Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guerra sem vencedores

O ano de 1952 pode ser classificado na história da imprensa brasileira como Annus Mirabillis,Ano Milagroso (excelente, dourado, em contraposição ao Annus Horribilis). E como todas as efemérides anuais, esta também transcende ao ano-calendário estendendo-se de 1949 a 1956.

No núcleo central está a adoção pelo Diário Carioca do novo modelo de escrita jornalística que modernizará não apenas o conteúdo, mas o visual dos jornais. No mesmo ano, uma dupla revolução no segmento das revistas noticiosas: os lançamentos do semanário ilustrado Manchete que uma década depois já ameaçará a hegemonia do poderoso O Cruzeiro e do quinzenário Visão, introdutor do formato e estilo da americana Time, hoje dominante no mercado de semanários noticiosos.

No período posterior e fruto desta dinâmica registra-se a mais decisiva transformação de um diário que funcionará como paradigma do jornalismo brasileiro nas décadas seguintes – a reforma do Jornal do Brasil (1956-1959).

Na fase imediatamente anterior, está o lançamento de dois vibrantes vespertinos que se tornarão vetores deste apaixonante relato de Aloysio Castelo de Carvalho, dirigidos por dois extraordinários profissionais, ex-amigos e ex-camaradas que a paixão política e a Guerra Fria transformaram em ferozes adversários.

Pequena e grande história

A Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, lançada em 1949, e Última Hora de Samuel Wainer, em 1951, rapidamente se converteram em protagonistas de uma tragédia que culminará com a tentativa de deposição e suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954.

O duelo, aparentemente singular, é a parte visível de uma selvagem cruzada contra um brilhante repórter que ousou deixar a redação e a busca de manchetes para ingressar no exclusivíssimo clube dos donos de jornal. Antes mesmo de Lacerda denunciar Wainer como nascido na Bessarábia (hoje Romênia) e, portanto, inapto a ser proprietário de uma empresa jornalística, já era visível a má vontade contra o filho de imigrantes judeus que conseguiu ultrapassar os muros do gueto para sentar-se junto aos aristocráticos donos do poder.

Quando Wainer cobriu para os Diários Associados o julgamento dos criminosos de guerra nazistas em Nurenberg, não poderia imaginar que seis anos depois os venerandos preconceitos – devidamente cosmetizados – o colocariam no banco dos réus como falsificador de documentos e beneficiário de um enorme financiamento com recursos públicos.

Outros jornalistas e donos de jornais beneficiaram-se de generosas ajudas oficiais, caso de José Eduardo de Macedo Soares, que no final do governo Dutra (1949) retribuiu generosamente a ajuda que o Diário Carioca prestara à sua candidatura à presidência. Seus pares não reclamaram contra os ostensivos e indevidos privilégios oferecidos ao concorrente.

Fazia parte do negócio jornalístico oferecer apoios políticos e, em seguida, receber uma farta recompensa. Durante a ditadura militar (sobretudo no período em que Delfim Netto tinha a chave do cofre), grandes empresas expandiram-se graças a empréstimos para novas instalações, compra de equipamentos e concessões de canais televisivos.

Enquanto diretor da revista Diretrizes, Wainer não incomodava mesmo ocupando a faixa da esquerda (hoje o semanário seria considerado “alternativo”). Porém à frente de uma empresa inovadora, ambiciosa e, sobretudo, solidamente implantada, reacenderam-se as velhas implicâncias com a “conspiração judaica”.

O “caso Última Hora”, magnificamente exposto neste livro, confirma a justaposição da “pequena história” com a “grande história”. Nenhuma delas pode ser esquecida. (Agosto de 2012)