Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pedofilia e suicídios na telinha

Recentemente (24-03), o blog do Noblat publicou um artigo meu – intitulado ‘Desenho nada Animador’ –, no qual questiono a produção e exibição de uma série de desenhos animados produzidos e exibidos pela BBC – cujo nome é Monkey Dust –, e que mostram, entre outros absurdos, um chat de um pedófilo tentando cooptar vítimas e um pai suicidando-se toda vez que não consegue estabelecer o diálogo com o filho pequeno.

Tal artigo suscitou algumas manifestações questionando se eu achava que a TV tinha culpa em relação à pedofilia e se eu era contra a liberdade de expressão.

Calar sobre suicídios

Não sustento que a TV tenha culpa em coisa alguma e muito menos defendo a censura. Contudo, questiono a validade de fazer tal programa. Os jovens suicidam-se em números crescentes e alarmantes, de acordo com dados das últimas pesquisas divulgadas pela Unesco. No Brasil, o quadro é o mesmo.

Em segunda análise, a mídia tem adotado uma postura universal acerca da divulgação de suicídios. O caso mais notório e que, supõe-se, pode ter, conscientemente ou não, gerado tal posicionamento, foi a divulgação, em certa época, de pessoas que pulavam da Torre Eiffel.

Quanto mais o Monde publicava cada novo caso, no dia seguinte outra pessoa repetia a dose. Até que o jornal resolveu calar-se. Foi interrompida a série de mortes.

Uma invasão de marcianos

Somos responsáveis pelo que falamos, fazemos e reproduzimos. Como jornalistas, então, nem se fala. Nosso falar não é meramente solitário, mas alcança diretamente o coletivo.

Os meios de comunicação formam e deformam opiniões, queiramos ou não, modismos são lançados como novos falares, novos paradigmas, novas maneiras de agir. Incitamos as pessoas, com nosso ‘mostrar’ o mundo, a pelo menos pensarem e/ou repensarem suas posturas. Para melhor ou não.

O fenômeno é antigo conhecido nosso e pode levar pessoas a, por exemplo, acreditarem em uma invasão de marcianos, como provado certa vez pelo genial e irreverente Orson Welles, às 21h da noite de 30 de outubro de 1938. Aos mais jovens, relembramos que o fato ocorreu na rádio CBS – Columbia Broadcasting System – quando foi simulada uma invasão de extra-terrestres com todos os recursos de cobertura jornalística.

Crime previsto em lei

A CBS calculou, na época, que o programa atingiu cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade passaram a sintonizá-lo quando já havia começado, perdendo a introdução que explicava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão acreditaram que acompanhavam uma reportagem fora do normal.

Acrescento a isso, um comentário de uma leitora sobre o mesmo artigo que considero válido: ‘(…) Atualmente, quando tudo acontece, a malícia está de tal maneira entranhada nas atitudes das pessoas que os maus pensamentos dela decorrem até mesmo para auto-proteção. É óbvio que se existe a figura do pedófilo e se ela é projetada nas telas como uma coisa engraçada, o desenho é desolador. Se as histórias antigas geravam o medo no imaginário das crianças, já que os pais as usavam para disciplinar os filhos, a pedofilia nos vídeos se apresenta como coisa normal, não tendo nenhuma função educadora, nem protetora. É necessário criticar a permissividade e lutar pelos modelos que possam direcionar as crianças para comportamentos aceitos socialmente’, diz ela.

Para finalizar, reproduzo do Código Penal Brasileiro o Art. 122, que alega que induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça leva a uma pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consumar; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave. Bem, que tudo isso seja apenas um mero detalhe, sem desenhos ao fundo…

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Jornalista, professor e escritor