Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um espaço a ocupar

Este artigo pretende lançar considerações sobre o campo da TV Universitária no contexto do ensino superior, especialmente com relação ao tripé ensino-pesquisa-extensão e o papel da produção de conteúdo audiovisual na transposição dos saberes eruditos para a sociedade.

A abordagem é feita com relação às questões ligadas aos mecanismos administrativos das TVs Universitárias que podem contribuir nas discussões sobre a implantação dessas emissoras. Por ser um campo novo, já que as TVUs surgiram com mais força após a Lei de Cabodifusão, sancionada em 1995, os estudos sobre o tema no Brasil são bastante incipientes e a implantação desses veículos realiza-se, muitas vezes, sem uma análise sobre seus objetivos enquanto mídia universitária. De qualquer forma, o importante é que as universidades e instituições de ensino superior estão cada vez mais apropriando-se do maior veículo de comunicação no Brasil, que a exemplo do rádio está presente em quase 100% do território nacional.

O Canal Universitário é uma vertente da TV Pública, e tem sua garantia de veiculação prevista na Lei 8.977, de 6 de janeiro de 1995, conhecida como Lei da Cabodifusão ou Lei do Cabo, que obriga as operadoras a disponibilizarem canais de acesso gratuitos e públicos, tais como as TVs educativas, legislativas, executivas e comunitárias. Embora não seja o único meio de veiculação das produções audiovisuais produzidas pela Universidade (há canais abertos em sistema VHF ou UHF, via satélite, pela internet e em MMDS) essa lei proporcionou um grande avanço no número de emissoras universitárias. Conforme dados da ABTU (Associação Brasileira de TVs Universitárias), estão em atividade cerca de 100 emissoras mantidas por universidades, Instituições de Ensino Superior (IES) e órgãos de pesquisa. Informações completas podem ser acessadas em www.abtu.org.br.

Apesar da definição legal de que o canal deva ser compartilhado por ‘universidades’, é freqüente a utilização do sinal por apenas uma instituição, ou ainda a realização de consórcios que possibilitem a participação de centros universitários e instituições de ensino superior. No entanto, a redação do artigo 23 da Lei do Cabo garante o acesso somente às ‘universidades’, o que inviabiliza, em algumas cidades como São Paulo, a participação de instituições de ensino superior (IES) e faculdades isoladas nos consórcios de programação do canal. Em 2007, o CNU (Canal Universitário de São Paulo) completa 10 anos de atividade, com a participação de nove universidades, tendo sido o primeiro do Brasil.

Projeto amplia participação

Encontra-se no Senado Federal o projeto de lei 108/2000, de autoria do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B), que altera esse artigo, estabelecendo ‘amplo acesso das instituições de ensino superior a produção e veiculação de programas educativos nos canais universitários’. O relator do projeto, enviado pela mesa da Câmara em 2001, era o ex-senador Sérgio Cabral (atual governador do Rio de Janeiro) e o Senado deverá designar um novo relator para substituí-lo. A matéria já foi aprovada nas comissões, aguardando votação em plenário.

Em entrevista concedida por Aldo Rebelo em setembro de 2004, enquanto ocupava o cargo de Ministro da Coordenação Política da Presidência da República, o deputado federal manifestou sua opinião sobre a pertinência de alteração da redação da lei, que entende não se tratar de um erro semântico. ‘Universidade está no sentido de instituição universitária, já que universitário é todo mundo que estuda no ensino superior, independente do que seja a instituição – uma escola isolada ou uma universidade. Mas a interpretação que deram em São Paulo foi exatamente dessa forma, e acho que para corrigir essa interpretação é que nós fizemos a correção’.

O artigo 23 orienta que as universidades com sede na cidade onde está instalada a operadora de TV a Cabo podem solicitar o sinal, que deverá estar acessível a todo assinante de televisão a cabo, independente do plano escolhido. O parágrafo 8 deixa claro que ‘a operadora de TV a Cabo não terá responsabilidade alguma sobre o conteúdo da programação veiculada (…), nem estará obrigada a fornecer infra-estrutura para a produção dos programas’. A maioria das emissoras de TVs Universitárias é mantida por recursos próprios previstos no orçamento das instituições as quais estão vinculadas, visto haver proibição legal de veiculação de propaganda comercial, exceto apoios culturais, que pouco contribuem para fazer frente aos custos de produção. Este poderá ser tema de outro comentário, e igualmente merece atenção.

