Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma cria da ditadura

Notícias goela abaixo sem a devida pausa para a reflexão, sem o devido tempo para uma breve análise crítica, nem ao menos um mero comentário opinativo sequer. E assim, no Jornal Nacional, as notícias se sucedem banalmente: a demora do SUS em liberar (para a população carente) um remédio de 15 mil reais indicado para o tratamento de um tipo de câncer, os casos de corrupção no governo, a violência urbana, os jogos da seleção brasileira. A metralhadora de notícias não para de girar e insere em um mesmo contexto o descaso do SUS, os jogos da seleção brasileira, a miséria e a violência no país, os gols de Neymar…

O Jornal Nacional foi ao ar pela primeira vez em 1º de setembro de 1969, veiculado exatamente às 20h, pela Rede Globo de Televisão, em pleno apogeu do regime militar que derrubou um presidente legítima e democraticamente eleito pelo povo brasileiro: João Goulart. E o Jornal Nacional pautou-se na cartilha censorial estabelecida pelo governo militar – a mesma cartilha que censurou músicas de Geraldo Vandré, Chico Buarque – além de outros tipos de expressões e manifestações artísticas no Brasil. E assim, durante o regime militar, o Jornal Nacional não emitiu nenhuma opinião contrária às torturas e desparecimento de milhares de estudantes que clamavam por liberdade e pelo retorno da democracia ao Brasil – o Jornal Nacional tornou-se um porta-voz não oficial do regime militar.

Mas quando a queda da ditadura militar tornou-se inevitável, o Jornal Nacional passou a comportar-se como um camaleão político – que assumiu as cores daqueles que estavam no poder… Foi assim durante as campanhas da Direta Já, foi assim quando o desastrado governo Collor assumiu o poder (com a ajuda da própria Rede Globo), foi assim quando o então presidente Fernando Henrique sucateou valiosas estatais brasileiras e foi assim quando Lula tornou-se presidente pela primeira vez (após sofrer três derrotas nas eleições anteriores).

Um elo

O Jornal Nacional apenas emite opiniões para defender seus próprios interesses ou os interesses dos seus apaniguados políticos – a exemplo do que ocorreu recentemente, quando um longo editorial foi lido para defender um dirigente de futebol acusado internacionalmente de corrupção. O editorial foi lido pelo próprio William Bonner (meus pêsames, William Bonner).

E assim o Jornal Nacional estagnou-se no tempo: inconsciente ou conscientemente ainda segue aquela cartilha ditatorial rabiscada pelo regime militar. Por isso o Jornal Nacional ainda está soletrando: não sabe analisar, não sabe criticar, não sabe ou não quer ser um formador de opiniões. O Jornal Nacional tornou-se apenas um mero elo para a novela das nove, um jornal televisivo que não estimula a reflexão do povo brasileiro à respeito dos destinos do nosso país. E se amanhã um novo golpe militar surgir, não se espantem se o Jornal Nacional retomar as suas cores ditatoriais – cores cujos resquícios ainda restam na pele camaleônica do Jornal Nacional

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Heribaldo de Assis é escritor, poeta, filósofo, compositor, redator-publicitário e licenciado em Letras