Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revoltas populares de cunho estrutural

As revoltas populares contra o aumento no preço das passagens dos meios de transporte urbano poderão ser expandidas para outras cidades do país. Trata-se de um movimento social orgânico, disperso em suas manifestações e que revela mais do que a simples indignação contra a mobilidade das grandes cidades. O discurso das autoridades, por meio do qual o efetivo policial serviria para garantir a liberdade de expressão e coibir os excessos, seria útil, embora ineficaz para o momento. A manifestação popular acerca do tema seria legitimada pela lei, embora o vandalismo presente denota algo mais do que o pleito pelo qual o movimento se expressa.

Os pronunciamentos das autoridades envolvidas, tanto quanto outros, vindos da outras pontas do conflito [ver aqui], deixam uma inarredável sensação de que estaríamos sem resposta para o fato social que se nos apresenta. Haveria algo mais em questão, pois, de outra forma, a incapacidade para entender o fenômeno não seria tão evidente entre os cidadãos comuns.

Os atos de vandalismo e as ações policiais não seriam tão chocantes se houvesse alguma explicação razoável para o que vivemos. Mais do que uma forte manifestação social contra o preço das passagens do transporte urbano, algo subjaz neste processo, que agrega vândalos e, digamos, letrados; que agrega a incapacidade de se manter a ordem; e que agrega, principalmente, uma incapacidade de solução: nem a reunião dos cabeças do movimento, tampouco qualquer autoridade conseguem dar respostas ao conflito.

Algo mais sob o manto

A falta de uniformidade do movimento e a inépcia da atuação governamental para direcionar uma solução decorrem, em verdade, de uma revolta estrutural, que se manifesta pela violência. Não seria decorrente dos atos das autoridades atuais, nem dos manifestantes per si. A violência estrutural nos movimentos sociais difusos se origina da própria sociedade que, de anos em anos, causa danos e a marginalização de setores de massa da sua população.

O antropólogo Paul Farmer, assim como Philippe Bourgois e Nancy Scheper-Hughes, debatem o fenômeno. Aquele, enuncia:

“Nem a cultura, tampouco a vontade de expressão do cidadão, estão sob o crivo da culpa; ou melhor, historicamente provado (e ordinariamente decorrente do fenômeno econômico), os processos conspiram pela constrição da agenda individual dos manifestantes. A violência estrutural afeta a todos cujos status social são negados as oportunidades de acesso aos benefícios do progresso social [Farmer, Paul E; Nizeye Bruce, Stulac Sara, Keshavjee Salmaan (outubro 2006). Structural Violence and Clinical Medicine. PLoS Medicine 3 (10): 1686].”

Os teóricos argumentam que a violência estrutural presente na manifestação popular seria inerente ao sistema de organização social contemporâneo; e, pior, seriam inevitáveis. Resolver o problema da manifestação violenta seria impossível em um short term scenario. Algumas resoluções contra o direito à oportunidade estão sendo implementadas: são os chamados estatutos ou ações governamentais contra uma classe ou grupo de cidadãos, marginalizados, que perseguem objetivos e oportunidades comuns. Mas como o assunto seria complexo – e a prova vemos hoje nas ruas –, a eficácia dos atos governamentais que direcionam tais oportunidades aos cidadãos continuam incompletas. Desde que um ou outro governo se propôs a implementar uma verdadeira oportunidade de direitos.

Sendo assim – o que nos permitiria debater sobre a manifestação, o vandalismo e a ação das autoridades nesses episódios – restaria indagar não apenas sobre o reajuste no preço do transportes públicos; mas, sim, sobre a oportunidade a direitos diversos, como saúde, educação, emprego; ou a uma delas apenas, ou a um conjunto delas, ou a todas as excelências sociais pelas quais organizamos nossas vidas e a de nossos semelhantes que, repita-se, chama-se justiça social.

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Eduardo Ribeiro Toledo é advogado e escritor