comunista.

Compromisso com o jornalismo

Durante quase seis meses, Mediapart teve contra si toda a imprensa tradicional e os comunicadores-marqueteiros interessados em desmoralizar o site “tentando impedir que a verdade viesse à tona”, segundo Plenel.

“Mediapart é um peixe pequeno diante de grandes tubarões num mar poluído”, dizia ele ainda há pouco tempo. Agora, com 65 mil assinantes e um capital de credibilidade invejável, o peixinho vai começar a fazer medo aos que têm algo a esconder da opinião pública.

Agora, Mediapart revela um outro affairede conta na Suíça, desta vez de Jean-Marie Le Pen, do partido de extrema-direita Front National.

Com François Hollande, com quem Edwy Plenel assinou um livro de entrevistas, Devoirs de vérité, em 2006, o jornalista sempre teve boas relações. Por isso houve quem previsse o fim do site com a eleição de Hollande. Mas Mediapart provou que não foi criado para servir a um governo ou a uma ideologia. Plenel tem como único dever revelar aos cidadãos e à Justiça aquilo que políticos e interesses privados querem ocultar.

Com a revelação da fraude fiscal do ministro encarregado de controlar justamente a evasão de divisas, o jornalista mostrou mais uma vez que seu compromisso é com o jornalismo investigativo. Não está a serviço de pessoas ou de ideologias, mas da verdade.

“Pourvu que ça dure” (tomara que dure), como dizia a mãe de Napoleão Bonaparte.

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paria