A onda de protestos que avança pelo Brasil tem mostrado às pessoas mais observadoras o quanto a comunicação institucionalizada, mais precisamente a mediação realizada pelas grandes empresas do setor, precisa melhorar significativamente. Diante de tantas mobilizações e dos fatores que têm motivado parte da sociedade brasileira a se manifestar, poucos meios de comunicação nacionais – e poucos profissionais do setor – têm realmente feito valer o papel que lhes cabe e, sobretudo, a responsabilidade com a qual devem direcionar seu processo de mediação. Na contramão da maioria da mídia institucionalizada, o canal de esportes ESPN tem dado verdadeiras aulas de jornalismo.
Dentre 2004 e 2011, atuei como professora do curso de Jornalismo de uma instituição de ensino superior na capital baiana e, há dois anos, sou docente do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Muito do que discuti e continuo discutindo com o(a)s estudantes está diretamente relacionado ao papel que deve desempenhar a comunicação mediada, instigando a que reflitam acerca do jornalismo e de outras formas de mediação nas sociedades contemporâneas, em especial em nosso país. Neste contexto, temos discutido em sala de aula o quanto o jornalismo brasileiro tem perdido significativamente a qualidade, sobretudo porque os interesses mercadológicos têm-se sobreposto, como nunca, aos interesses sociais.
Em meio a esta situação, jornalistas têm perdido sua principal característica, qual seja a de um profissional inteligente, que busca formar-se constantemente, a fim de proporcionar à sociedade mediações que não apenas se reduzam à narração de fatos e ou acontecimentos e fenômenos, mas contenham uma reflexão que possa auxiliar os sujeitos sociais a pensarem mais criticamente a respeito de certas questões que circundam o seu cotidiano, pois “o jornalista deve ser inteligente, pensar pela própria cabeça, possuir uma dose suficiente de sentido crítico […]” (GRADIM, 2000, p.35).
O interesse que a sociedade se mantenha alheia
E é a partir desta perspectiva que quero trazer à discussão o que considero como mediação de qualidade, a saber, o trabalho realizado pelos profissionais que atuam no canal de esporte ESPN brasileiro, especialmente Mauro Cezar Pereira, Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho e José Trajano. Especialistas em narrar acontecimentos esportivos, notadamente o futebol, estes profissionais estão dando o que para mim é uma “aula de mediação”, ao demonstrarem que, independentemente da sua especialização, o jornalista é, antes de tudo, jornalista; e que, como tal, precisa desempenhar muito bem sua função. Neste caso especial dos profissionais da ESPN, considerando os acontecimentos que vivenciamos no país nos últimos dias, têm realizado a mediação mais crítica, mais equilibrada, mais politizada e, portanto, mais jornalística da mídia brasileira.
Recentemente, escrevi em outro artigo para este Observatório que “noticiar não se reduz a narrar acontecimentos, principalmente quando estes são consequência de outros acontecimentos, de contextos, de ações – ou da falta delas” (ALMEIDA, 2013). E creio que nunca seja demais repetir esta afirmação, tendo em vista que os meios de comunicação nas sociedades contemporâneas têm protagonismo incontestável e, por conseguinte, servem, cada vez mais, para auxiliar na formação do self dos indivíduos e grupos.
Neste sentido, e retomando a mediação realizada pelo canal ESPN acerca das manifestações que ocorrem no país, – infelizmente a um público não massivo, visto que apenas 10,4% da população brasileira declaram acompanhar os canais fechados [dados colhidos do Relatório de Pesquisa Quantitativa, do Instituto Meta, São Paulo, publicado em 2012, a partir de uma amostra de 12.000 entrevistados, nas cinco regiões do país. Disponível em <http://www.fenapro.org.br/relatoriodepesquisa.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2013] –, é impossível não parabenizar os referidos profissionais, que, sobretudo, não se limitam a mostrar os fatos, mas se detêm a realizar uma análise do ponto de vista social, político e até cultural, brindando o público telespectador com informação de qualidade; instigando-o a pensar sobre certas questões presentes em seu cotidiano e que, muitas vezes, não são por ele observadas de modo mais cuidadoso, dada uma série de fatores, inclusive a falta de interesse de certos setores dos poderes públicos interessados que a sociedade se mantenha alheia, para que posam continuar impunes diante dos desmandos.
O papel da televisão
Sinto-me extremamente contemplada em ver a cobertura dos profissionais do canal ESPN sobre essas manifestações que estão acontecendo no Brasil. Profissionais que, diga-se de passagem, continuam a realizar análises brilhantes acerca das partidas de futebol até então realizada pela Copa das Confederações – ainda que o canal não tenha sido contemplado com direitos de transmissão do evento esportivo – mostrando competência, maturidade e, sobretudo, que possuem uma formação sólida capaz de lhes permitir assumir a condição de mediadores extremamente qualificados.
As mediações realizadas pela ESPN brasileira até agora têm proporcionado ao público telespectador a oportunidade de pensar – não apenas nas questões que os rodeiam – mas, sobretudo, no seu papel enquanto sujeito, sem anular, no entanto, o seu fervor pela seleção nacional, pelo time do coração, a sua satisfação e vibração com as vitórias – mas tudo isso sem esquecer que antes de nada é um sujeito pensante, capaz de refletir sobre seus papéis enquanto partícipes de uma sociedade, que é mais do que uma equipe de futebol, ou de um campeonato mundial. Neste sentido quero chamar a atenção para uma afirmação de Wolton (1996) sobre o papel da televisão: “Reunir indivíduos e públicos que tudo tende a separar e oferecer-lhes a possibilidade de participar individualmente de uma atividade coletiva. É uma aliança entre indivíduos e comunidade que faz dessa técnica uma atividade constitutiva da sociedade contemporânea” (p. 15). A afirmação do teórico francês nos leva a pensar o quanto a televisão tem para oferecer à sociedade, o quanto este meio é muito mais do que querem empresários do setor midiático, políticos e até mesmo profissionais da comunicação.
Por último, quero parabenizar o canal esportivo ESPN brasileiro, em especial os profissionais Juca Kfouri, Mauro Cezar Pereira, Paulo Vinícius Coelho e José Trajano, para mim exemplos de profissionais da comunicação a serem seguidos por quem almeja trilhar por este caminho.
Referências
ALMEIDA, Verbena Córdula. “O desafio do jornalismo na sociedade Brasileira”. Observatório da Imprensa. Edição 741. São Paulo, 2013.
GRADIM, Anabela. Manual de Jornalismo. Covilhã, Portugal: Edições Universidade Beira Interior, 2000.
WOLTON, Dominique. Elogio do grande público – uma teoria crítica da televisão. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Ática, 1996.
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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madri, Espanha e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA