Fico pasmo quando nós, gaúchos, nos intitulamos “o povo mais culto do Brasil”. Isso só pode ser tido e havido como piada ou lenda urbana. Temos, entre os vários jornais, dois de maior circulação. No entanto, convenhamos, são nada mais que dois almanaques coloridos, na deplorável forma tabloide que no sul do país se consolidou, seguindo o modelo e o exemplo dos jornais argentinos e uruguaios.
Já houve jornais de verdade, que eram possíveis abrir inteiros sobre a mesa, com longas colunas e substanciosa análise. Aliás, esses dois jornais – nem falo nos outros, menos representativos – , entregam menos do que se espera de um jornalismo comprometido com a crítica e a cultura. As matérias são sucintas, rasas, áridas, com um formato a dar mais destaque às imagens do que ao texto. Nada é aprofundado, esquadrinhado, enfim, mostrado na essência. Fica-se com a mera superfície, que é tão rasa quanto um pires.
Diga-se, a propósito, que o que me levou a escrever este desabafo é a permanente decepção com a confecção e entrega dos cadernos de cultura desses jornais, ou ao menos de um deles. Trata-se de um material pobre no conteúdo e na quantidade de informações, como poderia ser o mais humilde pasquim. Claro que há bons jornalistas. Converso com muitos deles quotidianamente e a explicação dada por alguns é a seguinte: a linha editorial. Os jornais nessa formatação têm que servir a três objetivos: a visão dos donos (seja lá qual for), preocupados com o retorno empresarial e com certas questões de índole político-ideológica; os espaços dos anunciantes, que são, em última instância, o que sustenta o jornal; e, no meu ver, o mais grave: a procura em atender a um leitor médio, que não dispõe de tempo nem instrumental cultural para matérias com certa complexidade de análise e aprofundamento.
A importância do ato de ler
Isso levou, por aqui, um desses conglomerados da imprensa gaúcha a segmentar seu jornalismo impresso, criando um jornal para as “pessoas de baixa renda e baixa escolaridade”. Isto é, nivelou-se o leitor por baixo. Entrega-se menos do que o leitor merece, como se o critério de renda fosse o único a definir o acesso à informação e à cultura, mais especificamente. Mas o problema ao qual dirijo a minha análise é que também os jornais destinados às classes sociais mais privilegiadas, ainda assim, ficam muito a desejar quando comparados aos jornais de circulação no centro do país e no exterior. Dessa forma, nossos jornais, tendo baixa tiragem, atingem um público assinante muito inferior ao culturalmente desejável.
Essa realidade de aridez jornalística, em matérias e acesso à informação de qualidade, acaba influindo diretamente na formação de leitores capazes de, com discernimento, discutirem e criticarem a realidade da cidade, do estado e do país. Por isso, o mito da pretensa formação letrada do gaúcho, como, de resto, do povo brasileiro, cai por terra. Além disso, a substituição da aquisição de cultura e informação, via leitura, pela substituição por outras mídias, mais tecnológicas e mais instantâneas, como a televisão, o rádio e a internet, contribui para um padrão cultural difuso e anacrônico. Nos dois primeiros exemplos a absorção da informação (e não cultura) se dá de forma passiva. No segundo exemplo, há uma interação pela própria natureza da hipermídia. Porém, todas elas, ainda assim, fragmentárias na sua concepção e difusão.
Assim, já que a verdadeira formação cultural, proveniente da demanda livresca, é ínfima e quase decrescente no país, os jornais, por intermédio de suplementos e cadernos culturais, poderiam suprir parcialmente essa lacuna. Mas nem isso.
O que se nota, no mercado do livro no país, é sempre uma realidade de estagnação. Mesmo com campanhas pelo incentivo à leitura, disseminação de feiras do livro, conversa com autores etc., o que há é uma incapacidade das famílias e da escola de seduzirem crianças e jovens com a importância do ato de ler. Filhos que são criados fora de um ambiente leitor, não descobrirão (ou terão retardado o momento dessa descoberta) o prazer e a técnica de ler. Pais, em casa, são (ou deveriam ser) os grandes incentivadores da leitura, de livros, jornais e revistas.
A tarefa cultural dos jornais
É incrível que ainda se leia tão pouco no Brasil, que se vangloria de aumentar os índices de crescimento econômico e poder aquisitivo. Isso demonstra que nem sempre o desempenho da economia é diretamente proporcional à qualidade da educação e da cultura. A média de leitura anual de livros pelos gaúchos gira em torno de 5,5 livros por habitante. Claro que ainda é maior que a média de leitura nacional, que é de 1,8 livros por habitante. Mas, constata-se que a leitura entre nós, os ditos gaúchos letrados, dá-se mais pela busca da informação (livros didáticos, espirituais e autoajuda) do que pela formação cultural e, principalmente, prazer.
Desse modo, reproduz-se a triste realidade da má formação cultural. E isso, constato em sala de aula, como professor em curso universitário. Alunos que não têm o hábito da leitura também não desenvolverão a escrita e, muito menos, a compreensão cognitiva e critica. Assim, não leem, não escrevem e não falam. Tudo porque não conseguem formar juízos de valor, racionalmente aceitos e verificáveis, como categorias lógicas e construídas a partir de premissas sólidas que proveem de uma bagagem cultural e certa visão de mundo, que os alemães cunharam na expressão Weltanschauung.
Está na gênese da falta de cultura do povo brasileiro, no qual grande parte dos gaúchos se inclui, além, claro, das mazelas da educação, a falta de uma relação mais estreita com os livros. Entretanto, os jornais cumpririam uma tarefa social e culturalmente rica se pudessem proporcionar mais e melhores espaços para a difusão da formação intelectual do chamado homem médio, pela entrega de material produzido com mais qualidade de elaboração e análise da informação.
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Ben-Hur Rava é advogado e professor de Direito, Porto Alegre, RS