Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No jornalismo e na ficção, a busca pelo capital

No final de abril entrou em cartaz nas salas do mundo inteiro o terceiro episódio da franquia Homem de Ferro, estrelada por Robert Downey Jr. O filme, um aperitivo para o público que espera pela sequência de Os Vingadores, bateu recorde de bilheteria na estreia mundial e arrecadou US$ 195,3 milhões nos primeiros dias de exibição. A produção, que também entrou em cartaz com o pé direito nos Estados Unidos e no Canadá, já se destaca como a segunda maior estreia de todos os tempos: US$175,3 milhões.

Homem de Ferro 3 é uma produção marcada por uma sucessão de efeitos especiais, onde o herói americano precisa salvar o seu país de uma ameaça oriental eminente, o grande vilão Mandarim. Assim como nas produções da Guerra Fria, os problemas políticos e econômicos foram transportados para as telonas. O cinema, assim como o jornalismo, é um meio eficaz na guerra das construções simbólicas. Se estamos em um período em que as identidades são fluidas, onde o sujeito reflete a complexidade do mundo atual, alguns grupos sociais não têm autoridade para se representar. Eles são caracterizados por estereótipos e por definições costumeiramente negativas. Nessa sequência marcadamente ideológica, todo afegão é terrorista. E é quase impossível definir um muçulmano sem a dupla “fundamentalista” e “radical”. Para Stuart Hall, referência quando o assunto é identidade, vivemos um momento fraco, onde as diferenças são des-historicizadas. Essas categorias sociais, construídas por meio do preconceito, são aos poucos naturalizadas e o seu lastro ideológico é esquecido.

No campo jornalístico, o sensacionalismo é um aliado indispensável para a determinação dos culpados na guerra contra a América. Os aviões batendo nas torres gêmeas, mesmo depois de uma década, ainda compõem o universo imagético coletivo. O excesso é a prova de que nenhuma cobertura jornalística é isenta, mas se fundamenta em escolhas, recortes, enquadramentos e opções. O fato é explorado de maneira cansativa e excludente: nada mais acontece no mundo!

Tony Stark made in China

Nas mídias, a narrativa da identidade nacional é frequentemente retomada. Por isso é necessário vestir uma armadura, exorcizar os próprios demônios e garantir a segurança do país? Se você é patriota, sim! Em Hall, a identidade nacional é percebida como uma identidade cultural, ou seja, pode ser criada e alimentada a partir de uma representação. Esta formatação tem o intuito de difundir coletivamente o ideal de nação e tudo o que ele representa. A formação da cultura nacional, que atende a interesses políticos e econômicos, tem o intuito de representar todos os seus membros como pertencentes a uma grande família, ainda que para isso seja necessário o uso da violência.

Mas Tony Stark (Downey Jr), em Homem de Ferro 3, foi vencido pelos erros do próprio preconceito: o inimigo não é quem parece ser! O herói egocêntrico segue o seu papel, com um final já anunciado e que todo o espectador conhece, apesar de alguns imprevistos. Nacionalismo ou patriotismo são, portanto, construções simbólicas que se convertem no campo material. A nação nada mais é do que uma elaboração bem fundamentada. É preciso acreditar neste ideal para defendê-lo bravamente. No jornalismo, no cinema e no campo político essas construções, que aos poucos tornam-se naturais no seio da sociedade, são as matérias-primas para a manipulação ideológica.

A aventura entrou em cartaz na China no último dia 3/5, com a arrecadação recorde de US$ 21,5 milhões. A cifra supera os valores alcançados por Os Vingadores no final de semana de estreia, com US$ 18 milhões. Para atender um mercado cinematográfico em constante expansão, Homem de Ferro 3, que contou o apoio do governo local, sofreu algumas modificações em seu roteiro. A primeira delas foi o nome do vilão. Mandarim, uma palavra com origem oriental, deu lugar a Man Daren. Além disso, passagens e personagens específicos para esta versão do filme foram adicionadas. No episódio anterior da franquia, Homem de Ferro 2, de 2010, algumas menções à Rússia foram retiradas pela censura chinesa. Tony Stark é um herói americano que pretende se tornar global e, neste ponto, o galã egocêntrico até permite dividir a tela com um companheiro chinês. Tudo pelo capital!

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Renata de Paula dos Santos é jornalista e mestranda em Comunicação