Mídia universitária

A TV Universitária é, por excelência, a TV da instituição, e não deve ser confundida com o laboratório de aulas práticas dos cursos de comunicação. Por esse meio, a Academia tem a possibilidade de dialogar com a comunidade, tanto na transposição dos saberes produzidos na universidade, quanto na divulgação do conhecimento disponível na comunidade, no mais amplo sentido da palavra.

A produção de TV Universitária pode ser feita na própria instituição, através de investimentos em equipamentos e pessoal; pode ser terceirizada, delegando a responsabilidade de produção a uma produtora, embora sob sua supervisão; atuar em sistema de co-produção (um híbrido das duas alternativas anteriores) e utilizar os laboratórios (principalmente aquelas instituições que contam com cursos de Comunicação Social, e que tenham sua própria estrutura laboratorial de produção audiovisual).

Independentemente da estrutura de produção, a Associação Brasileira de TVs Universitárias aprovou, em Janeiro de 2004, durante o 1º Fórum Brasileiro de Televisão Universitária, realizado em Ouro Preto (MG), uma carta de princípios que define os objetivos de comunicação dos veículos universitários de comunicação eletrônica. De acordo com o item 6 do documento, ‘a programação das emissoras deve constituir um ambiente privilegiado para a reflexão crítica aliada à produção de conteúdo inovador e experimental, tendo como compromisso a busca de nova construção estética, num esforço de ruptura com as matrizes de produção televisiva e de promoção de uma produção de sentidos transformadora desse cenário contemporâneo de exclusão…’

Sobre o compromisso com o ensino, a pesquisa e a extensão, o item 7 da carta preconiza que ‘as TVs Universitárias têm, portanto, compromisso com a produção de conteúdo voltado para a educação, a promoção da cultura e do desenvolvimento regional e prestação de serviços, constituindo-se também num espaço para a pesquisa e experimentação de novas linguagens, formatos e narrativas, além de contribuir criticamente para a formação de um novo profissional de Comunicação.’

Pluralidade de opinião

De acordo com pesquisa da ABTU, o estado de São Paulo é o que mais contempla emissoras universitárias, somando 22; seguido do Rio Grande do Sul com 15, Rio de Janeiro com 12 e Minas Gerais com 11, todas veiculadas pelo sistema de TV a Cabo. Quanto à programação, por ser um consórcio de emissoras que dão voz a instituições de ensino públicas e privadas de todo o País, há muitas particularidades.

Como ressalta Gabriel Priolli, presidente da ABTU, ‘como montar uma grade num canal que é, necessariamente, pela própria natureza, partilhado, uma ‘antena coletiva’? É um canal que enfeixa diversos tipos de televisões. Não é porque todas são universitárias que têm a mesma filosofia e a mesma perspectiva’. Assim, cada instituição define sua própria grade, cabendo ao consórcio a divisão de horários na utilização do canal. A Lei do Cabo criou essa situação ímpar no processo de comunicação audiovisual no País: a pluralidade de opiniões num mesmo espectro.

O compartilhamento do uso do canal deve atender a regras bem definidas. O primeiro passo é uma convocação pública dirigida a todas as instituições, para que estas se manifestem sobre sua intenção em participar ou não do projeto. A iniciativa pode ser de uma delas, ou da própria operadora de TV a Cabo. A operadora também tem a obrigação legal de disponibilizar na tela do canal a informação de que o mesmo está disponível para o uso compartilhado das universidades sediadas no município, como propaganda institucional.

Ao contrário dos canais abertos, onde uma única instituição transmite sua programação seguindo critérios próprios de qualidade, no Canal Universitário, quanto maior for a participação de instituições de ensino superior, maior será a pluralidade de opinião. Todavia, pode ocorrer de apenas uma instituição demonstrar interesse em utilizar-se do canal, visto não ser obrigatória a participação de todas as universidades e IES para sua constituição formal. É também permitida a adesão em outro momento, cujas obrigações financeiras deverão estar previstas no estatuto do canal.

Se houver mais de uma universidade ou IES interessada, elas deverão associar-se, mas cada qual tem total liberdade de conteúdo, atendendo somente aos preceitos de um código de ética próprio, criado em consenso por representantes de todas as instituições envolvidas. O artigo 61 da Lei do Cabo determina ainda que o acordo definirá a distribuição do tempo e as condições de utilização, visto que a distribuição não necessariamente precisa ser eqüitativa.

Seja qual for o modelo administrativo, as instituições deverão constituir o conselho gestor, de administração e de ética. Outras providências são a previsão orçamentária (sede, equipamentos, instalações, pessoal e despesas eventuais), a divisão dos custos de cada instituição e elaboração do estatuto contemplando itens fundamentais como objetivo do canal, forma de execução (designação de representantes, apoio técnico, administrativo, financeiro e operacional às atividades a serem desenvolvidas); obrigações e direitos; origem e gestão dos recursos financeiros; forma de gestão; e condições de adesão, renúncia ou retirada de participantes.

