Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maioridade penal, o debate inconcluso

A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos volta à pauta sempre que casos envolvendo menores de idade ganham repercussão na mídia. O assunto é polêmico e desperta reações acaloradas entre defensores e opositores. Nas últimas semanas, crimes cometidos por jovens chocaram o país. Em São Paulo, o estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi morto durante um assalto por um rapaz de 17 anos que completaria 18 em uma semana. As câmeras de segurança do prédio onde Hugo morava filmaram o momento em que, mesmo após entregar o celular, o estudante foi atingido por um tiro na cabeça. Caso seja condenado o menor ficará detido, no máximo, por três anos.

Dias depois, também em São Paulo, a dentista Cinthya de Souza foi queimada viva. Entre os criminosos que atearam fogo à vítima está um menor de idade. Presa em seu consultório, a dentista entregou o cartão do banco e a senha de acesso à conta, mas o bando só conseguiu sacar R$ 30 e voltou para se vingar. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o número de apreensões de menores aumentou 23% nos três primeiros meses de 2013. Uma pesquisa do Datafolha divulgada em 17/4 revelou que 93% dos paulistanos concordam com a diminuição da maioridade penal.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com penas mais severas para menores que cometerem crimes graves ou reincidentes. O secretário de Segurança Pública de São Paulo defendeu abertamente que a sociedade debata a redução da maioridade penal. Já o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, é contra a reforma da legislação para jovens infratores e advertiu que o projeto enviado à Câmara é inconstitucional. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (30/4) pela TV Brasil examinou o debate em torno deste tema, que precisa entrar na agenda da sociedade.

O programa contou com a presença do advogado e vereador Ari Friedenbach (PPS-SP), pai da jovem Liana, morta em 2003 com o seu namorado, Felipe Caffé. Liana foi sequestrada e estuprada durante cinco dias por um grupo de quatro homens comandado por um jovem de 16 anos. No Rio de Janeiro, participaram a antropóloga Alba Zaluar e a jornalista Sylvia Moretzsohn. Alba Zaluar estuda violência urbana e criminalidade há mais de 30 anos. Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), Zaluar é professora da Unicamp. Sylvia Moretzsohn é professora de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde também atua no programa de pós-graduação em Justiça Administrativa.

Lei vs. realidade

Em editorial, antes do debate no estúdio, Alberto Dines criticou a postura da imprensa diante da discussão sobre a redução da maioridade penal: “No Brasil não se debate: berra-se, se xinga ou o pior, coloca-se uma pedra ou pá de cal em cima das questões cruciais. Na realidade, continuamos nos comportando como uma teocracia que não consegue libertar-se dos dogmas e tabus. Queremos fórmulas mágicas, imediatas, casuístas, imaginando que uma leizinha aqui e uma emendazinha acolá resolverão qualquer problema por mais cabeludo que seja” [ver íntegra abaixo].

A reportagem exibida antes da discussão ao vivo entrevistou Marisa Deppman, mãe de Victor Hugo. Para ela, a punição máxima de três anos para o assassino de seu filho é muito branda: “Foi feita uma pesquisa pelo Congresso Nacional. De cada 10 pessoas entrevistadas, nove são a favor da redução da maioridade penal. Quer dizer, 90% da nossa população. É uma vergonha o que está acontecendo. Esse rapaz… esse rapaz não, esse animal que executou o meu filho, vai pegar três anos [de reclusão].Aí ele se engaja lá numa comunidade religiosa qualquer que tem dentro da Fundação Casa, ele vai estudar, vai fazer alguma atividade que possibilite a redução da pena dele. Se ele cumprir um ano é muito”, lamentou.

Para Marisa Deppman, que é advogada, o ECA foi elaborado da forma correta e é referência internacional, mas só funciona no papel: “O ECA foi feito realmente para o menor abandonado, o menor que sofre uma violência doméstica, não para o menor infrator. Menor infrator não tem que estar abarcado pelo ECA porque eles usam essa brecha que tem no ECA para cometer os crimes”. A mãe de Victor Hugo Deppman ressaltou que quando os crimes são praticados em grupo, os maiores de idade muitas vezes acabam jogando a culpa para os menores de 18 anos porque sabem que estes serão punidos com um tempo menor de cadeia.

