A leitura dos jornais de quinta-feira (25/4) indica que o Brasil está na iminência de sofrer uma crise institucional sem possibilidade de solução fácil: numa sucessão de lances rápidos e incisivos, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional interferem mutuamente nas atribuições um do outro, causando a deterioração das relações entre os poderes da República.
O conflito está nas manchetes. Diz o Globo: “Câmara dá 1º passo para tirar poder do STF”. Anuncia a Folha de S. Paulo: “STF suspende projeto que beneficia Dilma na eleição”.
O Globo se refere à aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de emenda que submete ao Congresso Nacional as decisões da Suprema Corte. A Folha noticia que o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar barrando a tramitação, no Congresso, de projeto de lei que retira dos novos partidos o amplo acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda na televisão. O Estado de S. Paulo deixou os dois assuntos em segundo plano e achou mais apropriado destacar uma proposta do senador mineiro Aécio Neves (PSDB), que pretende restabelecer o mandato de cinco anos e acabar com a reeleição para cargos executivos.
O conflito é explícito entre os dois poderes, mas, segundo os jornais, o Legislativo atua em favor da Presidência da República, que detém a maioria no Congresso, e estaria sufocando a oposição. O noticiário não esclarece de que lado estaria o Supremo Tribunal Federal, e se supõe, então, que se trata de um poder moderador, dedicado a preservar a Constituição. Também fica sem esclarecimento o papel de um quarto poder, a própria imprensa, que tem entre suas funções implícitas a de mediar a comunicação institucional, e certamente também tem interesses próprios nessa disputa.
Tanto quanto no Congresso Nacional, as ações da Suprema Corte dependem da diversidade para produzirem equilíbrio, com a diferença de que no STF um só ministro pode tomar decisões capazes de paralisar os demais poderes, pelo menos temporariamente.
O trágico, para a democracia brasileira é que, no momento, nenhuma dessas instituições pode se apresentar com credenciais para produzir um entendimento entre as partes.
A teoria e a prática
Os três poderes da República estão claramente contaminados por certo radicalismo, que se agrava rapidamente com a proximidade de eleições. Como suas ações, intenções e manifestações passam pelo filtro da imprensa, seria natural que o leitor e eleitor pudesse contar com alguma fonte confiável para conferir suas convicções. Mas a prática dos jornais não aconselha uma leitura inocente: a narrativa da imprensa denuncia escolhas que definem a interpretação dos fatos antes mesmo que aconteçam.
Por exemplo, se tal ou qual personagem da vida pública fizer um gesto, tomar uma atitude ou produzir uma ação, a imprensa, em sua expressão hegemônica, examinará tal manifestação conforme essa matriz de valores que delimitam o campo da disputa ideológica que é o pano de fundo de toda controvérsia. De tão viciado o jogo, é provável que já nenhum dos lados se lembre de como tudo começou, mas os editores sabem muito bem o que está em disputa.
Mas não é tudo parte do jogo democrático? – perguntaria alguém ainda abençoado pela inocência. Sim, diria o analista ponderado. Acontece que, na transferência dos fatos isolados para o chamado espaço público, os atos, gestos e manifestações ganham outro significado, que lhes dá a imprensa.
É na narrativa, essência do fazer jornalístico, que ocorre tal transformação. Assim, da palavra de um político ou de um magistrado a imprensa constrói uma realidade. O ponto central dessa crise é, portanto, a capacidade ou o interesse da imprensa em fazer uma mediação minimamente equilibrada da controvérsia.
Como diz o teórico português Nelson Traquina, o jornalista precisa dominar o “saber da narração” e o papel “essencialmente conservador e legitimador” do jornalista deve ser exercido na “região do consenso”, ou seja, na temática que congrega os valores consensuais da sociedade, como a defesa da democracia e da legitimidade dos poderes.
Outra coisa é a “esfera da controvérsia legítima”, onde as principais virtudes do jornalismo seriam relacionadas à objetividade. Finalmente, há também, segundo essa teoria, o terceiro campo, a “esfera do desvio”, onde o jornalismo deveria identificar na agenda pública o que seriam atos políticos legítimos ou ilegítimos.
Aqui sucede, como diria o falecido Joelmir Beting, que na prática a teoria é outra.