Tenho observado os fatos relacionados à onda de manifestações iniciadas com o aumento das tarifas de transporte público em diversos estados brasileiros com a curiosidade de quem busca uma aproximação histórico-sociológica. Desde então, li a cobertura da mídia tradicional, da mídia alternativa, e (principalmente) dos relatos de testemunhas nos blogs/redes sociais e entendo ter chegado o momento de expor minhas primeiras impressões.
Tomei como problema de partida identificar quem saiu às ruas. Suponho que a resposta começa pela investigação daqueles que não saíram. Quem não estava nas manifestações fazia o quê? “Estava trabalhando…”, diz a grande mídia, transformando por oposição generalizante os membros em ociosos estudantes gazeteiros de classe média (esquerdistas ou não), ou em vândalos marginais de inspiração (ainda que inconsciente) anarquista. Porém, se sob o capital o trabalho está sempre alienado – e esta alienação se dá não apenas no plano material, mas principalmente nos subjetivo/intrapessoal e intersubjetivo/interpessoal –, não foi tão somente a possibilidade de ócio que condicionou o engajar-se no movimento. Alienado, “quem trabalhava” não possui uma consciência comum que permita emergir do cotidiano e superar as ilusões da ideologia. Não vê na luta do outro a sua própria luta. Pior, não se vê nem em luta. Outro aspecto também seria que a capacidade de comunicação possibilitada pela familiaridade com tecnologias dos dispositivos móveis (mensagens instantâneas e redes sociais) entre os estudantes facilita e agiliza sua organização.
Algo está acontecendo
Por fim, penso também que a motivação é outro aspecto que ajuda a compreender a composição do movimento por estudantes, em sua maioria. A adesão necessita de objetivos simples, com forte apelo particular. Algo que interfira diretamente na vida do indivíduo, como o aumento das passagens. Estudante tem desconto, mas não ganha o “passe” fornecido direta ou indiretamente a maioria dos trabalhadores.
Grosso modo, quem está na rua pode dispor de tempo livre, domina relativamente as tecnologias atuais de comunicação e tem uma motivação que influencia seu cotidiano.
Pensando na ação dos manifestantes enquanto práxis, no sentido marxiano (moral e principalmente político), percebe-se a existência do movimento necessário que supera a atitude meramente contemplativa, agindo no real. Vemos o “ser social” formando a consciência independente de se carregar vinagre consigo ou não. Se essa práxis será criativa ou mimética, espontânea ou reflexiva (SANCHEZ VÁSQUEZ) é, no momento, questão menor.
Não olhemos para o dedo, mas para a direção que ele aponta. Algo está acontecendo.
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Ribamar Nogueira da Silva é professor, Capão Bonito, SP