Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia & Collor: primeiro
barulho, depois complacência

O programa televisivo do Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (10/4) abordou um dos casos mais momentosos da história política recente do país: o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. O programa discutiu como a imprensa cobriu episódio e de que maneira comportou-se na volta do ex-presidente ao exercício de um cargo eletivo, agora como senador da República.


No editorial de abertura [ver abaixo], Alberto Dines lembrou que durante a história da República brasileira muitos presidentes não acabaram seus mandatos, afastados por rebeliões ou quarteladas, mas de todos eles apenas Collor foi afastado legalmente do cargo.


Participaram do debate o jornalista Ricardo Noblat, em Brasília; o professor e historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo; e no estúdio da TVE, no Rio, a historiadora Alzira Abreu, da Fundação Getúlio Vargas.


Após 15 anos de sua exclusão da vida política, em seu primeiro discurso no plenário o agora senador Fernando Collor (PTB-AL) atacou todos que o acusaram à época do processo de impeachment, consumado em 1992. Poucos senadores apartearam o colega. A imprensa, tão atuante durante a cobertura das CPIs e na investigação sobre os descaminhos do governo que redundaram no processo de cassação, apenas registrou burocraticamente a defesa candente de um personagem para quem todo o processo a que foi submetido não passou de ‘uma farsa’.


Na porta da gráfica


Em seu pronunciamento no Senado, Collor assumiu competentemente a posição de vítima: ‘A CPMI não cuidava de investigar-me, o que não era seu objeto, mas de incriminar-me mesmo sem provas, indícios ou evidências’. A mídia pouco deu destaque ao discurso e se limitou a registrar a posição da bancada do PT, que não rebateu as acusações. Uma semana depois, já não sem tempo, a primeira voz a rebater as acusações de Collor foi a do senador Pedro Simon (PMDB-RS). Em seguida, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), então presidente da Câmara dos Deputados, também reagiu.


Em entrevista ao Observatório, Ibsen afirmou que o julgamento de Collor foi justo e comentou o papel da mídia no caso. ‘A imprensa livre erra e acerta, mas não é ela quem cassa o mandato de um presidente da República. Foi preciso que houvesse aqueles pesados acontecimentos para que a Câmara autorizasse o julgamento’.


O senador do Eduardo Suplicy (PT-SP), em entrevista gravada, disse que não se pronunciou quando do discurso de Collor porque estava fora do país. E recordou ter sido legítima a posição do Senado Federal, que julgou o ex-presidente mesmo depois de sua renúncia.


Durante a campanha pelo impeachment, a imprensa teve um papel importante no debate público, mas em 1994, quando o Supremo Tribunal Federal absolveu o ex-presidente por falta de provas, a cobertura foi mais que discreta.


O escândalo que marcou a política do país começou a tomar corpo a partir de maio de 1992, quando a revista Veja publicou uma entrevista bombástica de Pedro Collor de Mello, irmão do então presidente da República. O autor da matéria, Luis Costa Pinto, disse ao Observatório que a entrevista foi fruto de uma aproximação de dois anos entre a fonte e repórter.


As acusações do irmão do presidente eram gravíssimas. Jornais e revistas passaram a acompanhar de perto a evolução das denúncias e algumas publicações criaram selos ou mesmo seções fixas para editar melhor a farta cobertura dos acontecimentos.


Em entrevista gravada para o OI, o presidente da Editora Abril, Roberto Civita, lembrou ter ficado com um pé atrás antes da publicação da entrevista de Pedro Collor, porque já tinha claro o que viria a seguir. Civita disse que nas semanas seguintes nenhum meio de comunicação produziu alguma investigação a partir das denúncias publicadas em sua revista, e que toda a responsabilidade pela sustentação da história estava sobre a Veja. ‘Na porta da gráfica, no sábado pela manhã, ficavam [repórteres e] fotógrafos de todos os jornais esperando a revista sair para dizer o que Veja iria dizer. Ninguém estava querendo assumir.’ Civita afirmou ter ficado ‘muito aliviado’ quando o resto da imprensa resolveu entrar na pauta das denúncias.


