Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ética da comunicação no contexto dos protestos

Estamos vivendo hoje um momento de revolução no campo da comunicação no Brasil. Não somente os cidadãos estão se conscientizando sobre o uso da informação como uma poderosa arma de protesto, mas a integridade dos veículos midiáticos está sendo colocada à prova de acordo com a maneira com que fazem a cobertura dos últimos acontecimentos no país. O jornalismo depara com os tênues limites entre a divulgação de informação desprovida de influências e a manipulação dos fatos em prol de uma linha editorial. Neste mesmo movimento, os jornalistas são constantemente questionados quanto aos preceitos éticos de sua profissão.

Segundo o Código de Ética do Jornalismo, o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação, é a base de toda a sua constituição. Sendo assim, os jornalistas não podem admitir que este direito seja impedido por nenhum tipo de interesse. A divulgação correta e precisa da notícia deve ser feita independente da natureza jurídica e da linha política dos proprietários do veículo midiático. As informações devem atender à veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público.

Trazendo estas normas para o cenário atual do Brasil – e aqui pegarei como exemplo o contexto dos protestos que estão acontecendo em todo o país –, vemos que a “verdade” está travestida com as mais diversas máscaras. Em determinados veículos, as pessoas são tratadas como protestantes. Em outros, são considerados vândalos, independente da apuração dos supostos ataques. Cada empresa divulga informações baseadas em uma linha de pensamento que lhe convém, caso contrário leríamos exatamente as mesmas manchetes nos jornais. As empresas de comunicação possuem uma posição política e visam ao lucro: faz parte do jogo capitalista a existência de relações de interesse. No entanto, o que vemos ultimamente nos jornais são notícias manipuladas de maneira explícita, exteriorizando quase completamente as ideologias e o partidarismo do modus operandi. Ao assumirem um posicionamento declarado e ignorarem a sapiência da população que está participando dos protestos e que vê de perto o que acontece, estes veículos encontram uma rua sem saída rumo à falta de credibilidade. A população, cujos direitos de informar estão amparados na Constituição do Brasil e no próprio código deontológico do jornalismo, está fazendo valer sua cidadania através de um meio cujas fronteiras estão além de qualquer indivíduo: a internet.

Questão de caráter

O imediatismo da internet permite ao protestante informar os internautas no mesmo instante em que caminha defendendo seus ideais sem que esta informação passe por qualquer filtro regulador. Os gatekeepers – as pessoas que escolhem o que será informado à população através dos meios de comunicação – não conseguem mais criar uma realidade partindo das notícias que disponibilizam. Agora, o material noticioso está na mão da sociedade. As pessoas estão aprendendo a manipular a informação no conceito mais íntegro do vocábulo: o cidadão descobriu a força de sua palavra.

Esse movimento na sociedade fomenta a reflexão da profissão do jornalista. A principal característica deste profissional, e também o principal diferenciador do verdadeiro jornalismo para a simples divulgação de informações, é justamente a apuração dos fatos, o compromisso com a verdade. Se pensarmos que os protestantes estão se preocupando em registrar os atos através de fotografias, vídeos e gravações para montar uma base de dados na internet desprovida de qualquer interferência ideológica, isto significa que o jornalismo profissional não está atendendo ao que lhe foi proposto, uma vez que se estivesse, as pessoas identificariam sua própria realidade nos meios de comunicação. O povo está correndo atrás de apuração porque não se vê representado nas manchetes dos jornais. A convergência das mídias e seu imediatismo tornaram-se braço do ativismo social.

Neste momento histórico em que a sociedade saiu da inércia e decidiu protestar – os “podres” sempre estiveram lá – os jornalistas tentam de todas as formas relatar essa mudança de parâmetros e a maneira com que são tratados nestes protestos incita a uma segunda reflexão sobre a integridade física da profissão. Não é raro ver nas manifestações a repressão da mídia tanto pela população quanto pelo próprio Estado: repórteres e cinegrafistas são agredidos física e moralmente e são impedidos do simples exercício de sua profissão. O profissional jornalista depara com uma “escolha” contraditória: ou segue a linha editorial do veículo no qual atua e trabalha a notícia conforme determinado posicionamento, ou atende fielmente seus preceitos éticos divulgando de maneira completamente não tendenciosa os acontecimentos e perde seu emprego. A não ser que o jornalista seja dono de seu próprio veículo midiático, ele sempre estará atado às políticas internas da empresa onde trabalha – e talvez essa seja a pior das agruras da profissão, muito mais do que horas-extras não pagas, plantões abusivos, férias não utilizadas e trabalhos não remunerados. No tabuleiro da imprensa, jornalista é peão: xeque-mate na ideologia em nome da vontade do rei. Prometer a si mesmo e à população o compromisso com a verdade e ter que obrigatoriamente lapidá-la da maneira mais conveniente ao seu chefe vai além de todo e qualquer princípio ético do jornalista: é uma questão de caráter.

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Jéssica Pedroso é jornalista, São Leopoldo, RS