O Brasil vive um momento histórico, mesmo que alguns tentem minimizar este fato. É o levante das ruas que, sabemos, por vezes pouco resolve de fato o que se reivindica, mas de toda forma é uma vitrine ativa, clara e cristalina que espelha o altíssimo grau de insatisfação generalizada, com um país governado por biltres sedentos de poder, glória e “espécie” (dinheiro a qualquer preço) e chacoalham, transgridem ( no melhor sentido do termo), incomodam, alertam, acordam e sobretudo promovem a análise coletiva.
Contudo, por um momento esqueçamo-nos do que se arvora, e vejamos quem se arvora… Quem está nas ruas? São os jovens “corações de estudante”, representando a população e seus anseios, e os policiais, agentes funcionários pagos com nosso dinheiro, na defesa do establishment. Estes jovens estão sem bandeiras e ideologias capengas. Rejeitam-nas. Não lutam por ideais falidos ou utopias quixotescas, mas simplesmente por condições melhores de sobrevida (ao menos!), numa estrutura completa e descabidamente desequilibrada. Começam por um ponto qualquer, mínimo que seja, como estopim de uma enorme bomba de descontentamento que se acumula há anos através do poder público insurgido pelo descaso, desfaçatez, desmando e incompetência administrativa e social, pelos que deveriam representar sua população, os que foram guindados a isso através do sufrágio, sempre se apoiando em princípios “democráticos”.
Do outro lado, são os policiais de uma instituição despreparada e desamparada. Despreparada porque é antiga, defectiva, obsoleta, enfraquecida, corrompida e ignorada pelo próprio poder que a estabelece. Desamparada por conta de baixíssimos salários, baixíssima condição sócio cultural, baixíssima condição de sobrevivência financeira e econômica, enfim uma organização sem o mínimo preparo de approach profissional nem ao combate ao crime, nem à proteção de sua população ( que inclusive os paga…), atributos esses que seriam inerentes às suas funções na formação sistemática e sintomática do Estado de direito.
Os “corações de estudante” e os “algozes compulsórios”
Quem falta nesta cena?…Quais coadjuvantes (que, sobretudo nessas horas do “sufoco”, deveriam estar à frente do front…) ainda permanecem covardemente nas coxias?…Onde é que estão os “nossos” representantes, por nós escolhidos para nossas representações?…Onde estão encastelados os nossos parlamentares, vereadores, deputados, senadores da república (que ainda precisa tornar-se uma República de fato…), que tanto discursam nos púlpitos de suas camarilhas, arrotando verborragias quase sempre inócuas, defendendo seus pontos de vista em sua esmagadora generalidade que se locupletam abjetamente de interesses espúrios e ególatras, visando principalmente seus próprios anseios de poder?…
As câmaras, as assembleias, as comissões parlamentares, os palácios estão esvaziados, às moscas. Os comensais de ternos de casimira importada, dos vinhos franceses Moët & Chandon a rodo, dos salários aviltantes, dos automóveis de luxo pagos pelo erário, das comitivas internacionais, das surubas palacianas, os todos sorrisos de dentes brancos e “sabedores”, os donos do “pudê” e seus séquitos e asseclas fazem como os ratos, que se juntam em seus fétidos esconderijos, se aboletam em suas alcovas coniventes se amontoando e se esgueirando das tempestades, até que a calmaria retorne eles possam voltar a se alimentarem do sangue de seus contribuintes.
Enquanto isso, os nossos bravos jovens “corações de estudante” se atracam com os seus “algozes compulsórios”, os policiais que cumprem ordens do “poder estabelecido” e todos sabendo que estão, mas por uma questão de sobrevivência fingindo não saber, de toda forma, do mesmo lado da cerca…
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Joe Canônico é músico e empresário, São Paulo, SP