Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Estamos preparados para gerir uma crise?

Corriqueiramente, os veículos de comunicação vêm dando destaque a situações e casos que provocam crises em empresas, instituições e órgãos públicos, abalando sobremaneira a reputação e, consequentemente, o negócio ou imagem dos envolvidos. Analisando a crise como mais um campo de trabalho do profissional de comunicação, é preciso que fiquemos atentos para a forma pela qual deve ser encarado esse processo. Mesmo tendo apenas cinco letras, a força deste “fenômeno” chamado crise pode ser avassaladora se tratada de forma equivocada. Seja para a imagem da empresa ou para a imagem do profissional que atua no gerenciamento, que pode ser tachado de despreparado.

Antes de se considerar o assessor de comunicação capaz de gerir uma crise, o profissional precisa possuir conhecimentos e atitudes que englobam variadas nuances que vão além da assessoria de imprensa propriamente dita. Englobam conhecimentos de gestão empresarial, marketing, recursos humanos, análise de projetos e até mesmo áreas como segurança e direito. Tais conhecimentos são importantes em muitas das atividades que poderíamos desempenhar como gestores da comunicação. Mas em no caso do gerenciamento de crise eu arriscaria dizer que são essenciais.

É certo que quando a crise se instala todos os envolvidos ficam “à flor da pele” e a linha tênue de equilíbrio é facilmente transposta, ocorrendo ações equivocadas. Assim, a palavra-chave é planejamento, que em seu próprio significado já nos diz muito: planejamento: ato de projetar um trabalho, serviço ou mais complexo empreendimento. Determinação dos objetivos ou metas de um empreendimento, como também da coordenação de meios e recursos para atingi-los.

A versão da navalha de Ockham

Desta forma, a pró-atividade de conhecer os fatos, prevê desdobramentos e buscar soluções se torna fundamental no gerenciamento de crises. E o resultado deste estudo é o que se chama de versão. É importante, porém, destacar que versão não é sinônimo de mentira. Versão é o conjunto de informações prestadas pela organização, que se encontra em crise, irá repassar aos seus públicos de interesse (stakeholders). E a versão não diz respeito apenas às palavras faladas ou escritas que explicam a situação, envolve ainda a forma com que esse material é tornado público.

Vale lembrar que, especialmente durante uma crise, podem surgir muitas versões de diferentes fontes para um mesmo acontecimento. Podendo ser do cliente lesado, do fornecedor envolvido, da imprensa sem informação e até mesmo das esferas públicas envolvidas, sejam elas de fiscalização ou de cunho político. Assim, a versão repassada pela organização deverá enfrentar essa concorrência e se sobressair às demais como a mais adequada.

E como construir a versão adequada? Como na maioria dos processos comunicacionais, a resposta vai depender de uma série de fatores. Mas um caminho a seguir pode ser entendido com uma analogia ao princípio da Navalha de Ockham (às vezes grafada de Occam), também conhecido por “princípio da Economia”. A navalha foi criada pelo frade inglês William de Ockham no final da idade média e diz que entre duas teorias (ou versões, no nosso caso) que explicam igualmente os mesmos fatos, a mais simples é a correta. Ou seja, se existe uma explicação simples, não há necessidade de buscar uma mais complicada.

Princípio da economia

Dentro do gerenciamento de crises, a comunicação deve considerar que o que vale a pena é repassar dados estritamente necessários à explicação da crise e eliminar todos os que não fariam diferença. Essa seria, portanto, a versão de maior receptividade. Parece claro não é? Mas, pelos vários casos recentes que tomamos conhecimento sobre os efeitos das crises na mídia, não está sendo uma tarefa fácil para os profissionais de comunicação.

Em todo caso, é preciso que o gestor da comunicação também tenha percepção de que o princípio da Navalha de Ockham parece simples, mas também pode ser perigoso. Isso porque é preciso saber o conceito de simplicidade que se deve ter em mente. Afinal, simplicidade não é necessariamente o que é mais fácil entender. Por exemplo, para algumas pessoas, é mais fácil entender que o céu é azul porque Deus quis assim ao invés de entender como ocorre o processo de refração da luz.

Da mesma forma, parece simples dizer que uma organização burlou um processo licitatório porque o funcionário alterou um edital sem conhecimento da direção. Mas essa resposta envolve algo bem maior. Pode envolver a credibilidade da organização, a falta de conformidade dos processos e de sintonia interna, erros nos processos de seleção de pessoal, ausência de auditorias e muito mais. Ou seja, é uma simplicidade ilusória.

Interessante perceber que essa concepção do princípio da economia não é novidade no universo da comunicação. Basta lembramos que uma das primeiras coisas que aprendemos nos bancos da universidade, quando iniciamos o estudo da mídia, é justamente a objetividade ao construirmos o lead e focarmos em responder aquelas seis perguntas de forma clara e direta.

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Clara Marcília de Sousa Pinheiro é jornalista e assessora de Comunicação