Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para não dizer que não falei das flores

Houve um tempo em que a censura atuava de modo mais agressivo, tanto que o jornal O Estado de S. Paulo publicava em sua primeira página receitas culinárias ao invés de notícias e opiniões, pois o poder supremo não queria estar em destaque expondo assim suas fraquezas e dúvidas. Durante anos, lutamos pelo fim desta ditadura. Não podíamos escolher nossos governantes e muito menos tínhamos acesso à informação, informação essa crucial para nos orientar, esclarecer ajudar a definir nossos rumos.

A ditadura caiu, ou pelo menos assim parece, ou dá a entender! A livre expressão de cada um pode então ter seu lugar assegurado e as opiniões diversas por vezes ajudam a consolidar nossa democracia.

Chega então a internet. Uma grande vitrine mundial de debates, onde através de redes sociais, cada um de nós pode encontrar o vasto caminho de opiniões distintas, ou, até igual ás nossas, criando assim o ambiente que nos foi sugado durante anos de mãos de ferro, que hoje sabemos enferrujaram através da corrosão ocasionada pelos movimentos que buscavam a liberdade, cansados de segurarem em suas bocas a mordaça que não permitia suas expressões ou questionamentos. Mas hoje, e aos poucos, vemos que não é bem assim, afinal qual seria o limite da liberdade tão sonhada de expressão? Ora, parece até antagônico falar em limite para a liberdade, ou mesmo até onde uma expressão pode ir.

Propriedade da verdade

É como construir uma grande rodovia que sai de algum lugar para outro, mas infelizmente este destino não pode ser atingido, pois não permitem a livre passagem por esta rodovia, ou parte dela, e o tal destino fica legado apenas a poucos.

Claro que ofensas morais e ataques sem sentido nunca fizeram parte desta liberdade de expressão, mas debater com ideias o que acreditamos, ou mesmo, acreditávamos ser o correto, não pode ai ser comparado com frenéticos e descabidos ataques á honra de alguém, pois deve-se analisar todo um conjunto e não apenas parte dele, parte essa de quem não quer debater e escora-se em uma moral questionável e na supremacia de seu poder em ditar o certo ou errado, alienando-se de seu conjunto, como se assim detivesse o senso único da verdade, e que a vê como totalmente inquestionável, sob pena desta verdade tornar-se pessoa mais física que abstrata.

Ninguém pode deter o título de formador de opinião, afinal, a opinião nasce de um conjunto de ideias e não de uma só linha escrita em um blog, jornal ou outra mídia, mesmo que ganhe coro favorável á sua posição, pois não é hermética, e cria novos parâmetros a cada discussão, porém ao calar via impositiva, apenas á solidifica, afinal fecha-se o debate e abre-se um interminável direito de propriedade desta verdade, que favorece apenas um lado, lado esse que agora passa a ter a liberdade de expressão assegurada com seus limites impostos e que devem ser aceitos sem contrariedade, ou opiniões consideradas desafetas sem esta figura ter, ou pretender ser.

Irmãs siamesas

Devemos sim acreditar que criticar de maneira positiva não é destruir, apenas e tão somente, uma maneira de tornar mais forte aquilo pelo qual tanto lutamos, ou seja, a nossa liberdade, liberdade essa de construir bases firmes que nos irão dar segurança sob qualquer situação adversa.

Erram aqueles que tornam pessoal um motivo coletivo, erram aqueles que buscam calar sem falar o por que de tal ato, erram aqueles que fogem e escondem-se em antigas leis ditatoriais para assegurar somente aquilo que julgam ser uma única verdade sem espaço para questionamentos, pois sentem-se atingidos sem ao menos serem tocados.

Liberdade e expressão são irmãs siamesas. Uma longe da outra não sobrevive e todas filhas da mesma mãe, a democracia, que sem elas perde sentido de existência.

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Julio Cesar Camerini é jornalista