O programa entrevistou outra vítima de violência cometida por menor de idade, a jornalista Lúcia Pastor, que recentemente publicou um depoimento na Folha de S. Paulo. Estuprada aos 19 anos, nos anos 1970, ela não acredita que a redução da maioridade penal irá diminuir a criminalidade. “Ao que tudo indica, pela experiência que se tem dos outros países, não resolve nada. Não é um número cabalístico, passar para 16, oito ou quatro, que vai fazer diferença. O que faz a diferença é você ter todo um processo penal que funcione, com reeducação, política de reinserção social, com toda uma série de elementos que têm que ser discutidos e implementados e que não são agradáveis, normalmente, à opinião pública, que não quer ver presos com direitos humanos sendo defendidos”, disse a jornalista.

Castigo ou recompensa?

Especializado em Direito Penal, o advogado Paulo Ribeiro ressaltou que quando ocorre um crime de especial gravidade praticado por um menor de idade, setores da sociedade tentam alterar a legislação. “Isso tudo leva a crer que o melhor não é fazer uma mudança de afogadilho, não é fazer uma mudança pensando nessa questão que se chama de retribuição. Ou seja, se a pena criminal tem uma finalidade, e existem várias, a primeira delas seria essa tal retribuição: o mal pelo mal causado. Entretanto, tanto estudo houve na humanidade, tanto se pensou nas finalidades da pena, que seriam a ressocialização de quem praticou o crime, a prevenção no que tange à prática de futuros delitos, [que] isso certamente não se realizaria com a mudança da maioridade penal”, disse o advogado. Para Paulo Ribeiro, a redução da maioridade penal é uma resposta simplista, simbólica e ineficaz.

O jornalista Ricardo Boechat ressaltou que o projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados atende a um anseio legítimo da sociedade baseado em situações pontuais: “Não é todo dia, a todo instante – e os números mostram isso – que nós temos menores protagonizando crimes que chocam a opinião pública. Alguns desses crimes são feitos por alguns menores, lamentavelmente, numa frequência que a própria sociedade entende que precisa encontrar um basta”. Para Boechat, a alteração na legislação não resolveria o problema da violência cometida por menores. “Em um país com a realidade social que nós temos e toleramos, eu não vejo como uma lei de redução de maioridade penal possa dar a tranquilidade que a sociedade legitimamente está ansiando quando ela se coloca uma discussão como esta”, disse o jornalista.

Na avaliação da psiquiatra forense Kátia Meckler, o jovem de hoje recebe um fluxo maior de informações e, por isso, pode ter capacidade de perceber o que é errado mais cedo do que no passado. “É importante saber se a pessoa tem o livre arbítrio necessário, se ela sabe fazer a distinção entre o que é certo e o que é errado. E aí a gente acaba vendo, por exemplo, países que têm a maioridade penal muito baixa. Às vezes é dez anos. É muito importante ver o que está sendo aferido para se determinar a responsabilidade. Do ponto de vista cognitivo, a ideia é que o jovem de 16 anos tem capacidade, sim, de votar, e também tem a capacidade de fazer a distinção entre uma coisa lícita e uma coisa ilícita”, afirmou a psiquiatra.

Uma questão antiga

No debate ao vivo, Dines relembrou que há cinquenta anos, em Santa Tereza, um bairro pacato no Rio de Janeiro, o filho do jornalista Odylo Costa, filho foi brutalmente assassinado por um menor de idade durante um assalto. O caso ganhou repercussão, o pai perdoou o bandido e assumiu a tarefa de tentar reorganizar o sistema que recolhia os menores infratores. Dines sublinhou que cinco décadas depois do esforço do jornalista, a situação é a mesma por omissão das autoridades e falta de debate público sobre o tema.

Para Ari Friedenbach, a redução da maioridade penal para 16 anos é equivocada porque vai criminalizar qualquer ato de jovens a partir desta idade. “Um jovem que eventualmente roube um refrigerante, uma bicicleta, vai responder criminalmente sobre o seu ato e vai entrar no sistema carcerário falido e inoperante, [que] não recupera [os menores]. Na verdade, são masmorras e não presídios o que nós temos no Brasil”, disse o advogado. Além disso, jovens de 13 a 15 anos que cometem crimes bárbaros continuariam impunes.

Para ele, a medida mais eficaz seria responsabilizar apenas os menores que cometerem crimes hediondos, independente da idade. O infrator passaria pela avaliação de psicólogos e juízes. Após a condenação, seria encaminhado a instituições especializadas em atendimento a menores Só passaria ao sistema penitenciário comum se precisasse cumprir parte da pena após atingir 18 anos. “Precisamos melhorar as prisões, construir prisões, mas não é por isso que a gente não vai punir os criminosos”, disse o vereador.

A consciência sobre matar ou morrer forma-se bem antes dos 16 anos, de acordo com Ari Friedenbach. “O jovem de 16 anos sabe muito bem que se ele matou alguém essa pessoa não vai levantar meia hora depois”, disse o vereador. Para ele, a situação seria diferente se as diversas leis sobre os menores fossem cumpridas. “O ECA prevê que os jovens sejam separados [dentro dos centros de reclusão] por periculosidade, compleição física, tipo de crime. Então, essa coisa de dizer ‘não vamos misturar que eles ficam mais perigosos’ não funciona porque o legislador já tomou esse cuidado quando fez a lei”, explicou Friedenbach.

A violência cotidiana

A questão da maioridade penal não deve ficar restrita a discussões entre cientistas sociais, na opinião de Alba Zaluar. O tema está ligado a como o país está educando e socializando crianças e jovens. A antropóloga ressaltou que, na adolescência, uma série de mudanças hormonais causa alterações no comportamento. Em algumas sociedades os jovens aprendem a conquistar a aceitação e o respeito de seus pares pela gentileza e pela compaixão. No entanto, no Brasil, os jovens – especialmente os mais vulneráveis – estão sendo socializados em ambientes em que a violência é banalizada. É preciso oferecer aos jovens a oportunidade para que eles aprendam novas maneiras de serem respeitados e admirados porque é justamente o que buscam na adolescência como forma de passagem para o mundo adulto.

É uma incongruência, na opinião de Alba Zaluar, o fato de um jovem de 16 anos poder votar e, por outro lado, não ser responsável criminalmente sobre seus atos antes dos 18. “Surgem coisas estapafúrdias. Se o cara tem 17 anos e 10 meses ele vai para uma instituição e alguns meses depois ele estará solto. E, se o jovem tem 18 anos e um dia, será julgado como um adulto. Isso revela que nós temos uma forma de nos relacionarmos com a lei que é muito rígida.” A antropóloga explicou que o período de amadurecimento dos jovens varia de acordo com a classe social. A puberdade atualmente tem início aos 10 anos em algumas classes sociais mais baixas, segundo ela. A antropóloga advertiu que se a maioridade for reduzida para 16 anos, os grupos de crime organizado que se valem de menores para serem deixados como únicos responsáveis pelos crimes vão passar a recrutar jovens de 15 anos ou menos.

Sylvia Moretzsohn ponderou que a sociedade age sob o impacto de um sentimento de revolta quando um crime envolvendo menores infratores ganha repercussão, mas, estatisticamente, os dados não são significativos. “Quem está pensando em algum planejamento, alguma proposta de alteração da legislação, qualquer política pública que se queira ter voltada para a juventude, não [deve] se deixar levar por esses casos, que são gravíssimos e evidentemente não podem deixar de ser punidos, mas não podem ser tratados como se fossem padrão. Antes de mais nada, temos que pensar que a prisão não é solução”, alertou a professora.

De forma equivocada, o jovem está sendo socializado na prisão e depois retorna para a sociedade, onde volta a cometer crimes. Esta conjuntura gera um círculo vicioso em que a única solução, geralmente, é a reincidência. “Eu não duvido nada que a partir do momento em que nós tivermos um planejamento de que todo mundo pode ser preso por tais ou quais crimes, daqui a pouco vai haver uma campanha para que haja pena de morte efetivamente porque [as pessoas vão pensar:] ‘afinal de contas nós é que sustentamos essas pessoas com o dinheiro público. Nós, os bons cidadãos que pagamos impostos não temos que ficar sustentando esse monte de marginais ou monstros’”, disse Sylvia Moretzsohn.

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Questões incômodas

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 681, exibido em 30/4/2013

Prepare-se: nesta edição vamos examinar duas questões muito incômodas, penosas. A imediata, concreta, jornalística, é a questão da maioridade penal imposta pelo trágico autoengano coletivo de nos imaginarmos uma sociedade cordial.

A questão de fundo é talvez mais importante porque diz respeito ao papel da imprensa: no Brasil não se debate: berra-se, se xinga ou o pior, coloca-se uma pedra ou pá de cal em cima das questões cruciais. Na realidade, continuamos nos comportando como uma teocracia que não consegue libertar-se dos dogmas e tabus.

Queremos fórmulas mágicas, imediatas, casuístas, imaginando que uma leizinha aqui e uma emendazinha acolá resolverão qualquer problema por mais cabeludo que seja.

A questão da maioridade penal tornou-se gritante, já não pode ser escamoteada pela beatífica hipocrisia de “proteção à infância e à adolescência”. Mas a maioridade penal não pode ser desligada da conjuntura social onde se combinam um brutal desprezo pela vida, um sistema educacional falido e uma incontrolável corrupção que subverte todos os valores.

As grandes conquistas políticas dos últimos três mil anos foram alcançadas através do debate. E esta é uma questão eminentemente política porque diz respeito à isonomia, à igualdade de direitos e deveres. Dentro do debate estão embutidas as soluções. Abortar o confronto de ideias é um “facilitário’ que só serve a caudilhos e aiatolás.

A imprensa brasileira está diante de um desafio, verdadeiro vestibular: se não consumar este debate sobre a maioridade penal pode desistir do papel de guardiã do interesse público.

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A mídia na semana

>> As páginas de medicina estão repletas de notícias sobre o novo surto de gripe aviária no Extremo Oriente. Fala-se na nova cepa, o H7N9, quase nada se publica sobre o violento surto de gripe que está sendo chamada de “Capadócia” e está enchendo as emergências dos hospitais e postos de saúde brasileiros, sobretudo no Sudeste do país. Ninguém está prestando atenção no número de apresentadores e colunistas de rádio e tevê que entram no ar fanhosos, ofegantes, espirrando, tossindo ou se ficam de molho em casa. Além da chegada da estação fria, a poluição é a grande vilã. Como as autoridades sanitárias preferem silenciar a emitir advertências, a mídia só tomará conhecimento desta gripe quando as redações estiverem desertas.

>> A jornalista Suzana Singer iniciou na semana passada o seu quarto mandato como ouvidora da Folha de S.Paulo. A façanha é duplamente inédita: dos dez ouvidores anteriores Suzana Singer é a que mais tempo permanece na espinhosa missão de fiscalizar o seu jornal. Além disso, a Folha continua sendo o único jornal de referência nacional a manter a função. No momento em que a mídia internacional colocou a questão da autorregulamentação como prioridade, a sobrevida da impertinente ouvidora da Folha desvenda nosso atraso em matéria de transparência.

>> A enfermeira Jacintha Saldanha, que se matou depois de dar informações sobre o estado de saúde da princesa Kate Middleton para dois radialistas australianos, deixou uma carta acusando os jornalistas pelo ocorrido. De acordo com o jornal britânico Sunday Times, ela deixou três cartas onde fica claro que os australianos foram os culpados por sua morte. Em dezembro, a enfermeira forneceu os dados do estado de saúde da duquesa de Cambridge, que estava internada e grávida, aos dois DJs que se passaram pelo príncipe Charles e a rainha Elizabeth. A enfermeira foi encontrada morta três dias após o trote. Os jornalistas foram suspensos da rádio, mas não foram responsabilizados pela polícia, e nem por seus pares. A função de ombdsman faz falta.

>> Susto na Casa Branca. Na terça-feira passada a conta no Twitter da agência Associated Press foi invadida por hackers. O grupo postou a informação de que a sede do governo dos Estados Unidos teria sido alvo de duas explosões e que o presidente Barack Obama estava ferido. Cerca de dois milhões de seguidores receberam o tweet. A falsa notícia ficou no ar apenas por cinco minutos, mas foi o suficiente para derrubar momentaneamente a bolsa de Nova York. O grupo Syrian Eletronic Army reivindicou a autoria da invasão. Nas últimas semanas, as contas da Copa do Mundo, do presidente da Fifa, da CBS News e da BBC também foram invadidas, expondo a falta de segurança da web.

>> Faltando muito pouco tempo para a Copa das Confederações, os cartunistas não estão muito otimistas com o desempenho da seleção brasileira e de seus principais jogadores. Resta saber se o técnico Felipão vai conseguir apagar as más atuações de nossa memória e montar um time que volte a jogar bem.

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Lilia Diniz é jornalista