O jornal O Globo noticiou:
“A Câmara dos Deputados concluiu na noite desta terça-feira [28/5] a votação do projeto da Lei de Drogas e o PT saiu como o grande derrotado desse processo. O partido tentou, em vão, derrubar o artigo que ampliou de cinco para oito anos a pena mínima de traficante. O máximo continua sendo quinze anos. O PT apresentou destaque para tentar derrubar os oito anos e foi derrotado de maneira fragorosa. O texto, agora, segue para o Senado, e depois, se aprovado, para a sanção da presidente Dilma Rousseff.”
Enquanto o mundo caminha na direção da reabilitação voluntária, o Brasil anda na contramão. A imprensa diz que o derrotado é o PT, mas penso que a derrota não é de um partido político, e sim, de toda a sociedade brasileira. A repressão só faz com que as drogas ilegais continuem custando caro, sejam supervalorizadas. O retrocesso que está em marcha no país criminaliza novamente os usuários, em clara retroação à atual legislação, recentemente modernizada, que descriminaliza. Pequenos traficantes, segundo a proposta aprovada na CD, ficam criminalmente equiparados a atacadistas e produtores.
O texto aprovado na Câmara, a meu ver, vai saturar ainda mais o já superlotado e caótico sistema carcerário do país e atravancar ainda mais o judiciário. Estamos ás vésperas de sediar uma Copa do Mundo e Olímpiadas e enquanto a polícia poderia continuar concentrando esforços em garantir a segurança da população brasileira e turistas, bem como levar à justiça criminosos de maior periculosidade, se a nova lei for aprovada no Senado e sancionada pela presidente Dilma, certamente obrigará as forças policiais a reprimir novamente os usuários.
A população carcerária inchou
O consumo de drogas ilegais cresce de maneira assustadora, entretanto parece equivocado a lei continuar a equiparar maconha à cocaína e outras substâncias como o terrível crack, que é uma espécie de câncer social. O crack, além de viciar rapidamente e prejudicar a saúde, está associado ao crescente número de pequenos furtos, à pobreza extrema e à mendicância. Aproveitando o tabu social que existe com relação ao consumo de drogas, preconceito este criado pelo próprio sistema, a sociedade fecha os olhos para o problema e parece apoiar hipocritamente a repressão.
A saída mais fácil parece a repressão, a mesma que herdamos dos anos de chumbo da ditadura militar. Os parlamentares parecem fechar os olhos para os fatos, para dados científicos divulgados amplamente em publicações médicas, bem como por pesquisas acadêmicas e cientificas. A ciência e a prática mostram que, comprovadamente, a repressão é ineficaz no enfrentamento do problema.
Cresce mais a cada ano o número de usuários, o volume de drogas apreendidas, os problemas sociais gerados pelo tráfico e a corrupção dele derivada. Por causa de substâncias entorpecentes morrem mais pessoas em confrontos entre policiais e traficantes do que pelo efeito ou causa do consumo das mesmas. São vidas humanas que se vão e o problema cresce exponencialmente. O puritanismo norte-americano foi o gatilho da repressão aos entorpecentes ilegais. O que aconteceu desde então? Aumentaram as plantações, cresceu o número de viciados, a droga valorizou-se, a população carcerária inchou – aliás, tanto que até parece uma bolha prestes a explodir. O número de detentos que após cumprirem pena se recuperam diminui por culpa da superlotação que corrói prisões, delegacias e por conseguinte a sociedade, de forma mais devastadora que qualquer droga.
Campanhas antidrogas parecem ineficazes
Só não vê quem não quer! É o uísque do Al Capone…
As campanhas contra o tabaco têm mostrado resultados bastante satisfatórios, e a produção e consumo de cigarros além de legal é taxada de impostos. A política de redução de danos mostra resultado positivo, ao contrário da repressiva. Os altos impostos aplicados sobre o tabaco acabam revertidos no tratamento dos males causados pelo hábito de fumar.
A indústria farmacêutica comercializa substâncias que podem algumas vezes ser mais viciantes e/ou talvez até mais perigosas que drogas como a maconha, haxixe ou ópio. Os fármacos, diferentemente das drogas ilícitas, são ministrados sob controle médico, em doses seguras. Se alguém for vítima de remédio adulterado, sabe onde reclamar, a bula mostra a fórmula, as doses seguras e, caso necessário antídotos e tratamento em caso de superdose. Pergunto: quem vai indenizar uma pessoa que fique doente por uso de drogas ilegais? Ou os que morrem de overdose, de quem é a responsabilidade? Os cocaleros, os traficantes ou o governo?
Tanto a política de redução de dano tem efeito que o consumo de bebidas alcoólicas também começa a se moderar, sem proibição. Hoje já não se pode mais dirigir e beber; há 30 anos podia. Campanhas antifumo reduzem o número de fumantes, enquanto campanhas antidrogas, ao menos as até agora apresentadas em nosso país, parecem ineficazes pois as estatísticas mostram o crescimento do número de usuários.
Trazer a rede ilegal para a legalidade
A raiz do problema parece estar na ilegalidade, ligada ao preconceito que transforma o tema num tabu social, em caso de polícia. O modo pouco inteligente, com o qual se trata esse problema de saúde no caso do usuário, e de ilegalidade no caso do traficante, alimenta ainda a corrupção por meio de um mecanismo viciado, que através da política tacanha e viciosa, tenta, sem sucesso, reprimir o vício.
Uma visão mais humana sobre a questão parece ser a única saída inteligente, quem é inteligente sabe que a força é instrumento da ignorância. A questão deve ser discutida sem preconceito. Ao invés de uma lei antiquada – que vem na contramão de recente modernização e de proposta ainda mais evoluída e bem estudada que se encontra no novo código penal – acredito que é através de lei mais branda para o consumo e porte de pequenas quantidades de droga que está a cura.
Acabar com o trafico é fácil, mas quem fizer isso vai precisar de muita coragem pra enfrentar os conservadores, repressores e puritanos. Digo isso pois a única solução parece ser tornar a droga legal, fiscalizar sua produção e promover sua taxação com altos impostos, taxas que seriam revertidas ao tratamento de viciados e em campanhas de conscientização sobre os riscos que o abuso de drogas pode trazer. Será que algum legislador já pensou em trazer a rede ilegal do tráfico para a legalidade?
A questão das drogas é de saúde
Teremos mais sucesso no combate às drogas agindo assim, usando de inteligência e não de força bruta. O resultado, certamente, seria a queda do consumo, como acontece com os cigarros, e como acontece, mesmo que ainda meio timidamente, na Califórnia e na Holanda. Mais de 1 milhão de famílias, na Venezuela, Bolívia e Colômbia, depende do cultivo da coca para sua subsistência. Com uma política da descriminalização das drogas o sistema Judiciário seria beneficiado, teria mais tempo e ganharia mais agilidade para dedicar-se a condenar bandidos que cometem crimes mais agressivos à nossa sociedade.
Atualmente, pela lei, o Judiciário tem como obrigação julgar as vítimas do abuso de drogas, pessoas que deveriam estar sendo atendidas em hospitais e postos de saúde, não em delegacias, penitenciárias e manicômios. A lei aprovada na Câmara dos Deputados parece ser fruto de uma cultura antiquada, ligada aos tempos de ditadura militar. Vivemos na Era da Informação e o conhecimento tem mais poder que a força bruta, vale mais que dinheiro.
Com a expansão da consciência social, a sociedade deve acabar assumindo esta responsabilidade, basta um olhar amigo para o problema. A questão das drogas é de saúde e o tratamento dos que delas abusam é questão de justiça social. Já a solução do problema é de utilidade pública. Abaixo a repressão!
******
Ronald Sanson Stresser Junior é arquiteto da informação, Curitiba, PR