A transmissão começou mais de quatro horas antes de William Bonner, atordoado, anunciar formalmente o início do “Jornal Nacional”.
Às 20h30 [de quinta-feira, 20/6], sem escalada de manchetes, anotou tão-somente: “As notícias mais importantes estão transcorrendo diante dos seus olhos”.
As manifestações pelo país todo derrubaram a tradicional grade do horário nobre, na maior televisão brasileira.
Como já vinha acontecendo desde a segunda-feira em São Paulo, quando os manifestantes chegaram às portas da própria Globo, os âncoras e apresentadores procuraram defender os protestos, pelo menos nas primeiras horas.
As palavras-chave, repetidas diante das primeiras cenas de violência, eram “pequena confusão”, “pequeno grupo”. No mais, “manifestação tranquila”, até mesmo “absolutamente pacífica”.
Nos outros canais, como a própria Globo News e a Record, com o “Cidade Alerta”, a narração já era então diferente, com as cenas do Rio.
Um pouco de futebol
Enquanto o Rio começava a queimar, a Globo saltava de Recife para Campo Grande e Belém, onde parecia tudo tranquilo, até que, na última: “Agora a gente vê um corre-corre. A gente escutou uma explosão. Várias explosões”.
Parecia não haver mais cidade com os protestos tranquilos buscados pela Globo.
A Globo News chegou a abrir três telas simultâneas, com três conflitos de rua. E o “Cidade Alerta” entrou então com as imagens do incêndio do carro do SBT, no Rio.
Uma hora antes das 20h30 regulamentares, Bonner surgiu na tela, substituindo Patrícia Poeta na narração. Disse que estava até então preparando o “JN”, mas que “a essa altura não faz sentido”.
E soltou um editorial improvisado, sobre o carro do SBT: “O trabalho da imprensa é para dar voz aos manifestantes, mas uma minoria tenta intimidar a imprensa”.
Daí por diante, a locução na Globo foi tomada por expressões como “cordão de isolamento”, “spray de pimenta”, “explosões” –com crítica crescente aos “grupos infiltrados”, aos “vândalos”.
Perto do fim do “Jornal Nacional”, entrou um pouco de Copa das Confederações, de Neymar, acompanhados do intervalo comercial correspondente. A grade da Globo só voltou ao normal –em parte– com a novela das nove.
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Nelson de Sá, da Folha de S.Paulo