Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O “V” e a 4K

Os eventos ocorridos em São Paulo na última semana têm gerado discussões por todo o Brasil. Novas manifestações têm sido ventiladas, bem como outros temas estão vindo à tona, que não apenas os 20 centavos de aumento nas passagens de ônibus. Nas redes sociais pululam comentários sobre a intervenção da polícia, a legitimidade dos manifestantes e o olhar da imprensa sobre o ocorrido. Também são propostos nomes às manifestações. A maioria relacionada ao vinagre ou à letra “V”.

É certo que as autoridades utilizaram-se do poder de polícia de forma desproporcional. Também parece claro que a manifestação, que é um direito, dirime o fato de que seus participantes também têm deveres frente ao tecido social. No entanto, ao objETHOS cumpre comentar a atuação da imprensa.

Um dos comentários comuns nas redes é de que muitos veículos tradicionais de comunicação só mostraram um lado. Só os dados oficiais quanto a feridos – nenhum civil, segundo as estatísticas – foram veiculados. A imparcialidade, enquanto princípio do jornalismo, impõe que todos os lados sejam ouvidos. A polícia é só um dos lados. Caso não conseguisse a palavra de manifestantes frente toda àquela situação, a reportagem devia, não só mostrar as cenas, mas também questionar os dados policiais, diretamente ou pela fala de quem narrava as cenas.

Na arquibancada

Outro comentário corrente na internet diz respeito à omissão dos jornalistas quanto à realidade. Só as redes sociais estariam mostrando a verdade. O fato de muitos jornalistas saírem feridos ou presos aponta noutra direção. A reclamação de que o jornalista “fica em cima do muro” é o trunfo do profissional naquelas ocasiões. Em cima do muro, acompanharia o ocorrido com certo distanciamento. Misturado ao movimento, correu riscos desnecessários. A função do repórter é reportar. Ao entrar na multidão, faz parte dela. Quem faz parte, é parcial.

Muitos jornalistas não estiveram presentes nas manifestações. No entanto, valeram-se de vídeos e fotografias feitos por manifestantes para repercurtir o evento. Este não parece ser um posicionamento correto dos jornalistas. Se uns estiveram muito próximos, outros estiveram distantes e acompanharam por alguns recortes o que aconteceu. Seria necessária a câmera 4K, que a rede Globo apresentou nesta Copa das Confederações, para ver vídeos com completude de informação. Segundo a Globo, a câmera possui resolução altíssima, fato que possibilita gravar o todo, como uma grande angular, mas caso haja necessidade de aproximação, ela não perde qualidade de imagem.

Por fim, parafraseando Mauro Wolf, o jornalista, por estar imerso no mundo das notícias, é que está mais preparado para dizer o que é ou não é notícia. Muitos manifestantes querem lutar por direitos. A visibilidade é decorrência do somatório de critérios de noticiabilidade contidos no ato. O jornalista é quem os relacionará. Quem quiser aparecer, que vá para a arquibancada, onde fatalmente a 4K o encontrará.

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Guilherme Longo Triches é mestrando em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS