Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ciência íntegra

Entre 5 e 8 de maio, a cidade de Montreal, no Canadá, sediou a 3ª Conferência Mundial de Integridade na Pesquisa (WCRI, na sigla em inglês). O encontro abordou temas como ética, plágio e fraude, questões centrais quando o assunto é a conduta dos profissionais que fazem pesquisa científica ao redor do mundo. Entre os palestrantes estava a brasileira Sônia Vasconcelos, pesquisadora do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No evento, Vasconcelos falou sobre as medidas que têm sido tomadas para promover a integridade na pesquisa científica brasileira. Em 2011, um caso de má conduta envolvendo químicos da Universidade Federal de Mato Grosso e da Universidade Estadual de Campinas acusados de forjar os resultados de 11 artigos científicos motivou a criação de políticas que promovem a integridade acadêmica.

Apesar de não ter um órgão regulador para monitorar a conduta dos profissionais da ciência, o Brasil tem sido cenário de discussões sobre o tema e, segundo Vasconcelos, é o local favorito para receber a próxima edição da WCRI. Em entrevista concedida à CH On-line antes de embarcar para o Canadá, Vasconcelos falou da importância do tema e do evento, além de abordar os conceitos de má conduta na ciência, suas motivações e os principais desafios nesse campo.

Quais assuntos a senhora irá abordar na 3° Conferência Mundial de Integridade na Pesquisa? Qual é a importância desse tipo de encontro para a ciência?

Sônia Vasconcelos – Abordarei o progresso das discussões e ações nessa área de integridade e conduta responsável no país ao longo dos últimos anos, tanto no âmbito educacional quanto no âmbito da pesquisa. De fato, o Brasil, comparativamente a outros países da América Latina, deu um salto importante em curto período, visto que possui encontros acadêmicos regulares sobre o tema e está desenvolvendo gradativamente disciplinas, cursos de curta duração e fóruns dedicados ao assunto. A conferência tem um papel fundamental na conscientização sobre questões relacionadas à integridade em pesquisa e no aprofundamento das discussões sobre ciência e sociedade. As conferências mundiais na área sinalizam que universidades, agências de fomento à pesquisa, academias e editoras estão buscando formas não de ‘punir a má conduta na pesquisa’ – esse não é o foco e nem deveria ser –, mas de responder a um contexto de geração de conhecimento que vem sendo confrontado com cada vez mais demandas – políticas, educacionais, sociais e econômicas – e de forma mais intensa numa rede de colaborações bem mais plural e com um público cada vez mais inserido no cenário contemporâneo da ciência.

Em que momento surge no Brasil a preocupação com a integridade na pesquisa científica? O país possui normas e mecanismos de monitoramento e punição em casos de má conduta?

S.V.– A preocupação com a integridade na pesquisa científica brasileira refletida na agenda de políticas científicas do país começou há poucos anos. Os grandes marcos – e também as normas usadas atualmente – são o Código de Boas Práticas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp), as Diretivas sobre Integridade na Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – ambos de 2011 –, além do Encontro Brasileiro de Integridade em Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (Brispe, na sigla em inglês), iniciado em 2010. Sobre o monitoramento e a punição de casos de má conduta, talvez possamos dizer que este é o momento inicial de organização e tentativa de achar o melhor caminho para lidar com essas questões. Não há uma estrutura desenhada como há em países como Estados Unidos e Canadá, onde a implementação de políticas de promoção à integridade em pesquisa estão mais acentuadas, inclusive por razões históricas.

Como é feita a investigação de má conduta científica no Brasil?

S.V.– A resolução dos poucos casos divulgados que envolvem pesquisadores em universidades brasileiras foram resolvidos com o auxílio de uma sindicância estabelecida pelas próprias instituições envolvidas.

Quando se fala em má conduta científica, o plágio é quase sempre citado. Quais outras ações praticadas pelos cientistas podem ferir a integridade da pesquisa?

S.V.– Este é um aspecto interessante. O plágio vem recebendo uma ênfase grande em relação a outras práticas e uma das razões é porque pode envolver ideias, resultados e texto. Além disso, direitos autorais permeiam essa discussão na produção científica, o que aumenta a atenção das editoras para essa prática. O fato é que nos últimos anos, apesar de o conceito formal de má conduta não ter mudado, diversas outras práticas antiéticas têm sido entendidas como questionáveis na condução e publicação da pesquisa. Essas práticas envolvem qualquer tentativa de distorcer o registro da pesquisa, o que inclui a omissão de resultados às vezes indesejados – porém, relevantes – do registro/publicação de uma dada pesquisa. Essa abordagem vem aos poucos aprofundando o olhar para esse aspecto particular: da distorção do registro desses dados e de seus impactos na produção de conhecimento.

Em sua opinião, o que pode levar um pesquisador à má conduta científica?

S.V.– Antes de tudo, acho importante esclarecer a que especificamente nos referimos quando falamos de má conduta na pesquisa. Existe certo consenso internacional sobre o conceito de má conduta, que se configura em casos de fabricação, falsificação de dados – onde pode haver manipulação de equipamentos, processos e materiais de pesquisa ou omissão de dados ou resultados de forma que a pesquisa fique mal representada – e plágio de dados, ideias ou de texto na condução, comunicação ou revisão da pesquisa. Nesse cenário, as motivações para a fabricação e falsificação de dados não necessariamente são as mesmas nos diversos cenários. Também nem sempre são aquelas que levam, por exemplo, a um plágio textual, ou seja, uma apropriação textual ilegítima em um artigo científico. Nesse caso, há diversos relatos de pesquisadores que indicam dificuldades de se articular com segurança na língua franca da ciência, o inglês, para comunicar seu resultado e, ‘por medo de errar’, acabam se apropriando de construções de outrem.

Qual área da ciência está mais vulnerável à má conduta?

S.V.– Essa pergunta não tem uma resposta simples. Se considerarmos o aspecto da replicabilidade de dados, poderíamos dizer que áreas em que a replicabilidade é mais difícil, às vezes até mesmo pela natureza das suas pesquisas, podem se tornar mais vulneráveis, mas não há estudos que indiquem se esse aspecto é fator decisivo ou não. Por outro lado, se considerarmos casos de má conduta documentados nas últimas décadas, em que áreas biomédicas têm o maior número, será que poderíamos afirmar que por essa razão essas áreas seriam então as mais vulneráveis? Considerando quais critérios? Muitos dos estudos sobre o tema abordam resultados obtidos por metodologias diversas que geram vieses próprios e não nos dão uma resposta concreta. Não podemos esquecer que o próprio aprofundamento de discussões sobre má conduta nessas áreas, inclusive por razões históricas, podem deixar os membros dessa comunidade de pesquisa mais atentos para o problema, o que pode impactar a sensibilidade para identificar possíveis casos.

Quais são os principais desafios no combate à má conduta científica?

S.V.– Acho que os principais desafios incluem a atenção, ainda reduzida, na minha avaliação, ao impacto que esse problema pode ter no registro da pesquisa, na relação de confiança entre pares e na interação da ciência com o público. Entretanto, a pergunta crucial é: quais são os principais desafios para os pesquisadores fomentarem uma cultura de pesquisa que estimule mais colaboração do que a competição (embora ela tenha um papel importante na pesquisa) entre pares, inclusive para resolver problemas de forma mais rápida, que estimule mais o prazer e a criatividade, especialmente dos jovens pesquisadores, pela atividade de pesquisa e que, ao mesmo tempo, promova o sentimento de accountability (responsabilização), tanto na condução quanto na comunicação pública da pesquisa?

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Mariana Rocha, do Ciência Hoje On-line