Falta de memória


Dines deu início ao debate afirmando o que o programa costuma não divulgar o nome dos convidados que recusam a participação nos debates, mas que naquele caso especial essas ausências deveriam ser ao menos registradas, já que todos os convidados foram participantes diretos do episódio do impeachment. Recusaram o convite do Observatório o senador Fernando Collor de Mello; seu então porta-voz, o jornalista Cláudio Humberto; o ex-deputado José Dirceu, de decisiva atuação na CPMI e quem vazou a declaração de imposto de renda de Paulo César Farias para a revista Veja; o jornalista Mario Sergio Conti, diretor de redação da Veja na época e autor o livro Notícias do Planalto; o jornalista João Santana Filho, então repórter de IstoÉ e atual marqueteiro do presidente Lula; e a direção da Folha de S.Paulo, o jornal que mais fez força para a derrubada de Collor.


O apresentador perguntou como a historiadora Alzira Abreu avaliava a ‘situação esdrúxula de Fernando Collor, depois de escorraçado da política brasileira’, voltar ao Parlamento e se apresentar como vítima. Alzira lembrou que Collor foi eleito numa situação específica, depois 29 anos sem eleições diretas para a presidência da República e com o apoio da imprensa, em especial da Rede Globo. ‘E é exatamente essa imprensa que irá derrubá-lo.’ Alzira chamou a atenção para o fato de Collor ter sido eleito por um partido marginal, mas que mesmo assim soube usar muito bem os meios de comunicação de massa. ‘Ele é um homem da comunicação’, disse.


Dines formulou pergunta semelhante a Ricardo Noblat, titular de uma coluna semanal no Globo e editor um blog político de grande audiência. O blogueiro disse já esperar a complacência do Senado com o discurso de Collor, pois ali é uma casa onde ninguém quer confusão com ninguém e que põe as relações pessoais acima de tudo. Sobre o papel da imprensa, Noblat disse que faltou percepção aos editores para revisitar o assunto Collor, que se somou à falta de memória dos jornalistas devido à faixa etária média das redações, majoritariamente compostas por jornalistas jovens. Noblat disse ainda que houve o julgamento equivocado de que dar espaço para pronunciamento do novo senador seria valorizar em excesso a figura do ex-presidente. ‘Isso foi brigar com a notícia’, afirmou.


Inconsistência de provas


Ao reafirmar o papel da imprensa como mediadora da história, Dines avaliou que a mídia perdeu a oportunidade de ouvir historiadores para reagir com mais responsabilidade às acusações de Collor proferidas no discurso. O historiador Marco Antonio Villa concordou e afirmou ter havido omissão dos senadores, assim como da mídia, que deu manchetes da volta de Collor sem nenhum comentário crítico. ‘Escrevi um artigo para Folha de S.Paulo, no dia seguinte, manifestando a minha estranheza em relação a tudo que estava acontecendo, como historiador e como cidadão’, disse. Lembrou também a omissão da ABI, que à época encaminhou o pedido impeachment; da OAB, com Marcelo Lavenère; e do então ministro do STF, Sidney Sanches. Villa afirmou que o senador Collor teve uma volta triunfante, já que na semana seguinte foi recebido com honras no Palácio do Planalto pelo seu antigo opositor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


No início do segundo bloco do programa, Dines lembrou que após dois anos de investigação Collor foi absolvido no STF por falta de provas, mas que durante esse tempo a imprensa foi incapaz de reunir acusações com provas consistentes, muito embora tenha sido o pivô do movimento para derrubá-lo. ‘Passados 13 anos, a imprensa ainda não conseguiu responder à altura as acusações feitas por Collor no plenário do Senado’, disse. E pediu a Alzira Abreu que avaliasse a situação.


A historiadora disse que não cabia discutir uma decisão da Justiça, mas questionou os critérios usados pela mídia para formular as acusações, já que o STF não considerou as evidências válidas para sustentar uma condenação. E propôs uma revisão, pela imprensa, dos critérios que usa para acusar um cidadão.


Dines comentou que o papel da mídia parece ter se esgotado no momento em que o então presidente foi apeado do poder. E explicou que isso fez com que ela, a mídia, não se importasse com os procedimentos jurídicos posteriores. ‘Foi isso mesmo que aconteceu?’, perguntou a Ricardo Noblat.


O jornalista afirmou que a imprensa ficou convencida das razões que levaram a Câmara, e depois o Senado, a deporem Collor – que teve o cuidado de renunciar ao mandato presidencial. Segundo Noblat, o que se passou foi fruto de razões políticas internas, e concluiu: ‘Collor não é inocente porque o Supremo o absolveu ou não o condenou’.


