Em um longo artigo publicado no domingo (20/4), o New York Times denuncia um esquema arquitetado pelo Pentágono para gerar cobertura favorável à política do governo Bush na guerra do Iraque. O esforço, que teria sido posto em prática logo antes do início do conflito e dura até hoje, consiste em usar ‘analistas militares’ supostamente imparciais para fazer comentários em canais de televisão e estações de rádio.
Na realidade, afirma o jornalão, estes homens são oficiais militares aposentados com uma motivação obscura – ao menos ao público. Eles falam com autoridade e aparente independência sobre os problemas que decorreram dos ataques de 11 de setembro, nos EUA, ao mesmo tempo em que têm ligações com empresas envolvidas nas políticas de guerra que ‘analisam’ publicamente.
Relações rentáveis
Estes comentaristas já foram levados em excursões ao Iraque e tiveram acesso a dados confidenciais da inteligência americana, recebendo instruções de membros da Casa Branca e dos Departamentos de Estado e Justiça. Em troca, corroborariam pontos defendidos pelo governo – mesmo os que suspeitassem ser falsos ou distorcidos.
Estas relações, alega o Times, nunca são reveladas aos espectadores e, por vezes, nem às redes televisivas. Juntos, os ‘analistas militares’ representariam mais de 150 companhias militares, atuando como lobistas, executivos sênior, conselheiros e consultores. Estas empresas fazem parte de outra ‘guerra’, a da disputa pelas centenas de bilhões de dólares geradas pela campanha de combate ao terror.
Trata-se de um ciclo vicioso rentável, onde quase todos saem ganhando. Para os analistas, o acesso a informações e a membros de peso do governo é claramente lucrativo. Para as autoridades, constrói-se uma espécie de ‘cavalo de Tróia midiático’, em que comentaristas altamente qualificados moldam a cobertura da guerra ao terror dentro dos principais meios de comunicação americanos.
Dados factuais
O Pentágono defende seu relacionamento com os analistas militares, alegando que fornece a eles apenas dados factuais sobre a guerra. ‘A intenção disso nada mais é do que uma tentativa séria de informar o povo americano’, afirma o porta-voz do Pentágono Bryan Whitman. Segundo ele, seria ingênuo se pensar que oficiais militares aposentados poderiam ser transformados em ‘fantoches do Departamento de Defesa’.
De fato, muitos destes analistas negam ter sido cooptados ou ter permitido que interesses comerciais externos afetassem seus comentários públicos. Segundo a apuração do Times, vários deles disseram ter informado as emissoras de TV sobre suas ligações empresariais e ter se recusado a abordar questões comerciais em suas análises. É o caso de Jeffrey D. McCausland, analista militar da CBS e lobista da indústria da Defesa. ‘Eu não estou aqui representando o governo’, garante.
Já outros – ainda que poucos – admitiram ter participado do que viam como um esforço para enganar o público americano, e mostraram-se arrependidos por tê-lo feito. A campanha de propaganda travestida de análise independente acabou por tornar-se uma operação sofisticada, diz Kenneth Allard, ex-analista militar da NBC que dava aulas sobre informação de guerra na National Defense University. Quando as condições no Iraque começaram a se deteriorar, Allard percebeu um enorme abismo entre o que era dito aos analistas em reuniões privadas e aquilo que seria posteriormente revelado em reportagens e livros sobre a guerra. ‘Eu sentia que estávamos numa farsa’, resume.
Documentos
Cinco anos após o início da guerra no Iraque, a maior parte dos detalhes da campanha de informação do Pentágono nunca foi revelada. O Times entrou na justiça contra o Departamento de Defesa e conseguiu obter acesso a oito mil páginas de mensagens de e-mail, transcrições e registros descrevendo as reuniões privadas, viagens ao Iraque e para a base militar em Guantánamo, Cuba. Os documentos revelam um relacionamento simbiótico, sem fronteiras entre governo e jornalismo. Papéis internos do Pentágono se referem repetidamente aos analistas militares como ‘multiplicadores’ ou ‘representantes’ que poderiam repassar os ‘temas e mensagens’ da administração para milhões de americanos ‘na forma de suas próprias opiniões’. Informações de David Barstow [The New York Times, 20/4/08].