Escolha um alvo em qualquer parte da China, disse um funcionário de uma empresa estatal chinesa, e a equipe de especialistas dele entrará no computador desse indivíduo, baixará o conteúdo do disco rígido, registrará os toques no teclado e monitorará as comunicações feitas por celular também.
Discursos como esse, de um vendedor da Nanjing Xhunter Software, não são incomuns numa feira de negócios repleta de interessados, realizada este mês e que reuniu funcionários de agências de segurança chinesa e empresários ávidos para conseguir contratos com o governo para fornecer equipamentos e serviços para a polícia. “Podemos localizar fisicamente qualquer pessoa que dissemine rumores pela internet”, disse o vendedor, cujos serviços oferecidos pela sua empresa incluem o monitoramento de conversas online, e também localizar quem está dizendo o que a respeito de uma terceira pessoa.
Na China, a cultura do hacking, o acesso ilegal a computadores, não está limitada a instalações militares secretas onde os hackers cumprem ordens para furtar dados de governos e empresas estrangeiros. A pirataria prospera nos mundos corporativo, criminoso e também governamental. Seja usada para invadir redes privadas, descobrir dissidentes online ou roubar segredos comerciais, a pirataria é discutida abertamente e até promovida nas feiras de negócios, dentro das classes em universidades e em fóruns na internet.
Monitorar e reprimir
O Ministério da Educação e as universidades chinesas, por exemplo, uniram-se a empresas para patrocinar competições de hackers, das quais participam caçadores de talentos – embora os “padrões possam ser medíocres”, como disse um especialista em segurança cibernética que trabalha para um instituto do governo e que entregou os prêmios numa competição realizada em 2010.
As empresas empregam hackers freelancers para espionar os concorrentes. Numa entrevista, um deles confirmou notícias recentes veiculadas na mídia oficial de que uma das maiores fabricantes de equipamentos para construção havia praticado espionagem cibernética contra uma empresa rival.
Uma força que está por trás dessa propagação da pirataria é a insistência do governo chinês em manter sob vigilância qualquer pessoa considerada suspeita. Assim, delegacias de polícia locais contratam empresas como a Xhunter para monitorar e reprimir os dissidentes na internet.
Agir criminosamente é mais lucrativo
O artista Ai Weiwei disse ter recebido três mensagens do Google por volta de 2009 alertando-o que sua conta de e-mail havia sido invadida e estava sob risco, uma ocorrência cada vez mais comum na China entre pessoas consideradas subversivas pelo governo. Quando a polícia deteve o artista em 2011, confiscou 200 peças do seu computador e outros equipamentos de hardware. “Eles estão muito interessados nos computadores”, disse Ai Weiwei. “Cada vez que uma pessoa é presa ou investigada, a primeira coisa que levam com eles é o computador.”
Existe a pirataria criminosa, também. Um aficionado do teclado invade programas de jogos online e bancos de dados de cartão de crédito para recolher informações pessoais. Como ocorre em outros países, a polícia tem expressado preocupação crescente sobre o problema. Para alguns hackers, agir criminosamente é mais lucrativo do que fazer um trabalho legítimo, mas existem inúmeras as oportunidades para invasores habilidosos ganharem salários generosos diante do número crescente de empresas de segurança virtual fornecendo serviços de proteção de redes para o governo, estatais e empresas privadas.
“Pessoalmente já prestei serviços para o Exército de Libertação Popular, para o Ministério da Segurança Pública e para o Ministério da Segurança do Estado”, disse um antigo hacker, muito conhecido, mas que usou o pseudônimo V8 Brother para esta entrevista, temendo ser vigiado por governos estrangeiros. “Se você trabalha diretamente para o governo, pode ser destacado para projetos ou missões secretas”, afirmou.
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Edward Wong, do New York Times