A “destruição de bens materiais” pode ser um instrumento poderoso para se fazer política. Essa crença, defendida pelos Black Blocks, espécie de tropa de choque anarquista dos manifestos, ajuda a entender a complexidade do caldo de ideias das últimas passeatas em São Paulo.
Formados por cerca de cem integrantes, os Black Blocks são um entre as dezenas de grupos que participaram nesta semana das passeatas contra o aumento da passagem na capital. Na terça-feira, lideraram as depredações, que foram suspensas na quinta-feira. Ainda engrossam a massa nas passeatas diversos partidos de esquerda e movimentos sociais tradicionais, sindicatos e coletivos pós-modernos. Os últimos são considerados a alma e o motor das manifestações.
Apesar de ainda desconhecida e incompreendida por políticos e policiais militares, essa nova configuração de protestos e grupos sociais organiza manifestações políticas em São Paulo desde o começo da década passada. A popularização das redes sociais, principalmente do Facebook, é reconhecida como um importante catalisador dos protestos gigantescos e impactantes ocorridos neste ano.
“Nós, os anarquistas, não consideramos a destruição de bens materiais como um ato de violência. A violência ocorre contra a pessoa. Destruir um banco que apoia Belo Monte e atinge os índios, por exemplo, é ação de combate à violência”, disse o fotógrafo Vagner Luis (o nome, sugerido por ele, é fictício), integrante dos Black Blocks, que participou das quatro passeatas. Ele explica que, para o grupo, o vandalismo só deve ocorrer como reação às agressões policiais. Nunca antes.
Em São Paulo, a primeira manifestação de peso que marcou a origem das ações dos novos coletivos sociais ocorreu em abril de 2001. Dois mil manifestantes, estudantes e muitos punks entraram em confronto com cerca de 100 policiais militares e transformaram a Avenida Paulista em um campo de batalha. Naquela época, os protestos eram contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca).
Os coletivos ainda eram fortemente inspirados pelos movimentos anticapitalistas, que começaram a ganhar popularidade em 1998 em Gênova, na Itália, no movimento Ação Social dos Povos (AGP). Atingiu Seattle no ano seguinte, nas reuniões da Organização Mundial de Comércio, seguindo para diversos países da Europa. A destruição de símbolos capitalistas, como lanchonetes e lojas de roupas, por jovens mascarados envoltos por nuvens de gás lacrimogêneo, se tornou a imagem desses processos.
Com o tempo, esses grupos passaram também a discutir questões urbanas, relacionadas aos problemas das cidades, tendo o Movimento Passe Livre (MPL), cuja bandeira principal é o transporte coletivo, como um dos principais expoentes.
Polícia despreparada
Em Salvador, na Bahia, ocorreram as primeiras manifestações do MPL contra a passagem de ônibus. Durante dez dias, as ruas foram bloqueadas e os protestos forçaram as autoridades locais a negociar com os manifestantes. “Aprendemos com aquele episódio porque os protestos pararam com conquistas intermediárias, que garantiram meia-entrada a estudantes de pós-graduação, por exemplo. Mas não conseguiram barrar os aumentos. Depois disso, só aceitamos parar com a reversão do aumento”, explica o estudante de Filosofia Marcelo Hotimsky, de 19 anos, do MPL.
Era Kassab. Na capital, o MPL já fez três outras ondas de protestos: em 2006, 2010 e 2011. Nas duas últimas, durante a gestão de Gilberto Kassab, o movimento começou a decolar, mas longe de alcançar o impacto deste ano. Estudantes se mobilizavam na frente da casa do prefeito, o seguiam em eventos públicos e faziam pequenas mobilizações, que não provocavam confrontos.
“Nessa época, o Facebook ainda não havia se popularizado e a ferramenta foi importante para aumentar os simpatizantes. Mas as visitas a escolas, grêmios, centros acadêmicos e ocupações foram decisivos”, diz o estudante de História Caio Martins, também do MPL.
Martins também avalia que a nova geração de manifestantes se habituou a sair às ruas nos últimos dois anos, nas seguidas passeatas na Avenida Paulista, e perderam o temor da polícia. “Nossa geração perdeu o medo de sair às ruas”, resume.
A opção pelo confronto com a PM e o vandalismo teve efeitos práticos, aumentando a visibilidade dos protestos. A resistência e o ímpeto dos manifestantes deixaram policiais e sociedade assustados, em uma cidade acostumada a receber anualmente eventos e passeatas que, segundo os organizadores, levam 4 milhões de pessoas às ruas.
Na quinta-feira (13/6), depois da repercussão negativa do quebra-quebra, os Black Bocks haviam decidido não vandalizar. A Polícia Militar, ainda impactada pelo últimos acontecimentos, acabou apelando para a violência contra os manifestantes e se mostrou despreparada para lidar com tanta novidade. A violência do Estado acabou aumentando o apoio da população à causa do grupo nas ruas.
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‘Somos pinos redondos em quadrados’
Panos no rosto, máscaras de gás, roupas pretas e estética punk. O visual dos Black Blocks é importante para a estratégia antissistema que eles praticam nas passeatas. Conforme escrevem na página do grupo do Facebook, “as roupas e máscaras negras são usadas para dificultar ou mesmo impedir a identificação pelas autoridades. Também têm a finalidade de parecer uma única massa imensa, promovendo solidariedade entre seus participantes e criando uma clara presença revolucionária”.
A página do grupo é ainda ilustrada pela foto de dois jovens destruindo as vidraças da Estação Trianon-Masp do Metrô. Os Black Blocks ainda citam o escritor americano Jack Kerouac para explicar a ideologia do grupo. “Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que veem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, Glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo são as que o mudam.”
Treinamento
Na cidade, os novos integrantes dos Black Blocks recebem cursos preparatórios para participar dos protestos. Eles aprendem de legislações penais a técnicas de primeiros socorros e doutrinação política anarquista. “Estamos crescendo depois das manifestações na capital”, diz.
Após os primeiros quatro protestos contra o aumento da passagem e do endurecimento da polícia, que enquadrou alguns manifestantes por formação de quadrilha, os membros do Black Block decidiram se recolher. “Reagimos de acordo com as ações tomadas pelo sistema.” A popularidade dos anarquistas, porém, nunca esteve tão alta. A página do grupo passou a ser curtida por mais de 12 mil pessoas.
Internacionalmente, ainda existem os chamados pink blocks e white blocks. Os primeiros são considerados os protestos festivos – como Marcha da Maconha e Parada Gay no Brasil. Os segundos são os pacifistas, movimentos inspirados em Martin Luther King e Mahatma Gandhi. Ainda pouco vistos em protestos no Brasil. (B.P.M.)
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Bruno Paes Manso, do Estado de S.Paulo