Dines perguntou a Marco Antonio Villa se o PT havia sido ativo junto à imprensa, em 1992, para que esta refletisse o desejo de revanche do partido. Villa não concordou com a premissa e explicou que, de fato, havia acusações muito graves feitas ao ex-presidente e à sua equipe. E criticou o Senado, dizendo que ali vigora uma anistia tácita em relação a políticos que cometem crimes contra a ordem republicana.


O apresentador perguntou a Alzira Abreu por que historiadores e acadêmicos se omitiram durante o processo de análise do papel da imprensa no episódio, e da consistência das acusações contra Collor. A historiadora afirmou que a Fundação Getúlio Vargas tem um trabalho de autoria de Fernando Lattman-Weltman intitulado ‘A imprensa faz e desfaz um presidente’, que retoma o processo desde a eleição até o impeachment. Mas admitiu que ainda falta uma discussão sobre os porquês de Collor ter sido absolvido no STF, e que ninguém estudou a fundo os procedimentos usados para que isso ocorresse.


Mídia engajada


Alberto Dines perguntou a Noblat se a pouca importância dada à volta de Collor se deve à baixa faixa etária dos jornalistas ou à falta de persistência da imprensa. O jornalista-blogueiro disse que havia as duas coisas: um antigo hábito da imprensa de abandonar os assuntos e considerá-los velhos em pouquíssimo tempo; e a juventude excessiva das redações – resultado da política de cortes que afastou os antigos jornalistas e da pesada carga de trabalho exigida no dia-a-dia da imprensa.


O terceiro bloco do programa, tradicionalmente destinado a perguntas dos telespectadores, abriu com uma vinda de Mossoró (RN), dirigida a Alzira Abreu: ‘O silêncio da mídia pode favorecer Collor politicamente?’. Alzira disse que sim, e que a mídia, tão veemente em outros tempos, agora silencia. Para ela, isso é um sinal de culpa pelas antigas acusações. Mas chamou atenção para o fato de que há uma contradição em relação a ação da mídia e os direitos assegurados pela Constituição. Explicou que às vezes a mídia acusa sem ter provas e acaba com a reputação de alguém; em outras, ela simplesmente é impedida de acusar para não correr o risco de ser processada. ‘Essa contradição deve ser pensada’, disse a historiadora.


Do Espírito Santo veio uma pergunta para Marco Antonio Villa: ‘Não é função da mídia refrescar a cabeça das pessoas? E, se isso não acontece, a imagem de Collor não fica mais limpa do que deveria para os jovens?’ Villa concordou com o telespectador, mas comentou que nem tudo é culpa da mídia. Para ele, os partidos políticos deveriam ter se pronunciado também.


De São Paulo, foi perguntado a Alberto Dines: ‘As provas utilizadas pela imprensa não podem ser utilizadas para condenar Collor. Como ele pôde dizer que foi tudo uma farsa e que não houve provas?’. O apresentador do OI na TV disse se tratar de cinismo do senador, e o que a imprensa poderia fazer era passar a limpo a sua atuação durante o episódio. Ele criticou o desempenho da mídia, caracterizando-a como ‘afobada’. ‘Temos um caso paradigmático aí. Não foi à toa que escolhemos esse tema para ser debatido’, disse. E concluiu o programa lamentando a ausência de Mario Sergio Conti, já que no seu livro Notícias do Planalto o jornalista revelou os bastidores do engajamento da mídia na cobertura do caso Collor de Mello.


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Alberto Dines # Editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 412, exibido em 10/4/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Na história da República brasileira já tivemos muitos presidentes que não terminaram os seus mandatos. Uns derrubados por quarteladas, outros por rebeliões. Apenas um presidente da República foi afastado legalmente: Fernando Collor de Mello.


Quinze anos depois, em 15 de março, Collor estreou como senador do PTB eleito por Alagoas. E no primeiro discurso parlamentar tentou uma revanche, com um pesado ataque àqueles que o derrubaram. Collor não se referiu à imprensa, mas todos sabem que a imprensa foi a primeira protagonista do processo que levou à sua queda.


A retórica truculenta do ex-presidente era conhecida e até esperada. A grande surpresa foi a apática reação dos políticos, sobretudo dos partidos que se empenharam em tirá-lo da Presidência. Surpreendente também foi o comportamento da imprensa, atacada por um surto de amnésia incompreensível e imperdoável.


A verdade é que o capítulo Fernando Collor de Mello, que se imaginava definitivamente encerrado, está sendo reaberto e reaberto de forma lamentável. E o que é pior: com os mesmos personagens em papéis opostos.