Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Fifa exige míssil antiaéreo para Copa no Brasil

As bombas na maratona de Boston, somadas à lembrança recente das demonstrações de poder militar da Coreia de Norte, colocaram em perspectiva as nossas condições de segurança para os jogos programados para o país nos próximos anos. Antes deles, teremos um ensaio do que virá com a Copa das Confederações (15-30 de junho) e a Jornada Mundial da Juventude (23-28 julho), quando o novo papa visitará pela primeira vez o Brasil.

A imprensa brasileira, com raras exceções, ainda não parece muito preocupada com as dimensões continentais do Brasil e sua segurança precária para os jogos. E grande parte da população parece satisfeita com a realização dos jogos no país, sem maiores inquietações sobre a segurança. Brinca-se muito, existe muita especulação, mas não há um sentimento forte de ansiedade com nossos precários e obsoletos sistemas de defesa militar e sua capacidade de oferecer proteção aos eventos internacionais programados para o Rio de Janeiro e para o país. Nossas forças armadas não estão à altura das demandas de segurança dos eventos internacionais. Longe disso. Estão sucateadas e obsoletas.

No Brasil, graças à ditadura militar, falar em reequipamento das forças armadas ainda é anátema. A população brasileira não desenvolveu somente espírito antimilitarista: ela simplesmente tornou-se antimilitar em geral, quando o assunto é gastar dinheiro em defesa nacional. Graças a isso, hoje não estamos em condições de atender às necessidades de segurança necessárias aos jogos. Existem planos, promessas e anúncios de compras feitas em última hora, sem nenhuma confirmação. No dia 20 de fevereiro último, o Brasil assinou “acordo de intenção de compra” de material antiaéreo russo de curto-médio alcance. É o sistema “de artilharia antiaérea Pantsir-S1, com capacidade de médio alcance, podendo atingir alvos entre 3 km e 15 km”, conforme publicou o G1.

Material aposentado

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, garantiu à Exame (16/04) que “o Brasil está tomando as providências necessárias para garantir a segurança na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016”. Dois dias depois a mesma revista publicou o anúncio do presidente da Associação Brasileira de Turismo, Flavio Dino, sobre a “revisão dos planos de segurança para a Copa do Mundo”, em vista da nova realidade trazida pelas bombas na maratona de Boston.

Além da enorme área de fronteira a cobrir para coibir infiltrações perigosas, e da segurança marítima e portuária, existe o problema da defesa antiaérea. A Fifa exige mísseis antiaéreos com alcance mínimo de 15 km de altura para jogos de Copa do Mundo. No momento, só temos algumas fragatas da Marinha do Brasil com o míssil antiaéreo Áspide para atender às demandas da organização. Eles estão na faixa estipulada, mas têm pouca serventia longe do mar e as embarcações não podem fornecer proteção antiaérea longe da costa.

No dia 11/4, o portal de notícias G1, da Globo, publicou um título bizarro: “Para visita do papa, Brasil terá artilharia de segunda-mão”. Embaixo, uma foto de uma viatura blindada antiaérea alemã, do tipo Guepard. Procurei pelo artigo, que apareceu com título mais sóbrio e matéria bem interessante: “Brasil compra arma antiaérea para Copa das Confederações e papa”. O site informou a compra, pelo exército brasileiro, de 34 viaturas Guepard, originalmente projetadas em 1974 e destinadas a abater alvos a baixa altitude. O material já foi aposentado na Alemanha e substituído por mísseis, informou o site da SBS, a emissora multicultural australiana de rádio e TV (12/04) que cobriu as intenções brasileiras de reforçar seu poder antiaéreo para os jogos e a Copa de 2014.

Insatisfação da PF

O alcance dos canhões é de apenas 3 km de altitude. Muito pouco para uma arma antiaérea. Nesta altura, qualquer ameaça que esteja no ar disposta a nos fazer em pedaços já terá feito seu trabalho. De qualquer forma, o velho sistema alemão serve contra ameaças de aeronaves de baixa performance e helicópteros. “Oito blindados chegarão ao país em caráter emergencial até junho e ficarão em Brasília, para a abertura Copa das Confederações”, informou o portal da Globo. No ano passado (14/8/2012), o mesmo portal iniciou uma cobertura especial de uma semana sobre as condições do exército brasileiro e encontrou um panorama alarmante:

“Com mais de 35 anos, as armas brasileiras são de tecnologia ultrapassada e não possuem potencial de alcance a média altitude, entre 3 km e 15 km, podendo atingir apenas alvos encontrados a uma distância inferior. É possível ter ideia da [sic] levando em conta que todos os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) têm capacidade de abate antiaéreo à média altura.”

Há dois erros no parágrafo da citação acima: o primeiro é a própria construção imperfeita do mesmo. Na terceira linha onde se lê “É possível ter ideia da levando em consideração”, a frase não faz sentido. Afinal, é possível ter a ideia de quê, exatamente? O segundo é um erro técnico: o míssil portátil russo IGLA, comprado pelo Brasil em 1994 e distribuído entre a força aérea e o exército, pode atingir a altura máxima de 5 quilômetros (foi anunciado um alcance maior, de seis quilômetros, mas muitos especialistas reduziram seu raio de ação baseados em testes feitos com o armamento). O míssil não tem longo alcance, mas encaixa-se nas demandas da Federação Mundial de Futebol. Possui um sistema guia infravermelho (que já foi criticado por falta de precisão), e pode ser disparado antes da passagem do avião inimigo. Seu sistema de orientação o guia até o calor geral emitido pela aeronave, e não apenas suas turbinas. A informação é do portal Área Militar.

A situação entre as principais instituições de defesa militar e segurança pública também não estão nada boas. O site de defesa militarDefesanet publicou (27/4) a renúncia anunciada do delegado de polícia federal Valdinho Jacinto Caetano, que assumiu o cargo depois da saída de José Ricardo Botelho – outro delegado da Polícia Federal:

“O estopim da renúncia foi a ríspida discussão de Caetano com o chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), general José Carlos De Nardi, em reunião com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, na última quarta-feira. O motivo seria a insatisfação da PF com o papel privilegiado dado ao Ministério da Defesa na segurança de grandes eventos, o que gera atritos desde o início do governo Dilma.”

Um mundo alucinado

A presidenta está privilegiando a ação do Ministério da Defesa na segurança dos eventos, insatisfeita com o comportamento dos policiais federais desde sua última greve, que segundo ela “atemorizaram a população em aeroportos, portos e postos de fronteira”. Um abuso imperdoável dos policiais grevistas. Colocar a Polícia Federal no comando da segurança dos grandes eventos vindouros pareceu-me uma temeridade. A PF tem um pequeno contingente, e não tem a experiência acumulada em anos pelos militares no apoio à administração do território nacional. Além de faltar-lhe o equipamento necessário para esta missão.

A falar a verdade, é incompreensível a atribuição do comando da SESGE (Secretaria Especial de Grandes Eventos) à Polícia Federal. De qualquer forma, ela já foi afastada e a escolha de seu sucessor já começou. Um candidato ao cargo, segundo a revista, é outro delegado federal, Andrei Augusto Passos Rodrigues, “que hoje ocupa o cargo de oficial de ligação em Madri e foi chefe da segurança de Dilma quando ela era candidata”. Ninguém que acompanha o assunto acredita que outro delegado venha a assumir o comando da SESGE. A presidenta desde o ano passado já manifestou sua vontade de substituir a turma da Polícia Federal por gente do Ministério da Defesa. Segundo a publicação, ela quer privilegiar as forças armadas na segurança dos jogos, e vem alocando verbas principalmente para o Exército, Marinha e Aeronáutica.

Dilma Rousseff está certa. A PF não é nem de longe a instituição mais adequada e competente para a chefia de um órgão tão importante, responsável pela segurança dos jogos e grandes eventos no país. As polícias (federal, civil e militar) não têm a mesma credibilidade diante da população que as forças armadas: “Em março, o delegado Luiz Carlos de Carvalho Cruz, então diretor de Operações da SESGE, foi exonerado após o Estado revelar que ele teria enviado a dezenas de autoridades federais um e-mail propondo adesão ao chamado golpe da pirâmide”, publicou a Defesanet.

A imprensa tem abordado bastante a questão da segurança nos jogos e eventos internacionais, mas sem muita profundidade na questão da segurança. Parece mais interessada nas obras e seus cronogramas. Alguns jornalistas parecem francamente descrentes da nossa capacidade de organizar um campeonato de futebol dentro das convenções e exigências técnicas da Fifa. Com esta atitude, o tema da segurança passou a uma preocupação lateral da mídia. O que é um grande equívoco. Não estamos imunes a ameaças do terrorismo internacional. Ou de eventuais loucuras regionais e locais.

Para os não-nascidos e os esquecidos, em 29/9/1988 o Jornal Nacional da Globo noticiou o sequestro do voo 375 da Vasp por Raimundo Nonato Alves da Conceição, um desempregado que pretendia lançar o avião de passageiros contra o Palácio do Planalto. Treze anos antes do atentado as torres gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque, um maranhense sem emprego teve a ideia de usar um jato 737 como um míssil contra um prédio do governo.

Dois dias depois do atentado às Torres Gêmeas, o Jornal do Comércio online de Recife publicou a matéria (13/09/2001). O fato tem que ser lembrado. Nosso espaço aéreo é vasto e o movimento de aeronaves aumentou muito nos últimos anos. Além disso, nossas maiores metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro) possuem enormes frotas privadas de helicópteros e jatos de uso privado. Cada aeronave representa perigo potencial aos jogos e a população.

A Copa de 2002 (Coréia do Sul – Japão) também envolveu a exigência de defesa antiaérea. Para aquele evento, foi escolhido pela Coreia o míssil francês de curto alcance “Mistral”. A força aérea também esteve a cargo da proteção aérea do certame. A África do Sul, em 2010, por não atender as condições de proteção de defesa antiaérea (que ampliaram-se diante das ameaças crescentes), teve que alugar de Israel o equipamento – e pessoal para operá-lo. Não houve escolha senão pagar mais de um bilhão de dólares pelos serviços de radar e mísseis antiaéreos durante o evento.

Se o nosso país fizer a coisa certa, poderá fechar uma brecha perigosa em sua estrutura de defesa nacional e atender as necessidades dos eventos internacionais em um mundo tão alucinado que partidas de futebol e encontros religiosos precisam ser protegidas com artilharia antiaérea.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor