Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Que mentira, que lorota boa

Um dia, ele apareceu, casado com uma mulher linda, ídolo nacional, proclamando que seu objetivo era tornar-se o homem mais rico do mundo, abrindo empresas e fazendo negócios sem parar – tantos que, para referir-se a ele e suas iniciativas, havia quem usasse o bordão “Eike, sempre ele”.

Dezenas de empresas com o X no nome, IPOs (pronuncie ai-pi-iou, mas como se estivesse com uma batata inteira na boca), planos gigantescos de construir ilhas artificiais, de transformar um hotel que há 90 anos é uma das glórias do Rio em sede de suas empresas, sempre bem com o Governo, sempre com projetos maravilhosos em busca de financiamento. Mas, apesar de toda a cobertura que a imprensa deu a Eike Batista (inclusive aos rankings de bilionaridade, como diria o técnico Tite), nunca ninguém respondeu a uma pergunta básica: e que é que suas empresas produzem?

Pois é: papeis rendem dinheiro, mas há um momento em que se exige que a produção comece. No caso do Hotel Glória, por exemplo, seria inicialmente a sede do Império X. Depois, seria hotel mesmo, mas modernizadíssimo, elegantíssimo, charmosíssimo, prontíssimo para a Copa e as Olimpíadas, com empréstimo oficial a juros reduzidíssimos para a execução das obras. A reforma não andou. O hotel está desativado. E as notícias hoje são referentes, todas, à queda do valor das ações das empresas X. Eike continua na moda, com sinal trocado. Os meios de comunicação continuam na mesma linha, seguindo a manada e sem explicar nada. Por que as ações subiram antes, por que as ações caem agora? Que é que mudou?

Boa pergunta. E agora uma resposta a outra pergunta que nunca foi feita: como é que se decide quem é o homem mais rico do mundo? E o segundo, o terceiro? Como se apura qual é a fortuna de alguém?

Na verdade, não dá para ser preciso: muitos bens estão em ações, cujo valor varia incessantemente, em imóveis, cujo valor varia muito mais lentamente, em fundos diversos, tudo. A partir de alguns milhões de dólares, calcular essas variações é complicadíssimo; e, até que o ranking seja elaborado e divulgado, tudo já mudou. É como divulgar o ganhador de uma partida de futebol a partir do resultado até os 30 minutos do primeiro tempo. Ou como acreditar naqueles outros grids suspeitíssimos, “a mulher mais poderosa do mundo”.

Mesmo num país, ou num estado, é um ranking impossível. Imagine um local onde uma funcionária pública de baixo escalão passe a ter uma desmesurada capacidade de mando por manter boas relações pessoais com quem efetivamente é poderoso. Ela não estaria jamais na lista das “mulheres mais poderosas”, mas poder é o que mais teria.

Entretanto, voltando a Eike, a tendência dos meios de comunicação de seguir as lendas vigentes e de respeitar o efeito-manada, todos seguindo a moda da época, atingiu a fundo a economia dos consumidores de informação. Quem acreditou na imprensa, achou que Eike se transformaria rapidamente no homem mais rico do mundo e apostou em suas empresas perdeu muito dinheiro. E hoje, quem acreditar na imprensa, achar que Eike vai se transformar num sem-empresa, num cidadão de classe média, e apostar contra suas iniciativas corre o risco de perder muito dinheiro. Os meios de comunicação simplesmente não fornecem elementos para que um cidadão comum, sem acesso a informações mais requintadas, possa aplicar suas eventuais sobras de dinheiro com um mínimo de consciência daquilo que está ocorrendo no mercado.

 

Por falar em Eike

O empresário Eike Batista adora o twitter, usa-o com frequência (a não ser nos últimos dias, quando o manteve quase em silêncio), tem milhares de seguidores. O texto, às vezes, é um pouco estranho, como nesta nota que postou contra a revista Veja:

“Mentiras da Veja! Semana passada Diz Que Superporto do Açu estaria afundando! 3f Jornalista fazer Valor Visita Açu desmentindo versão da Veja!”

O cinema americano foi peça importante na moldagem da nossa cultura de hoje. Especialmente quando criou um tipo peculiar de inglês utilizado pelos índios. Mim estranhar texto cara-pálida de cabelo loiro postar no twitter.

