Sebastião Nery parafraseou John Reed (Dez dias que abalaram o mundo) no título do livro Dezesseis derrotas que abalaram o Brasil: foram as vitórias do MDB nas eleições legislativas de 1974, quando o partido de oposição elegeu 16 das 22 cadeiras do Senado em disputa (e muito mais deputados federais do que poderia sonhar).
Trinta e nove anos depois, manifestações em número ainda indefinido mudaram o Brasil num sentido democratizador.
Um indicador disso foi o comportamento da TV Globo na quinta-feira (20/6): o noticiário atropelou a grade de programação. Essa grade é uma das coisas mais estáveis do Brasil nas últimas quatro décadas. Com ou sem ditadura militar.
Não importa que os jornais do dia seguinte tenham dado destaque ao que chamam de vandalismo. Na Globo, ainda disparado a principal mídia do país (a participação da televisão no bolo publicitário é crescente e chegou em 2011 a 63,8% do total; em 2012, a televisão aberta chegou a 96,9% dos 61,3 milhões de domicílios), o tom foi de elogio à grandiosidade das manifestações pacíficas. Com tanta raiva estocada em corações e mentes.
A emissora, pela voz de William Bonner, se vangloriou do tempo dedicado à cobertura das passeatas: mais de três horas contínuas. Como se dissesse: o que vocês estão fazendo é importante para o país e, portanto, deve ser noticiado. O que Bonner não disse, mas faz parte de uma gramática que a população conhece bem: a abundância de imagens facilita esse tipo de cobertura na televisão.
O que pode ser mais político?
Nada pode ser tão político quanto uma ameaça popular de invadir o palácio presidencial, fato, entre tantos outros nos últimos dias, inédito no país. Entretanto, na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo o assunto não aparece sob as rubricas Poder e Política, mas classificado como Cotidiano (é mesmo algo do “cotidiano”?) e Metrópole (qual delas, colega?).
Os protestos produziram material que daria para encher várias edições. Não se pode, portanto, exagerar em cobranças. Mas seria útil saber quem são as pessoas que participam para quebrar e se chocar com a polícia. Não os militantes de grupos adeptos da violência como forma de luta. Os outros.
E mais: o que aconteceu com a criminalidade durante esse período? A bandidagem, que reinava nas manchetes das editorias de cidade, deu um tempo até entender como é o jogo com ruas ocupadas por tanta gente consciente e por sua contraparte, a polícia? A mudança dos esquemas manjados de policiamento desnorteia ladrões e assaltantes? Apenas não houve espaço para noticiar as ocorrências? Ou nenhuma das opções acima?
Espaço aberto
Esses dias já mudaram o Brasil. Quem sabe não surge agora oportunidade para o lançamento de um novo jornal independente e profissional, que possa concorrer com os “três grandes” e contribuir para que todos avancem? Jornal que nasça com vocação para combinar a versão impressa com as plataformas digitais, entre elas o telefone móvel (261,8 milhões de linhas em 2012).
No Rio de Janeiro e em Porto Alegre, dois exemplos eminentes, essa necessidade é dramática.