“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” A frase teria sido criada pelo senador americano Hiram Johnson durante a Primeira Guerra Mundial, e foi popularizada como título de livro do jornalista australiano Phillip Knightley – A primeira vítima. Ela está presente nos jornais brasileiros, por estes dias, para explicar a disputa em torno da definição das novas alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS).
Há uma proposta em discussão no Congresso Nacional, que prevê a criação de uma alíquota de 12% para a Zona Franca de Manaus, 7% para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mais o Espírito Santo, e de 4% para as regiões Sul e Sudeste. São Paulo e os estados do Sul admitem apenas duas alíquotas, de 7% e 4%.
Os jornais de terça-feira (7/5) trazem informações dispersas sobre o assunto, dividindo o material entre o noticiário sobre a votação preliminar, em Brasília, e opiniões colhidas nos estados. Paralelamente, governadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste fazem publicar um manifesto em jornais do Sudeste, em nome da Associação para o Desenvolvimento Regional Sustentável (Adial Brasil).
Em entrevista, o secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, volta a fazer uma declaração alarmista. Ele diz: “A reforma fiscal está levando o país à beira da guerra civil”. No longo prazo, segundo o secretário paulista, o texto que tramita no Congresso Nacional pode levar a uma secessão, por suas consequências para as economias dos estados mais industrializados.
O ponto central dos debates é uma mudança, inserida no projeto original, que cria uma terceira alíquota e amplia o prazo de validade das novas regras em relação ao que havia sido acertado pelo Confaz, o Conselho que reúne os 27 secretários estaduais da Fazenda.
Acontece que, mesmo que dedique algumas horas à leitura do que tem sido publicado sobre o assunto, o cidadão vai continuar sem saber onde está a verdade. O que está em jogo não é apenas a criação de um sistema tributário nacional que estimule o desenvolvimento industrial – trata-se também de um processo de mudança na distribuição de recursos produtivos, que irá descentralizar a economia e mexer com o poder dos estados.
A verdade baleada
A complexidade do assunto exigiria a criação de uma estrutura de edição com no mínimo três ângulos de abordagem. No primeiro deles, trata-se da questão política que representa a real disposição de São Paulo de dividir mais recursos, além do Fundo de Desenvolvimento Regional, para estimular a industrialização das outras regiões. Por trás dessa questão resiste o problema das disputas partidárias: se São Paulo perde poder econômico, o PSDB e seus aliados perdem poder político. Se a reforma consolidar com mais investimentos o crescimento produzido fora de São Paulo pelas políticas sociais de distribuição de renda, o PT e seus aliados se tornam imbatíveis nas urnas.
A segunda abordagem é a necessidade real de mudar a distribuição de oportunidades, tema que impõe a reforma tributária: atualmente, como lembra o secretário Calabi, São Paulo produz um terço do PIB nacional e representa entre 60% e 70% do volume de vendas.
Todos os governadores se elegeram com ambiciosas promessas de desenvolvimento, o que, no senso comum, é representado pela indústria. Acontece que nem todas as regiões têm essa vocação, acesso a insumos, mão de obra ou mercado suficiente, e praticamente todos os projetos têm como objetivo vender no mercado paulista. Para obter preços competitivos, essas indústrias precisam de incentivos fiscais na origem e baixa incidência de ICMS na venda.
A terceira abordagem se refere à desconfiança geral quanto à capacidade ou mesmo ao interesse das autoridades estaduais de cumprir as regras: sabe-se que um grande volume dos créditos devidos a incentivo industrial não passa de fraude, com bilhões de reais glosados em notas fiscais que passeiam entre as fronteiras estaduais para arrecadar esses benefícios. Além disso, a maquilagem de produtos importados transforma zonas francas em verdadeiras feiras de produtos estrangeiros com benefícios tarifários.
Por trás da disputa campeiam justificadas desconfianças, mas os textos produzidos pela imprensa tradicional deixam o leitor à deriva. Por exemplo, a entrevista do secretário Calabi tem muito mais informações na versão digital do que nos jornais de papel. E o informe publicitário dos governadores não se encontra na internet. Quem quiser conhecer melhor suas razões tem que entrar no site da Adial Brasil.
Como se vê, se ainda não foi baleada, a verdade tratou de se esconder do tiroteio.