Enquanto todos se entregam ao pessimismo e garantem o fim do impresso, ele aposta em jornais locais, focados na comunidade. O portfólio da holding Berkshire Hathaway já tem quase 100 títulos.
Enquanto todos se fascinam com novas gerações de maquinetas e aplicativos mágicos, ele lê cinco jornais por dia em papel e um semanário. Cinco a seis horas por dia que lhe dão enorme prazer. Não lê nem envia e-mails, mas há poucos dias começou a tuitar – certamente via assessores – e imediatamente mobilizou uma formidável legião de seguidores. [Eram 295.311 às 15h34 de segunda-feira (6/5), embora até então ele tivesse disparado apenas dois tuítes.]
Apesar dos 82 anos, tem uma memória fabulosa. E não apenas em matéria de números, cotações e desempenho bursátil. Sabe onde estamos, para onde vamos, capta tendências, movimentos e não apenas dos mercados, porque ele é muito mais do que um investidor. É um importante ator político que venceu as insuperáveis contradições que opunham o liberalismo econômico e o liberalismo político e empurravam os adeptos do laissez-faire para as proximidades da extrema-direita e do fascismo.
“Ele” é Warren Buffett, o terceiro homem mais rico do mundo (às vezes passa para o segundo posto), o capitalista que vota em Barack Obama, adora desafiar os republicanos, deserdou os filhos e deixou grande parte de fortuna para a obra filantrópica do amigo Bill Gates na África.
Convicções liberais
Ao discutir os nomes para o especial que abriria as comemorações dos 15 anos do programa Observatório da Imprensa, Buffett foi o mais votado. Estava nas manchetes, acabara de comprar mais alguns títulos e a carta semestral aos acionistas da Berkshire Hathaway (geralmente escrita por ele) estava sendo comentada em todas as grandes colunas de economia e negócios do mundo. Sobretudo no tocante ao futuro dos jornais comunitários e o modelo de negócios capaz de garantir a sobrevivência dos impressos diante avassaladora onda digital.
A aposta jornalística de Buffett nos leva naturalmente à história da imprensa americana. Sem uma pequena imprensa comprometida com a vida comunitária não haveria uma grande imprensa tão aferrada as seus deveres públicos. Nos clássicos do faroeste, ao lado do saloon, do armazém, da delegacia, lá está quase sempre um jornalzinho denunciando os bandidos e corruptos. Sua obsessão por jornais “indispensáveis”, focados nos interesses imediatos dos leitores, tem condições de dar um sentido ao jorro contínuo de fragmentos digitais que mais desnorteia do que informa.
Como chegar ao “Oráculo de Omaha”? Missão impossível, valia como exercício. Cerca de 36 horas depois do primeiro contato com um intermediário, o e-mail lacônico: “Vou tentar”.
Deu certo. Ou quase – os leitores e telespectadores julgarão se valeu a pena o esforço. A grande imprensa mundial trata Buffett como mera curiosidade. Não pode levá-lo inteiramente a sério porque suas convicções liberais confrontam o voluntarismo dos grandes grupos de mídia. Quando confessa que o seu sonho era trabalhar como repórter, Buffett integra-se a um ofício que o meritíssimo Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, não considera profissão, apenas ocupação.
Tentações manjadas
Mesmo em Omaha, as bruxas estavam ativas: o equipamento de som pifou, dos 30 minutos reservados para a entrevista, 23 foram perdidos com testes e reparos, Buffett não demonstrou a menor impaciência – “lá em cima eu estaria perdendo alguns milhões de dólares”. Ao testar os microfones, no lugar do “um, dois, três”, disse “um milhão, dois milhões, três milhões”. E tomou outro gole da intragável Coca-Cola sabor morango (é um dos maiores acionistas da companhia).
No final, quando este repórter revelou que escreveria um texto com o título acima – “Faça Como Buffett, compre um jornal” – riu gostosamente, mas advertiu os futuros publishers brasileiros – comprem jornais, mas não pensem em poder político. Nunca esteve no Brasil, mas é do ramo: conhece as tentações.
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A.D. no programa Manhattan Connection (5/5/2013)
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