Morreu Jacob Gorender, tendo deixado seu magnífico “Combate nas Trevas”, em que conta as ilusões armadas da esquerda brasileira nos anos 70. Com ele foi-se um pedaço da memória da usina de livros e fascículos da editora Abril, produto da visão empresarial de Victor Civita.
“Seu” Victor achava que a história segundo a qual brasileiro não lê era uma lenda e decidiu lançar uma coleção intitulada “Gênios da Literatura Universal”. A cada semana, punha nas bancas de jornais um grande romance, acompanhado por um fascículo com a vida do autor. Começou com Irmãos Karamazov, anunciando que a série teria 50 volumes. Deram-no por doido, pois se o primeiro livro vendesse menos de 50 mil exemplares a coleção iria a pique. Ele informou: “Vocês são contra, mas eu tenho 51% das ações e isso será feito”. Dostoiévski vendeu 270 mil exemplares. Seguiram-se os “Gênios da Literatura Brasileira”, os “Economistas” e os “Pensadores”. Platão vendeu 250 mil exemplares. As coleções da Abril levaram para as bancas de jornais cerca de 12 milhões de livros e ela tornou-se a maior editora de livros de filosofia do mundo.
Nesse empreendimento estiveram o diretor da operação, Pedro Paulo Poppovic, e a rede de intelectuais por ele mobilizada. Nela havia 300 professores que a ditadura deixara sem trabalho. Jacob Gorender traduzia filósofos alemães numa cela do presídio Tiradentes e Pedro Paulo publicava seu trabalho com o nome da mulher, Idealina. Libertado, tornou-se funcionário da Abril Cultural, trabalhando ao lado de uma jovem que gostava de teatro, chamada Maria Adelaide Amaral. A coleção dos pensadores foi dirigida pelos filósofos José Américo Motta Pessanha (posto para fora da UFRJ), com o apoio de José Arthur Giannotti (cassado pela USP). A redação dos fascículos era dirigida por Ari Coelho, professor de química expulso da Universidade de Brasília.
Poppovic calcula que a polícia visitou a Abril Cultural em pelo menos quinze ocasiões. Em alguns casos os redatores valiam-se de uma rota de fuga. Ele lembra que em nenhum momento Civita perguntou-lhe quem trabalhava lá, nem o que a polícia queria.
Um dia alguém resgatará a história do maior empreendimento cultural ocorrido durante a ditadura, com o mais absoluto sucesso.
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Elio Gaspari é jornalista