 

Questão de nomes

Uma longa discussão tomou as redes sociais: por que os manifestantes de São Paulo, que quebraram vidraças de metrô, danificaram ônibus, quebraram lixeiras e puseram fogo em lixo no meio da rua foram chamados de “vândalos” pelos meios de comunicação, enquanto os que se queixam na praça de Istambul são chamados de “manifestantes”?

Não há motivo, seja o caro colega favorável ou contrário às manifestações paulistanas, favorável ou contrário às teses dos manifestantes, para evitar a palavra “vândalos”: segundo o dicionário Aulete, vândalo “é o que destrói despropositadamente o que não lhe pertence”, ou “aquele que pratica atos de vandalismo; destruidor”.

No caso de Istambul, ou do Egito, faltou o “despropositadamente”. O que houve no Egito não foi uma manifestação, foi uma rebelião. O que há em Istambul é a ocupação de um parque, e os ocupantes reagiram à polícia que tentou desalojá-los. Ninguém saiu depredando transportes coletivos ou quebrando equipamentos urbanos. Se os manifestantes de São Paulo tivessem ocupado uma região – a própria Avenida Paulista, por exemplo – estariam cometendo um ato ilegal, mas não de vandalismo. Se resistissem a tentativas de desalojá-los, não seriam vândalos. Se arrebentassem estações de metrô, aí estariam cometendo atos de vandalismo.

A discussão não tem grande importância: uma rosa não deixa de ser uma rosa se lhe derem outro nome. O importante, no caso, é mostrar que manifestações diferentes podem receber denominações diferentes sem que isso represente uma opção ideológica ou signifique que o noticiário será tendencioso.

 

Rigorosa hostilidade

O governador Alckmin, o prefeito Haddad, o secretário da Segurança Grella, todo mundo pode garantir à vontade que os excessos cometidos pela polícia na repressão aos manifestantes paulistanos serão investigados em rigorosos inquéritos, que os jornalistas agredidos, presos ou feridos foram vítimas das circunstâncias, não de hostilidade deliberada, que os culpados serão exemplarmente punidos na forma da lei, essas coisas que autoridade adora dizer para ganhar tempo até que todos esqueçam o que aconteceu.

Mas o fato é que os ataques a jornalistas podem ter sido fortuitos em um caso ou outro; na maioria, não o foram. A prisão do rapaz que carregava vinagre na mochila é grotesca. Vinagre serve para fazer bombas? OK, este colunista, absolutamente ignorante, aceita a palavra oficial. Mas fabricar explosivos a partir de vinagre no meio da rua, durante confrontos com a polícia, tendo de fugir de balas de borracha e de bombas de efeito moral? Aí fica difícil acreditar, secretário Grella! Não dá para levar a sério uma informação dessas, governador Alckmin! Não se pode sequer pensar que uma besteira dessas possa passar pela cabeça de alguma pessoa racional, prefeito – puxa, como é mesmo que ele se chama?

 

Hostilidade rigorosa

O problema, para esse pessoal da política, é que não perceberam uma pequena mudança no mundo que faz uma grande diferença para as histórias da carochinha que estavam acostumados a impingir aos cidadãos. A mudança é o avanço da eletrônica. Os fatos são fotografados, filmados, gravados. Aí vem o engravatado (e manicurado, e esmeradamente penteado) e conta uma versão que não bate com as imagens nem com a gravação. Não pega, não gruda, não cola.

Há fotos e vídeos de agressão a jornalistas que demonstram que, sem dúvida, foram escolhidos deliberadamente para o espancamento. Um fotógrafo, com imensa máquina fotográfica, com aquele colete especial de fotógrafo cheio de bolsos e com tiras refletoras, não terá sido identificado como fotógrafo pelo policial que lhe jogou spray de pimenta no rosto, a um metro de distância? Foi de propósito, claro. Dá para entender que, após tanto tempo de tensão, no meio do enfrentamento, o policial tenha perdido a cabeça e feito besteira (embora seu treinamento devesse prepará-lo exatamente para esse tipo de pressão); mas não dá para acreditar que não soubesse que estava atacando um jornalista que não fazia parte da manifestação, apenas a registrava para cumprir seu papel de informar.

 

O caminho dos fatos

De 1999 a 2002, a Petrobras remeteu certa quantidade de recursos ao exterior para pagar a compra de plataformas. Em 2003, foi autuada pelo governo federal – a propósito, seu acionista controlador – por não ter pago os impostos relativos a essas remessas. Na opinião da Petrobras (e, portanto, de seu acionista controlador, o governo federal), esses impostos não eram devidos. Recorreu da autuação e a questão veio rolando até agora. De repente, o governo federal, via Procuradoria da Fazenda Nacional, cassou a certidão negativa de débitos fiscais da Petrobras, controlada pelo governo federal. Sem a certidão negativa, a Petrobras não pode exportar nem importar.

