Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reportagem ou release?

Como tem acontecido sucessivamente desde a inauguração da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro, no morro Santa Marta, em 2008, a ocupação das comunidades do Cerro-Corá, Guararapes e Vila Cândido – também localizadas aos pés do Cristo Redentor –, no último dia 29/4, foi transformada em um verdadeiro espetáculo pela imprensa.

“As bandeiras do Brasil e do estado do Rio de Janeiro foram hasteadas, por volta das 10h30, no alto da favela Cerro-Corá, no Cosme Velho, na Zona Sul do Rio”, entoa o lide da matéria do portal online G1 (após ocupação, bandeira é hasteada no alto da favela Cerro-Corá, no Rio, 29/4). O poético nariz de cera é apenas um dos recursos que vêm sendo utilizados à exaustão pela grande mídia a fim de exaltar o conceito das UPPs, principal bandeira da política de segurança pública do estado – ainda que a iniciativa se restrinja basicamente à Zona Sul da capital fluminense.

Imagens de homens fortemente armados tomando as vielas dos morros, auxiliados por forte aparato militar, como os famosos caveirões – tão temidos pelos favelados quanto adorados pelos moradores do asfalto –, são alguns dos elementos visuais explorados em tais reportagens com o intuito de mexer com os brios dos leitores das classes média e alta.

Semelhança com assessoria de imprensa

Outra tática já característica (e novamente repetida neste caso) das matérias ready-made que registram a instalação de UPPs consiste no destaque dado à rapidez com que polícia tem ocupado as favelas nessas ocasiões, sem a ocorrência de óbitos: “A PM entrou na comunidade às 5h e, depois de meia hora, sem disparar nenhum tiro, realizava varredura e revistava a população” (G1, 29/4); “Sem encontrar resistência, as forças policiais recuperaram os territórios em apenas 30 minutos” (Folha Online, 29/4); “Em apenas 30 minutos, cerca de 420 policiais militares liderados pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) ocuparam (…)” (Estadão Online, 29/4).

Na sequência, a fala de uma moradora aprovando a ocupação – “É importante, fiquei orgulhosa de ter a bandeira na minha casa. Eu não esperava. Vai ser bom ter a UPP aqui também” (G1, 29/4) – e, por último, o destaque ao fato de que um “cinturão de segurança” está sendo fechado no entorno da Zona Sul do Rio de Janeiro: “A retomada destes territórios, localizados numa área cercada de pontos turísticos, deve diminuir de forma gradual o número de roubos na região” (Folha Online, 29/4); “(…) a ação representa o fechamento do cerco na Zona Sul da cidade, que é um importante ponto turístico do Rio” (G1, 29/4); “As três comunidades ocupadas (…) ficam aos pés do Cristo Redentor, principal ponto turístico da cidade que será visitado pelo papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude” (Estadão Online, 29/4).

De tão previsíveis, formatadas e esquadrinhadas, as matérias a respeito de UPPs – nas quais se incluem as intermináveis suítes que buscam mostrar que a felicidade enfim se instalou nos morros cariocas –, se assemelham mais a obra de assessoria de imprensa do que a reportagens propriamente ditas. Trata-se de mais um exemplo da institucionalização do conteúdo jornalístico, fenômeno que pode pesar negativamente na luta pela sobrevivência dos jornais, impressos ou não, ao longo das próximas décadas.

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João Montenegro é jornalista, Rio de Janeiro, RJ