Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tête-à-tela

A sua TV já não cabe mais naquele aparelho da sala chamado televisor.

Ela se expandiu para, agora sim, uma telinha: as de seu computador, celular e tablet. E, por saber que você está na frente de um desses dispositivos –ou navegando na internet enquanto assiste à programação–, quem faz televisão não quer perder sua atenção.

Segundo o Ibope, 43% dos internautas assistem à televisão enquanto navegam; nos EUA, são 77% das pessoas, de acordo com dados do Google.

A consequência disso é a ascensão da chamada “segunda tela”, o termo do momento entre as emissoras.

Os aparelhos que se conectam à web permitem à audiência interagir com o que está passando na TV, seja acessando informações complementares, sincronizadas à transmissão, seja comentando sobre a programação nas redes sociais.

“É um fenômeno estabelecido que tende a evoluir”, diz Juliana Sawaia, 35, gerente do Ibope Media. “As pessoas não estão abandonando a TV, estão consumindo-a de outra forma.”

Emissoras e patrocinadores têm investido em aplicativos para celulares e tablets que fazem a ponte entre a programação e a internet –quem assiste a uma corrida de F1 ou a um jogo de futebol, por exemplo, pode seguir estatísticas extras.

Já os fãs das séries “The Walking Dead” ou “Hannibal” baixam os aplicativos das séries e podem, enquanto assistem ao episódio, obter informações detalhadas sobre o passado de um personagem, por exemplo.

Atenta ao fenômeno, a Rede Globo lançou recentemente seu app, o Com_VC.

“As mídias sociais enriqueceram a forma de ver TV, deram um dinamismo novo às conversas”, diz Sergio Valente, diretor de comunicação da Rede Globo.

A segunda tela também serve para dar vazão à sede de consumo disparada pela TV, como mostra o exemplo do site brasileiro TV Square.

“Você coloca o que está vendo e tem não só informações do que as pessoas estão vestindo, mas acessa os links para comprá-los”, diz Mariana Eva, 39, fundadora do TV Square.

TV+Internet = $$$

O potencial mercadológico da interação entre TV e internet já é explorado.

No maior negócio de sua história, o Twitter pagou quase US$ 100 milhões pela Bluefin Labs, criadora de uma plataforma que mede as reações das redes sociais à programação de TV.

Uma pesquisa recente da Motorola Mobility mostrou que 78% dos entrevistados no Brasil se disseram interessados em relacionar seus perfis de redes sociais com os serviço de TV, de forma que pudessem mostrar aos amigos o que estão vendo e discutir isso on-line.

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Redes sociais mudam a forma de ver TV

Conecte-se a uma rede social durante a transmissão de algum evento popular na TV –um jogo de futebol, uma novela, a escolha do novo papa, uma premiação como Oscar ou Grammy– e é certo: ela vai estar fervilhando com comentários sobre cada detalhe do que está no ar.

“Eu costumo dizer que é uma nova profissão, comentarista de TV das redes sociais”, diz o ator Luiz Fernando Almeida, 38, de Santos, usuário do site TV Square, que reúne telespectadores.

“Quando você está em casa, assistindo sozinho, é uma forma bacana de interagir, inclusive com gente desconhecida. Você acaba conhecendo pessoas que se interessam pela mesma programação.”

Com a proliferação da segunda tela (do computador, do celular ou do tablet) e do hábito de ver TV e navegar na web ao mesmo tempo, a experiência de socializar em torno da programação passou da sala de estar para sites como o Facebook e o Twitter.

“Comentar os programas de TV sempre foi um hábito do brasileiro. E as mídias sociais conseguiram torná-lo ainda mais interessante”, diz Sergio Valente, diretor de comunicação da Globo.

O burburinho na rede acaba atraindo para a TV gente que não estava ligada, além de atuar como um guia de programação personalizado.

“Antes, eu ficava zapeando na televisão e ia para a rede social, agora eu faço o contrário, vejo pelos comentários o que está rolando e vou para o canal que me interessa”, conta Allan Novo, 21, DJ e produtor musical do Rio.

“Era muito mais interessante ver Avenida Brasil' com o Twitter ou com o Facebook, porque transformava a experiência num grande fórum”, diz Sérgio Branco, 38, professor da FGV-RJ, especialista em direitos autorais e tecnologia.

“Esse grande debate coletivo é o futuro de assistir à TV e, para as próprias emissoras, é fundamental essa resposta do público enquanto o programa está acontecendo.”

Assim, os canais investem em apps para concentrar as conversas que estão soltas nas variadas redes sociais.

“Mas não achamos que fazer um app é o melhor caminho para todos os programas”, afirma Eric Berger, vice-presidente de conteúdo digital da Sony Pictures. Para ele, reality shows, por exemplo, não são conteúdo que peça um software próprio.