A história, claro, é absurda. Os débitos montam a R$ 7,5 bilhões, e nenhuma empresa do mundo tem essa quantia em caixa para resolver um problema de emergência. Imagina-se que o absurdo seja resolvido na Justiça, rapidamente.

Mas está faltando a história inteira, que alguém conte o caso como o caso foi. Essas coisas não acontecem por descuido. Quem é, dentro do governo federal, que resolveu dar um xeque-mate na Petrobras e simultaneamente em seu controlador, o governo federal? Quem está brigando com quem? Com que objetivos? A atual presidente da Petrobras, Graça Foster, tem feito um trabalho interessante de recuperação da empresa; mesmo numa posição destacada, exposta, não tem recebido críticas, nem mesmo dos oposicionistas mais ferrenhos (existem, sim: uns dois ou três, mas existem). Imaginemos que Graça Foster esteja efetivamente fazendo um bom trabalho. A quem isso estará incomodando?

Deve dar uma bela história, se alguém se dispuser a desvendá-la.

 

Adeus, Olímpio

Este colunista conheceu pouco, pessoalmente, o jornalista Olímpio da Silva e Sá, que morreu aos 97 anos no início deste mês. Mas conheceu-o muito por seu trabalho em A Gazeta Esportiva, maior jornal esportivo do país, um dos diários mais importantes de São Paulo; e por depoimentos de seu sobrinho, Fábio Tem Jr., um dos bons jornalistas do Jornal da Tarde e de O Estado de S.Paulo, e da grande Regina Helena de Paiva Ramos, pioneira do jornalismo como profissão feminina, crítica de teatro, produtora de TV, o que se puder imaginar. O depoimento de Regina Helena sobre seu mestre Olímpio da Silva e Sá é magnífico:

“Grande Olimpio! Profissional sério, competente, dedicado, inteligente. Foi o redator-chefe de A Gazeta Esportiva quando eu era repórter em A Gazeta. Me deu a honra de ser meu amigo. Eu, uma foquinha de vinte e poucos anos. Ele, já um respeitado jornalista. Aprendi com ele. As redações não eram juntas, a minha no 2º andar, a Esportiva no 1º. Muitas vezes desci para bater papo. Sempre aprendia. Às vezes, quando calhava de sairmos no mesmo horário, íamos conversando por vários quarteirões até a rua Líbero Badaró, quase esquina da Praça do Patriarca, onde eu tomava o ônibus Pacaembu para voltar pra casa. Adorava essas conversas: política, literatura, sindicalismo, jornalismo, esporte. Olimpio sabia tudo! Eu respeitava, aprendia, discutia.

“São Paulo é uma cidade maravilhosa, mas implacável. As pessoas se perdem dentro dela. Como eu gostaria de ter continuado essa convivência! Sai da Gazeta, fui para a Manchete, Band, depois Visão. Soube que ele se aposentou. Escrevo isso quase chorando, comovida pra caramba! É minha homenagem ao amigo e colega que foi exemplo de profissional competente e sério. Olímpio morre na mesma semana em que um grande jornal escreve sombril querendo dizer sombrio. Eu gostaria que não fosse um sinal de que o bom jornalismo está morrendo com ele. Olímpio, 97 anos de idade, 70 de exercício da profissão.

“Lembrei-me de mais uma coisa sobre ele. Naqueles idos de 50 a maioria dos jornalistas implicava com quem tinha feito a Faculdade de Jornalismo. Éramos os patinhos feios. Preconceito danado com quem tinha diploma. Zombavam muito da gente. E o Olimpio, que fez? Jornalista já famoso, tarimbado, competente, fez vestibular e entrou na Faculdade Cásper Líbero. Caderno e livros na mão, assistia às aulas, ouvia os professores. Alguns teriam muito o que aprender com ele. Era gente! Foi, certamente, uma das grandes figuras do meu início profissional. Exemplo de simplicidade, de humildade, de competência sem crista de galo. Grande profissional. Grande homem!”

