Manhã de sábado na rua 25 de Março, zona central de São Paulo. Em meio à profusão de 400 mil pessoas que visitam diariamente um dos maiores centros de comércio popular do país, vendedores ambulantes anunciam, aos berros, pen drives a preços de liquidação: um modelo de 32 gigabytes (GB) da americana Kingston, por exemplo, sai por meros R$ 30, um terço do valor cobrado nas lojas do ramo.
O preço suspeito evidencia um dos maiores problemas dos fabricantes desses dispositivos: o alto fluxo de produtos ilegais que chega ao país pela fronteira do Paraguai, facilitada pelo tamanho reduzido dos pen drives. Mas o contrabando não é a única dificuldade do setor. Os pen drives já foram objetos de desejo. Anos atrás, era comum incluir o dispositivo na lista de compras durante viagens ao exterior, devido ao alto custo do produto no país. Como costuma ocorrer no setor de tecnologia, porém, os preços caíram rapidamente enquanto a capacidade de armazenamento aumentou, elevando a pressão sobre as margens de lucro.
A maior ameaça parece vir da internet. Os serviços de armazenamento de dados na nuvem, como Dropbox e Evernote, ficam cada vez mais populares. Com eles, é possível guardar fotos, documentos, vídeos e músicas na internet, acessando esse acervo de qualquer dispositivo, como notebooks ou tablets. Para não perder a relevância, os fabricantes estão adotando medidas para facilitar o acesso do consumidor aos pen drives, de maneira a popularizar seu uso. Um dos caminhos encontrados é fazer com que o dispositivo saia dos limites das lojas especializadas para chegar a prateleiras que incluem até padarias.
Na gaveta
“Promovemos a venda de pen drives na Galeria dos Pães [padaria situada no sofisticado bairro dos Jardins], em São Paulo, e os resultados foram positivos”, disse Carolina Maldonado, vice-presidente de vendas e mercado da Kingston para a América Latina. “É um local onde as pessoas vão com frequência, próprio para incentivar a compra por impulso.”
Depois da experiência bem-sucedida, a Kingston decidiu levar seus produtos para lojas de conveniência dos postos de gasolina. A empresa negocia acordos para chegar a 700 pontos de venda no país neste ano. Na concorrente Sandisk, a abordagem é parecida. “O pen drive não pode ficar escondido em um canto da loja”, disse Maiko Paula, diretor sênior para a América Latina. A empresa negociou com o Walmart a mudança de localização dos pen drives nas lojas da rede: em vez de ficar em armários trancados, como ocorria até recentemente, o dispositivo está sendo transferido para pontos próximos aos caixas.
Com preços menores, novos locais de venda e pontos mais destacados nas gôndolas, os fabricantes esperam fortalecer a posição do pen drive frente aos serviços na nuvem, que costumam oferecer pacotes básicos gratuitamente. O consumidor só paga se quiser maior capacidade de armazenamento. No Brasil, esses programas ainda são incipientes, mas o consumidor dá sinais de que está deixando o pen drive na gaveta. De acordo com a empresa de pesquisas GfK, as vendas de pen drives no país recuaram 37% em valor no ano passado, para R$ 216 milhões, depois de registrarem crescimento de 21% no ano anterior. Em volume, as vendas caíram 13% em 2012. A GfK audita grandes varejistas, como Lojas Americanas, mas não leva em conta a venda em pequenas papelarias, que juntas têm participação expressiva no total.
Vendas aumentaram 20%
O número de fabricantes também tem diminuído, mostra o levantamento da GfK. No primeiro trimestre, o número de marcas no país caiu 39%, de 51 para 31 fornecedores. “É uma indústria que vem enxugando”, disse a diretora da GfK, Gisela Pougy. “Não temos pesquisas específicas com consumidor, mas tudo indica que o usuário vem preferindo guardar seus arquivos na nuvem ou até no celular, quando se trata de músicas e fotos, do que em um pen drive, mais fácil de perder.”
Carolina Maldonado, da Kingston, disse não acreditar que o armazenamento na nuvem represente o fim dos pen drives. “Quando se trata de informações financeiras, imposto de renda e apresentações de trabalho, o usuário costuma preferir o pen drive porque há dúvidas quanto à segurança na nuvem”, afirmou.
A desaceleração no ritmo de vendas de pen drives, frente a outros acessórios tecnológicos, fez com que a francesa Fnac, dona de uma rede de 11 lojas no país, mudasse a estratégia de compras. A companhia passou a investir em produtos com apelo de design: tamanhos inferiores aos usuais e formatos inusitados, incluindo animais como pinguins e elefantes. As vendas voltaram a acelerar neste ano, com alta de 20% entre janeiro e abril, ante o mesmo período do ano passado. Em 2012, o aumento havia sido de 6%. O modelo de 8 gigabytes representa mais da metade das vendas.
Problemas de infraestrutura
Sem abandonar o pen drive, a Kingston e a Sandisk começam a apostar na migração da demanda de pen drives para os cartões de memória, de tablets e smartphones, que também fazem parte de seus portfólios. Na América Latina, as vendas de pen drive da Kingston cresceram 7,5% em 2012, enquanto a demanda por cartões de memória aumentou 39%.
O pen drive – criado pelo israelense Dov Moran, e lançado há 13 anos – não é o único produto de armazenagem de dados que luta para manter sua posição. Segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a produção de DVD-R – o DVD regravável – acumula dois anos consecutivos de retração (entre 2010 e 2012, o recuo foi de 25%). Surpreendentemente, o CD regravável ou CD-R, que tem capacidade menor de armazenagem, caiu 4% em 2012.
Na opinião de Carmo Caparelli, diretor de operações da Videolar, fabricante das marcas Emtec e Nipponic, de CDs, DVDs e pen drives, há espaço para o crescimento da venda de dispositivos de memória portátil no Brasil. “O consumo [desses produtos] ainda é concentrado nas classes mais altas”, disse. Para o executivo, há restrições ao armazenamento na nuvem no Brasil devido aos problemas de infraestrutura de banda larga. “Não adianta ter o arquivo na nuvem, para acessar de qualquer lugar, se a conexão falha ou está ausente”, afirmou.
******
Daniele Madureira, do Valor Econômico