Infelizmente, os direitos da criança e do adolescente acabam quando a esquizofrenia por audiência tem início. Nos dias atuais, os principais veículos de comunicação, na maioria das vezes, colocam em suas gavetas o Código de Ética do Jornalista, que foi estudado com veemência na universidade, expondo a criança de forma inadequada e alimentando a falta de conduta moral do próprio jornalista.
No dia 14 de março, o jornal Diário da Manhã, de Goiânia, publicou matéria intitulada “Monstruoso. Repugnante. Inqualificável. Mas tem que ser mostrado” na qual expôs, em sua capa, imagens de um vídeo feito por uma moradora na cidade de Quirinópolis que mostrava uma criança sendo estuprada em praça pública, o que levou o Ministério Público de Goiás a abrir um inquérito para apurar a ofensa pelo uso indevido da imagem do menor, de três anos.
“Tem que ser mostrado” é o argumento usado por muitos jornais que apelam para o sensacionalismo, usando este método evasivo para justificar o exercício inadequado da profissão jornalística. Defender a liberdade de expressão e de imprensa é dever de todo profissional da comunicação, mas é inadmissível que qualquer empresa de comunicação, ou jornalista, se esqueça do seu papel fundamental: disseminar a informação de forma democrática, respeitando o público e assegurando a privacidade da vítima, em especial quando se trata de um menor que claramente, neste caso, não possui capacidade de autodefesa.
Deturpação em nome do lucro
Quando um menor é exposto pela mídia devido a atos criminosos, rapidamente organizações de defesa da criança e do adolescente promovem uma enxurrada de críticas e processos contra a mídia, que possibilitou tal exposição, como observado recentemente no caso do estupro de uma passageira em um ônibus na capital paulista. Mas quando se trata de uma criança de apenas três anos, que ao invés de ser um criminoso era a vítima de estupro foi exposta de forma degradante, muito pouco foi feito pelas mesmas organizações, sendo que algumas afirmam que a imagem foi usada em prol de uma causa maior, expor a pedofilia, e que os fins justificam os meios, e por isso “tem que ser mostrado”.
As consequências psicológicas são extremas porque além da violência, a exposição midiática feita de forma inadequada, torna esse dano mais agressivo no desenvolvimento da criança. Passa a ser um dano moral que se dá início a partir do momento em que é reconhecida em sua comunidade, apontada como vítima de um abuso sexual. Nesse contexto, a violação de seus direitos não começou na divulgação das imagens, e sim, a partir do momento em que a delatora que reside em frente ao local onde ocorreu a violência, em vez de acionar a polícia imediatamente ou buscar ajuda de vizinhos, apenas se preocupou em registrar o fato, deixando que a necessidade de exposição da violência na mídia ultrapassasse o bem estar de um ser humano.
É difícil compreender como grande parte da sociedade pode acreditar que os órgãos de segurança sejam seus reais protetores e mantenedores dos direitos humanos, quando eles são as fontes de divulgação das imagens acima descritas. Neste caso, em quem confiar? Isso ainda não está claro, o que se sabe é que o resultado dessa troca de informações entre a Polícia e os jornais sensacionalistas acaba colaborando para atos de violência, promovendo estagnação social e impedindo a punição dos reais culpados.
Aqui se questiona: se fosse o filho de algum policial envolvido no caso, ou sobrinho de um jornalista que tivesse o poder de decisão sobre a veiculação do que vai sair no jornal, a imagem da criança seria usada do mesmo modo? Essa exposição iria acontecer? Teoricamente, isso não se sabe, mas é bem provável que não. O certo é que o jornalismo sensacionalista deturpa em prol da audiência, do lucro, da fama. Para a criança, resta sobreviver em busca de dignidade destruída por aqueles que deveriam ter a obrigação de preservá-la.
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Samiha Salahdino Sarhan é estudante de Jornalismo