 

Como…

De um grande portal noticioso, ligado a um dos maiores jornais do país:

** “(…) a empresa enfrenta 'falta de disponibilidade de caixa', o que lhe levou a reduzir o próprio orçamento relativo aos investimentos do pré-sal e lhe forçou a caputar recursos (…)”

Regência verbal? Bobagem. Diferença entre objeto direto e objeto indireto? Besteira. E “caputar” deve querer dizer alguma coisa – quem sabe seja um método dos mais antigos de captação de recursos?

 

…é…

Do portal noticioso de um grande jornal:

Título: “Amistoso Brasil e Japão”

Texto: “Seleção já sabe como vencer o adversário”.

Beleza. Só que o jogo não seria amistoso. Valeria pela Copa das Confederações. Tanto que, um pouco mais tarde, o título foi trocado por “Disputa Brasil e Japão”. Bom sinal: alguém de lá percebeu.

 

…mesmo?

Do editorial de um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “(…) com uma elevação de 7,4% para 8%”

A elevação se refere à taxa Selic – que jamais esteve em 7,4%.

 

Caprichando

Lembra de uma nota aqui publicada na última semana, sobre “pessas” de teatro? Pois é: no mesmo jornal, um dos maiores do país, saiu a maravilha abaixo:

** “Cinema: Superficial, O Grande Gatsby esquece lado sombril da trama”.

O lado sombril deve estar brilhando, depois de lavado com anio, çapólil e álcoou e esfregado com Bombrio.

 

Frases

Da cartunista Lila:

** “Eu moro num país onde aposentado por tempo de serviço é chamado de vagabundo, treinador de futebol é chamado de professor, professor é chamado de tio e corrupto é chamado de Vossa Excelência”.

Do repórter Cláudio Tognolli:

** “Jornalistas são seres admiravelmente fortes e suportam olimpicamente a dor dos outros”.

Do jornalista Ricardo Muza, sobre os tumultos em São Paulo:

** “No fim, a culpa vai ser da imprensa”.

De um jornal esportivo argentino, sobre a Copa das Confederações:

** “Quien se llevó este certamen, nunca ganó el Mundial siguiente.”

Tradução literal de um grande jornal brasileiro, que nos tempos em que não havia demitido uma boa parte da redação não admitiria cacófatos:

** “Quem levou este certame, nunca ganhou o Mundial seguinte”.

 

E eu com isso?

Enfim, o Brasil como a gente gostaria que fosse: festas, passeios, almoços, desfiles, roupas novas, gente paparicando gente, adultos paparicando crianças.

** “Luana Piovani embarca para o Brasil ao lado do marido com calça furada no bumbum”

** “Papa terá roupa com estampa de peixe”

** “Nanda Costa anda de metrô em NY antes de sair na Playboy”

** “Lady Gaga está com ciúmes de Cameron Diaz”

** “Paloma Bernardi se veste de caipira”

** “Christina Aguilera se inspirou em Shakira para emagrecer”

** “Marina Ruy Barbosa curte camisa e jeans”

** “Jennifer Aniston constrói galinheiro em sua mansão”

** “Vitor Belfort brinca de luta na praia com os três filhos”

** “Rihanna relaxa fumando cigarrinho suspeito após show em Cardiff”

** “Rômulo Arantes Neto e Fiuk são flagrados na Prainha”

** “Justin Bieber é barrado em boate por ser menor de idade”

** “Dudu Nobre leva o filho para cortar o cabelo”

** “Robert Pattinson vai para a casa de Katy Perry após concerto”

 

O grande título

Ah, as armadilhas verbais! O título é aparentemente simples, mas esconde um duplo sentido cheio de significado:

** “Marginais terão faixas exclusivas de ônibus”

Ônibus? Carrões, isso sim. E às vezes até com placas privilegiadas.

Essa história de “readequar os quadros”, de “enxugar a equipe”, ou, em bom português, de passar o facão, acaba dando nessas coisas:

** “Cauã retrura fofoca de crise no casamento e Grazi posta foto”

Este colunista não conseguiu descobrir o significado de “retrura” nem a palavra que, corrigidos erros de digitação, daria sentido à frase. Enfim, deve querer dizer alguma coisa.

Dois títulos notáveis se destacam. O primeiro, pelo inusitado:

** “Suspeito de furto sem perna consegue fugir de oito PMs”

Nem com spray de pimenta conseguiram pegá-lo!

O segundo, pela ênfase:

** “Centenas de peixes mortos aparecem mortos em Praia Grande”

Mortos mesmo. Não houve um peixe morto sequer que tenha aparecido vivo.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação