Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Relato de um reencontro com a Política

Quando alguns setores da imprensa, por conservadorismo ou oportunismo, começam a querer demonizar o Movimento Passe Livre (MPL), de São Paulo, questionando a legitimidade de suas decisões políticas, é sinal claro de que a agenda da aguardada reforma traz mais ameaças do que esperança. Ou seriam perspectivas de frustrações? Meu palpite, no entanto, só vale para quem se beneficiou até aqui das velhas estruturas de poder, dos consensos forjados nas elites, do mandonismo impregnado em nossas relações políticas, da manipulação rasteira das informações etc.

Disso resulta uma indisfarçável operação para dominar a agenda do movimento, que fez de junho de 2013 um momento único na nossa história. Se tal exercício de sedução coincidir com a pauta da cobertura jornalística, melhor ainda para esses operadores. Afinal, 2014 é logo ali. Contudo, essa equação não se resolve de maneira simplista, longe disso.

Eu prefiro a perspectiva da esperança. Diante do que vivenciamos na quinta-feira (20/06), impossível não acreditar que todas as instituições da vida democrática (mídia incluída) estão no foco da agenda reformista – e que bom que estejam mesmo. Dentre as que espero que sobrevivam, revigoradas (mídia novamente incluída), estão os partidos políticos, sem os quais jamais haverá possibilidade de uma verdadeira democracia, regime que tem imperfeições naturais no seu DNA. Contudo, por mais que hoje as máquinas da burocracia partidária estejam distantes das demandas cotidianas dos cidadãos, é com elas que vamos construir a interlocução de que a vida democrática necessita, sobretudo neste momento.

O mau uso da política

Por isso é que, para aqueles que me perguntam, digo que estou mais otimista do que preocupado com o que se passa, mesmo diante das incertezas quanto aos rumos do movimento e seus próximos passos. A crença na soberania popular me faz acreditar que vamos sair desse processo bem melhores do que entramos. É como se, no mergulho das ruas, eu tivesse protagonizado um reencontro com a velha prostituta Geni, cantada pelo Chico Buarque e dona de várias identidades. Ouso revelar uma delas: é a Política. Aquela que apedrejamos por longos anos seguidos, com a contribuição engajada dos maiores grupos de comunicação, que só lhe exploravam os defeitos, quase nunca as virtudes.

Acha que exagero? Então me diga quanto tempo ficamos sem reconhecer a importância da política em nossas vidas? Depois da redemocratização do país, é como se tivéssemos nos tornado autossuficientes. Será mesmo? Um impeachment do primeiro presidente eleito no pós-ditadura (o presidente-produto, imposto pelas velhas oligarquias) e uma série de eleições nas quais a agenda política esteve subordinada à agenda econômica. Foi o que produzimos, embora não fosse pouco ou algo desprezível.

Mas se a coisa fugia de uma explicação palpável, alguém dizia: “A política no Brasil é para profissionais” (argh!!!) e tome calendário eleitoral, baile de máscaras de dois em dois anos. Tome abertura do fosso a nos separar e um discurso fácil de que bastava uma reforma do modelo, sempre adiada, e estaria tudo resolvido. Era mesmo um discurso que buscava o conformismo. Era. Sim, é verdade que os donos da Política fizeram até o impossível para afastá-la da nossa convivência respeitosa. Mas é bom que se diga que os escândalos em sequência revelaram o mau uso da política, não a sua inadequação enquanto forma organizada de regulação da vida em sociedade.

A filha que estava perdida

Quem lutou para alcançar o poder sob suas regras e jogos de governabilidade, quando no comando, avançou de um lado, mas repetiu práticas atrasadas de outro. E isso no Brasil redemocratizado vale para vários governos, independente de colorações partidárias. Obrigados a frequentá-la, resumimos o nosso contato com a Política movidos apenas por interesses imediatistas. Fingimos esquecer que a corrupção eleitoral é uma estrada de mão dupla. Na disputa da ficha limpa, tratamos de impor sanções sobre os corruptos e paramos na hora de avançar com medidas saneadoras também sobre a ação dos corruptores.

Afastamo-nos da Política como quem evita contato com um doente que sofre de uma moléstia altamente transmissível. Pouco nos esforçamos para debater com os nossos jovens que a conquista do direito de voto era, de verdade, uma enorme conquista. Pensando bem, ultimamente nem mais na zona (eleitoral) a gente quer colocar os pés. Quando vamos, bolinar a urna é quase uma tortura (e ela ainda emite um sinalzinho, toda satisfeita).

O que assisto hoje, portanto, é fruto do nosso reencontro por conta do acaso. Levei algum tempo até entender as palavras que a Política balbuciava naquela esquina esfumaçada pelo gás lacrimogêneo. Muito debilitada, pediu-me que procurasse em volta com atenção, olhos bem atentos. Sua filha estava perdida, confusa, não sabia qual caminho seguir. Seu nome? Democracia.

Para longe dos oportunistas

Uma moça de 24 anos, que veste um modelo representativo e está em crise de identidade: a cabeça quer ir para um lado e as pernas querem seguir para outro. Explicação para o mal: os representados não mais reconhecem os representantes. Esses, por sua vez, nem fazem mais questão de manter o vínculo que os uniu no início. Pior: acorrentaram a Política para fazê-la serviçal em seus interesses privados. Retiraram-na da representação da vida pública, mas não o suficiente para deixar de estar exposta ao açoite de todas as classes (a mais nova, média emergente, repete um comportamento conservador que só ela). É como o preço a ser pago pela Política na mediação entre o Estado e o mercado.

Com tantas revelações, não ficou difícil entender o quanto a Política e a Democracia necessitam da nossa ajuda nesta hora. E se elas são tão indispensáveis assim, tratemos de acolhê-las em sua complexidade, tratemos de apresentá-las às pessoas que nos rodeiam, destacando a necessidade de serem aperfeiçoadas, nunca descartadas. Sim, tratemos de retirá-las desta esquina para um caminho mais seguro. De preferência, longe dos oportunistas.

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Fabiano Mazzini é jornalista, professor do Curso de Comunicação Social da Faesa/ES e mestre em História Social das Relações Políticas (Ufes)