O limbo era um lugar destinado a almas inocentes que, apesar de não terem cometido pecado, estariam privadas da presença divina. Não era o purgatório nem o inferno, mas as almas que ali estivessem não poderiam usufruir de uma série de benefícios. Essa condenação poderá muito bem ser aplicada a inúmeros projetos de inovação e expansão da internet caso seja aprovada a atual redação do Marco Civil da Internet.
Nessa lista de projetos podemos incluir o Banda Larga 0800, programas de combate a spams, bloqueio de conteúdo impróprio para crianças e uma infinidade de serviços que nem chegarão a existir. Ficarão no limbo. Isso porque a redação dada ao Marco Civil, usando indevidamente a justificativa da garantia da neutralidade, impede a gestão de redes de telecomunicações e a oferta de serviços diferenciados em função do interesse ou do perfil do usuário.
O Banda Larga 0800 é um programa em desenvolvimento de acesso gratuito à internet, em que a conexão é paga pelo site. Seu projeto-piloto, lançado em 2012, tem o objetivo de ampliar o acesso a quem não pode pagar pelo serviço, mas como é um produto voltado a um público específico está vedado no MCI.
Os spams lotam nossas caixas de e-mail todos os dias e para combater esse envio o Brasil decidiu bloquear a Porta 25, principal via de saída no computador dos spams. A medida, adotada pelas prestadoras e CGI.br, com apoio de órgãos de defesa do consumidor, já reduziu sensivelmente os spams, mas não poderia ser adotada porque utiliza técnica de filtragem e bloqueio, o que é proibido no texto do relator.
Negócios e inovação
O mesmo ocorreria com sites de conteúdo impróprio para crianças. Hoje, a critério dos pais, esses sites podem ser bloqueados, mas essa prática estaria impedida porque trata conteúdos de forma diferenciada.
Pelo texto proposto, usuários com diferentes perfis de consumo não teriam a liberdade de contratar ofertas adequadas aos seus interesses. A todos seria imposto um mesmo serviço, tanto àquele que apenas acessa e-mails quanto ao heavy user , que consome muito mais recursos de rede. Isso exigiria redimensionamento das redes, elevando preços, prejudicando a imensa maioria dos usuários e comprometendo programas de massificação da banda larga.
O que nos intriga é que esse tratamento personalizado já faz parte de programas de governo, como o Minha Casa Minha Vida e o Luz para Todos, que permitem às famílias de menor renda ter moradia e energia elétrica em condições diferenciadas. Então, por que não seguir nessa mesma linha num programa de massificação da Internet?
Somos, sim, a favor da neutralidade e de uma internet livre e aberta, como é hoje, preservando-se os direitos fundamentais de propriedade autoral e privacidade. Esse modelo não se contrapõe à necessidade de gestão de redes ou de liberdade de ofertas. Somente dessa maneira, sem a condenação antecipada de novos modelos de negócios e de inovação, poderemos ter os investimentos necessários à expansão da internet no Brasil e à inclusão de um número cada vez maior de cidadãos. Há algum pecado nisso?
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Eduardo Levy, engenheiro, é diretor-executivo da SindTelebrasil e da Febratel, integra o Conselho Consultivo da Anatel e é conselheiro da CGI.br