Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia social e transformação política

Em 2002, o crítico cultural e especialista em mídias digitais Howard Rheingold escreveu que as “multidões espertas” seriam a “próxima revolução social”. No campo político, a Primavera Árabe chegou a ser conhecida como “revolução do Twitter”. Hoje, quando o Brasil vai às ruas graças, em parte, a manifestações convocadas pela internet, Rheingold adverte: uma coisa é incentivar protestos, outra bem diferente, e mais difícil, é iniciar transformações políticas.

Seu último livro, publicado no ano passado, chama-se “Net Smart” e defende que os cidadãos percebam o quanto a tecnologia digital que têm disponível na palma da mão oferece possibilidades muito maiores do que o entretenimento e mesmo os protestos. Para Rheingold, o essencial é expandir a alfabetização digital, isto é, o conhecimento sobre as possibilidades de uso da tecnologia.

As tecnologias digitais tiveram um papel importante em 2011. No ano passado, a onda refluiu, para voltar neste ano. Como é a dinâmica do ativismo digital?

Howard Rheingold – Meu livro sobre isso, “Smart Mobs”, saiu em 2002. A mídia social levou tanto tempo para gerar movimentos de impacto político por causa do tempo que leva para as pessoas aprenderem a usar a tecnologia, ver as possibilidades, criar as redes. É a alfabetização digital. Mas é preciso separar as demandas políticas do papel das redes sociais. À medida que as pessoas têm acesso às tecnologias, veem o que podem fazer. O maior efeito é eliminar as barreiras à ação coletiva. Se as pessoas podem se comunicar diretamente, em tempo real, por um vasto território, erguer-se é mais fácil.

No ano passado, pareceu que essa possibilidade tinha se frustrado.

H.R. – Sem entrar na política, esses casos são uma mensagem importante para quem se mobiliza agora. As mídias sociais são um instrumento muito vivo, para a manifestação de curto prazo. Mas há uma enorme diferença entre isso e construir um movimento político duradouro. Hoje, esse é o desafio do ativismo eletrônico: não só mobilizar a opinião pública, mas conduzir à ação política sofisticada e organizada. Não que seja impossível, mas o assunto não se encerra no êxtase das ruas.

Uma crítica recorrente aos movimentos é que não têm propostas concretas.

H.R. – Para conseguir o apoio de uma parte significativa da população, abraça-se a insatisfação e o sentimento difuso das demandas. Nas ruas, o que aparece é a multiplicidade da ideias. Construir algo concreto é outra história.

Cartazes na passeata anunciavam “saímos do Facebook”. O on-line e o off-line são contraditórios?

H.R. – A contradição reside no fato de que é fácil estar on-line. Ao sair à rua, você põe seu corpo em risco. Estive na Turquia há três anos e soube que é um dos países com maior número de usuários no Facebook. Não são fatos completamente isolados, mas estar na mídia social não garante a mobilização das últimas semanas, nem a disposição de brigar com a polícia.

Em alguns lugares houve briga; em outros, como Nova York, quando a polícia retirou as tendas do Occupy Wall Street, os manifestantes acataram. O manifestante do mundo online tem menos propensão ao corpo a corpo?

H.R. – Desde o início, o movimento Occupy Wall Street, em Nova York, se propôs a fazer resistência não violenta. Essa resistência tem suas técnicas e a pergunta é: todos conheciam as técnicas da resistência não violenta? Não. Mas é uma questão de alfabetização digital, usar a tecnologia para transmitir o conhecimento.

Outro fenômeno deste ano é a descoberta do programa secreto do governo americano Prism. Como o senhor vê o tema da vigilância?

H.R. – Em 1995, escrevi que os cidadãos deveriam tomar atitudes contra a tecno-vigilância. Naquela época, dava tempo de evitá-la. Agora, é tarde demais. Só em Londres, há 500 mil câmeras, que, hoje, conseguem identificar as pessoas. Mas não é tarde para tentar fazer algo. Edward Snowden e o Wikileaks revelam que é uma via de mão dupla. O poder põe os cidadãos em perigo, mas os cidadãos também põem o poder em perigo com a mesma tecnologia. Tudo que os governos e as corporações fazem está em computadores. Alguém vai burlar a segurança e revelar as informações.

Seu último livro, “Net Smart”, procura incentivar as pessoas a usar essas tecnologias em seu próprio interesse. A alfabetização digital está muito aquém do possível?

H.R. – É fundamental que as pessoas saibam o máximo possível o que podem fazer com seus aparelhos. Para a maioria das pessoas, é só entretenimento, mas isso é um desperdício enorme. A mídia social pode agir na formação da esfera pública, na capacidade de assumir compromissos, definir estratégias. A tecnologia afeta a vida das pessoas e as pessoas têm expandir a consciência de como usá-la. A mais poderosa das armas é cada vez mais o conhecimento.

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Viana de Oliveira, para oValor Econômico