Após esses trâmites, as instituições deverão encaminhar à operadora de TV a Cabo a solicitação formal de uso do canal com a respectiva documentação, adquirir e providenciar a instalação dos equipamentos e definir a participação na grade de programação, que poderá ser alterada sempre que necessário, desde que seja em comum acordo a todas as instituições consorciadas.

Ensino-pesquisa-extensão

Por caracterizar-se como uma mídia universitária, a TV Universitária deve cumprir os mesmos compromissos sócio-educativos e culturais de uma instituição de ensino superior: contribuir com o desenvolvimento regional, e conseqüentemente do país, oferecendo uma programação baseada no ensino, pesquisa e extensão.

Ao contrário de ter como referência única o estilo e a estética de qualidade das TVs comerciais, como reforça Cláudio Magalhães no ‘Manual para uma TV Universitária’ (Ed. Autêntica, 2002), a TVU deve ‘servir de contraponto. Uma alternativa, um anti-referencial, um lugar onde a prioridade é a integração, a comunicação na acepção correta e etimológica, de ‘colocar em comum’. A Televisão Universitária oferece a oportunidade de uma integração ativa entre ensino, pesquisa, extensão, sociabilizando seus atores principais: alunos, professores, dirigentes, funcionários e a comunidade onde atua’.

Nesses veículos é possível abarcar o ensino, com o envolvimento de estudantes de Comunicação e áreas afins em procedimentos pedagógicos, formando profissionais aptos a promover o desenvolvimento de uma sociedade. Pode servir ainda de centro de experimentação de novas linguagens, possibilitando – com a vivência da cultura televisiva – a pesquisa em Comunicação e conseqüentemente propostas alternativas à lógica do mercado. E, ao cumprir a missão de servir aos interesses públicos e atender aos preceitos do direito à informação e à liberdade de expressão, unindo o papel social da comunicação e o da universidade, pode-se alcançar outra função importante: a extensão, que em última instância vem a ser a disseminação da produção do conhecimento gerado na academia, uma contribuição para uma programação regional ética, plural e democrática, voltada à construção da cidadania e às produções culturais na e da comunidade em que está inserida. Nas TVUs, a comunidade pode – e deve – expressar-se culturalmente. Ao contrário de transmitir valores, debruçar-se sobre o que a comunidade deseja, e dar som e imagem para que suas vozes sejam ampliadas.

Assim, para que os objetivos de uma TV Universitária sejam cumpridos, é preciso que a comunidade acadêmica conscientize-se da importância do veículo para a instituição e seus dirigentes tenham a compreensão de quem é seu público-alvo, para que a programação esteja afinada com as expectativas do receptor, e ter claro o objetivo de comunicação desse tipo de emissora.

A comunidade acadêmica deve saber utilizar-se da mídia televisiva para transmitir seus conhecimentos, assim como ter claro com quem está se comunicando para decidir como se comunicar. E, considerando que no Brasil cerca de 70% da produção do conhecimento são provenientes de Instituições de Ensino Superior e que a televisão está presente em quase 100% dos lares, sendo a principal fonte de informação da população, é preciso que as emissoras universitárias conquistem o direito de veicular sua programação em canais abertos de acesso gratuito, possibilitando a concretização da principal vocação e missão do veículo, também definida em encontro da ABTU: ‘um ambiente privilegiado para a reflexão crítica (…) reafirmando seu compromisso com a produção de conteúdo voltado para a educação, à promoção da cultura e do desenvolvimento regional, constituindo-se também num espaço para a pesquisa e experimentação de novas linguagens, formatos e narrativas, além de contribuir criticamente para a formação de um novo profissional de Comunicação.’

Finalmente, deixo aqui duas questões cuja solução está nas mãos das nossas autoridades: a votação, no Senado Federal, do projeto de lei que garante o direito de participação das instituições de ensino superior nos canais universitários previstos na Lei do Cabo; e um lugar privilegiado para a programação universitária, em sinal aberto, na divisão do espaço da TV Digital. A Universidade precisa dialogar com a sociedade. E a televisão é um meio que não pode ser desprezado.

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Jornalista, especialista em Comunicação Visual em Mídias Interativas, mestre em Comunicação – Mídia e Cultura, doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, assessora de comunicação e professora do curso de Jornalismo da Fundação Educacional do Município de Assis (SP)