“O ato de compartilhar é inerente hoje. As emissoras vão se adaptar a esse novo cenário e criar ambientes específicos para que essa conversa aconteça de uma forma mais estruturada”, diz Juliana Sawaia, gerente do Ibope Media. (Marco Aurélio Canônico, colaborou Alexandre Aragão)

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O “da poltrona” acordou para nos dizer o que espera da telinha

Marcelo Tas

Quem me despertou para a existência da segunda tela na TV foi uma insônia. Nos últimos anos, toda segunda, chego em casa tarde depois do transmissão ao vivo do “CQC”. Com a cabeça agitada, o sono demora para chegar.

Numa dessas noites, ainda na primeira temporada do programa, no ano de 2008, percebi que usando palavras-chave recuperava no Twitter o que os telespectadores comentaram, não depois, mas durante o programa.

Nunca, em três décadas de trabalho na TV, eu tive acesso ao que o telespectador falava enquanto eu entrava na casa dele. Foi um susto! A resposta era tão direta e sincera que, às vezes, beirava a crueldade!

Com disciplina de monge tibetano, passei a me dedicar à tarefa de entender o que o meu “cliente”, o telespectador, tentava me falar. Há muito ruído e bobagens, claro. Mas essa interação mudou minha forma de trabalhar. A coleção de palavras para definir minha atuação é tão abundante quanto aparentemente incoerente. Vai de “mestre” a “babaca”, de “feio e nojento” a “lindo e gostoso” e certezas contraditórias como “desconfiança absoluta” e “credibilidade total”.

Foi ainda a segunda tela que me revelou o hábito das pessoas de assistir ao “CQC” em grupo, como antigamente. Um dia, sem querer (querendo?), anunciei: “CQC', o programa da família brasileira”. A frase virou slogan.

Em pouco tempo, aprendi mais sobre o meu trabalho, sobre a natureza humana e sobre mim mesmo do que em todas as décadas anteriores, enquanto o “da poltrona” ficava calado. Foi o comediante Renato Aragão que criou esse bordão. Minha certeza é que o “da poltrona” mexeu o traseiro e cansou da passividade em que estava hibernando.

Talvez por sua natureza “broadcast”–mais preocupada com falar que ouvir–, a televisão tem reagido com hesitação e um certo preconceito a essa gigantesca revolução. Com a segunda tela se tornando um novo negócio –mesmo que frugal demais para o apetite de glutão do mercado– surge uma oportunidade preciosa para a velha senhora, a TV, se reinventar.

Uma coisa é certa: este é apenas o início de uma mudança. O telespectador passivo do passado, que engolia tudo calado, está em processo de extinção. Se a TV não acordar, vai junto com ele. (Marcelo Tas é âncora do programa “CQC- Custe o Que Custar”, na Band)

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Twitter vê como crucial simbiose com a TV

Marianna Aragão

A interação do Twitter com a televisão, embora não detectada por Jack Dorsey quando criou a rede de microblogs em 2006, se tornou crucial para o crescimento da plataforma recentemente.

Desde o início de 2012, o número de tuítes sobre programas e eventos transmitidos pela TV cresceu 200% nos Estados Unidos. Metade do conteúdo produzido pelos usuários se refere a esporte.

Segundo a vice-presidente de mídia do Twitter, Chloe Sladden, a expansão ocorre diante do potencial da plataforma para alavancar a audiência das emissoras, além do interesse dos usuários em participar das transmissões.

“O usuário se sente parte do programa, o que torna tudo mais emocionante”, diz a executiva à Folha.

A rede de microblogs, que tem 200 milhões de usuários ativos no mundo, tem estimulado essa interação.

Nos últimos anos, Sladden e sua equipe, de cerca de 20 pessoas, trabalham para estreitar as relações com emissoras e produtoras de TV.

No Brasil, um dos maiores mercados do Twitter, isso tem acontecido naturalmente, diz ela, que esteve em São Paulo na semana passada.

“Antes mesmo de abrirmos o escritório aqui [em dezembro] já havia seis ou sete programas [de TV] fazendo isso.”

Em 2012, a novela “Avenida Brasil” e as partidas finais de campeonatos de futebol estiveram entre os temas mais comentados no país na rede.

“Além do forte engajamento dos usuários brasileiros, vemos muita inovação acontecendo por parte das redes de TV”, afirma Chloe.

Ela cita um programa de esportes brasileiro que criou enquetes ao vivo por meio de Twitter, iniciativa que acabou de ser lançada nos Estados Unidos pelo canal ESPN.

Segundo a executiva, com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas por aqui, o país deve ganhar ainda mais destaque dentro da estratégia da empresa.

“Certamente vamos bater novos recordes de tuítes por minuto nesses eventos.”

Audiência

Para a executiva, a simbiose entre tuítes e audiência será cada vez maior.

Um estudo feito nos EUA pela Nielsen em março aponta que um aumento de 8,5% no volume de tuítes entre a população jovem (entre 18 e 34 anos) pode elevar em 1% a audiência de um programa. (Marianna Aragão, da Folha de S.Paulo)

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Marco Aurélio Canônico, da Folha de S.Paulo