Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Segundo ato da cobertura de PIB e juros

Todos os grandes jornais deram manchetes na quinta-feira (30/5) com o fiasco do PIB do primeiro trimestre e a nova alta de juros, mas o material mais criativo só apareceu no dia seguinte, na continuação do noticiário. Na cobertura imediata, o cardápio oferecido ao leitor pouco variou. Na imprensa de São Paulo e do Rio, todos os grandes títulos deram destaque a uma conjunção considerada improvável: entre janeiro e março, o Produto Interno Bruto havia sido apenas 0,6% maior que nos três meses finais de 2012 – mas, apesar disso, o Banco Central havia elevado os juros básicos de 7,5% para 8%.

A surpresa maior nem foi o aumento, mas a variação de 0,5 ponto. Depois de conhecidos os dados econômicos, publicados pela manhã, a maior parte do mercado passou a apostar numa alta 0,25. A decisão sobre a taxa só seria oficializada no começo da noite.

O Estado de S.Pauloe Folha de S.Paulo deram manchetes quase iguais. O primeiro publicou “PIB decepciona, mas BC eleva juros para conter a inflação”; no outro, apareceu “PIB decepciona, mas BC aumenta juros ainda mais”. O Globo foi menos cerimonioso: “Nem Pibinho segura juros, que vão a 8%”.

O Estadão ilustrou a manchete com um gráfico para mostrar o crescimento econômico desde o primeiro trimestre de 2012 e o desempenho de cada setor entre janeiro e março de 2013. O Globo recorreu às palavras. Junto da notícia principal, na primeira página, um pequeno box com o título “Salvação na lavoura” completou o cenário. Sem o bom desempenho da agropecuária, a economia teria crescido só 0,2%.

Linguagem cautelosa

O primeiro material publicado foi razoável e deve ter atendido à demanda imediata de todos os leitores. Mas valia a pena avançar. A primeira pergunta era evidente: qual o próximo lance? O Globo explorou esse ponto na manchete de sexta-feira (31) e no caderno de Economia, procurando mostrar como o governo poderá cuidar da economia de olho na eleição de 2014. A matéria principal inclui uma referência à entrevista do presidente do BC, Alexandre Tombini, ao Jornal Nacional.

O caderno também noticiou a queda do Brasil do 46º para o 51º lugar no ranking de competitividade do IMD, uma instituição suíça de ensino de negócios e pesquisa. A matéria explorou a relação, bastante clara, entre a baixa competitividade, o fraco desempenho da indústria no primeiro trimestre e a deterioração das contas externas. Foi mais um componente na cobertura do pibinho.

A Folha de S.Paulo também avançou na cobertura e enriqueceu a informação. O ponto forte, na edição de sexta-feira, foi uma entrevista com o presidente do BC publicada na capa do caderno Mercado. O material foi completado na página 3 do caderno com uma reportagem sobre o ânimo dos empresários. “Atividade econômica lenta, inflação em alta e intervenções do governo federal preocupam dirigentes”, segundo a matéria.

Apesar da linguagem – como sempre – cautelosa, a entrevista de Tombini foi interessante e informativa. Em geral, dirigentes do BC preferem ser muito discretos entre a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), normalmente encerrada numa quarta-feira, e a divulgação da ata na semana seguinte. A disposição de Tombini de falar ao Jornal Nacional e à Folha já indicaria uma situação excepcional.

Um adjetivo

Duas vezes, no material do caderno Mercado, Tombini afirmou ter o apoio da presidente Dilma Rousseff para um combate firme à inflação. A primeira referência foi em resposta a uma pergunta sobre a reação da presidente à decisão do Copom. “Não vou falar sobre diálogos dentro do governo. Agora, o que posso dizer é que o trabalho do BC é integralmente apoiado pelo governo Dilma”. Vale a pena especular: o diálogo, com certeza interessante, deve ter ocorrido antes da reunião decisiva.

Tombini exibiu, na entrevista, uma de suas especialidades, a resposta indireta. Quando o repórter perguntou se “a inflação alta foi responsável pelo PIB fraco”, ele simplesmente afirmou: “Uma inflação mais baixa milita na direção de um salário real mais preservado e reforça a confiança dos empresários, dá tranquilidade quanto ao horizonte de planejamento”. Em outras palavras: é razoável, sim, atribuir à corrosão da renda a estagnação do consumo privado no primeiro trimestre. A resposta foi também indireta quando se tratou da política fiscal, mais de uma vez qualificada como expansionista pelo BC: “Vamos avaliar a política fiscal; é uma das variáveis que analisamos para tomarmos decisão de política monetária. Não tomamos decisão de política fiscal”.

Traduzindo: não é preciso lembrar o adjetivo “expansionista”, já usado em documentos. Se o Copom já conseguiu elevar os juros duas vezes (0,75 ponto no total), para que provocar?

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Rolf Kuntz é jornalista