Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Drones espionam protestos no Brasil

Continuamos surpresos com a magnitude, diversidade e persistência dos protestos nas principais cidades brasileiras. Estamos ávidos por notícias, explicações e principalmente imagens que tentem explicar aquilo que não entendemos. Em meio a um cenário ainda confuso, e muitas vezes violento e hostil, os jornalistas seguem enfrentando enormes dificuldades para cobrir os fatos.

Todos os dias, recebemos notícias de repórteres ameaçados ou atacados pela polícia e pelos manifestantes. As instituições tradicionais – como o governo, a polícia e o jornalismo – estão sendo questionados e desafiados.

É muito difícil mostrar o que está acontecendo no presente com ideias, atitudes e recursos ultrapassados. Nunca foi tão difícil fazer um jornalismo sério, responsável e competente.

Estamos diante de novos e inesperados personagens que passaram a frequentar o noticiário brasileiro. Temos os manifestantes de primeira viagem, protestadores profissionais, baderneiros exaltados, vândalos violentos e velhos especialistas que tentam mas não conseguem explicar muito.

Diante de manifestações populares que exigem novas soluções, também cabe ao jornalismo buscar novas narrativas e tecnologias apropriadas para mostrar o que está acontecendo.

Segurança e vigilância

Temos que nos preparar para conviver com grandes, constantes e perigosas manifestações populares. Talvez uma possibilidade de inovação seja o “jornalismo imersivo”, aquele que ao invés de se distanciar dos fatos, de preferir “subir no telhado” ou embarcar em helicópteros e se afastar da realidade, procura “mergulhar” nos acontecimentos.

Esse novo jornalismo procura aproximar o repórter dos fatos com atitudes diferenciadas, narrativas audiovisuais inovadoras e ferramentas profissionais mais específicas e apropriadas para cobrir uma nova realidade. E é nesse novo cenário que entra em cena os “drones jornalísticos”.

Drone (zangão, em inglês) ou Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) é todo e qualquer tipo de aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada. Esses aviões-robôs são pilotados a distância por meios eletrônicos e computacionais.

Parece coisa de ficção científica, mas essa inovação tecnológica já existe há muitos anos. Os norte-americanos têm utilizados sofisticados drones para espionagem e para matar terroristas ou pessoas indesejáveis. Na mão dos militares, essas pequenas aeronaves tornaram-se uma arma poderosa. O problema, no entanto, são as questões éticas e legais para a sua utilização. Críticos falam em “assassinatos sem julgamento”, “guerra suja” e “violação das leis internacionais”.

As forças de segurança nacionais – como a polícia – também utilizam os drones para monitorar o trânsito urbano, controlar áreas consideradas perigosas, fronteiras internacionais e investigar criminosos.

Câmeras ocultas

Na mão de jornalistas, os drones também são armas poderosas. Nos últimos dias, as pequenas aeronaves passaram a frequentar com destaque o noticiário brasileiro. A Folha de S.Paulo e o Globo testaram seus drones durante as últimas grandes manifestações no Rio e em São Paulo (ver aqui e aqui).

Essas pequenas aeronaves parecem brinquedos sofisticados e possuem versões de baixo custo que são mais fáceis de operar e podem ajudar o jornalista a produzir boas reportagens. Mas os drones também podem ser mais uma forma de ameaça às liberdades individuais. Na mão de editores e paparazzi inescrupulosos, essa tecnologia invade os segredos de celebridades, mas também pode invadir a privacidade de cidadãos comuns.

Olhe para cima, você pode estar sendo gravado por um drone neste instante sem sequer perceber. Esses pequenos aviões ou helicópteros de controle remoto transportam câmeras de vídeo de alta resolução com capacidade de gravar e transmitir imagens ao vivo a grandes alturas e distâncias. As imagens captadas pelos drones podem ser consideradas simplesmente como mais uma curiosidade tecnológica para mostrar os protestos a distância. Mas, assim como as famigeradas “câmeras ocultas”, também podem criar muitos problemas, suscitar dúvidas éticas e oferecer perigos inusitados para os manifestantes.

Os drones podem ser um “olho no céu” tirando fotos ou vídeo de protestos para os jornalistas, mas também podem ser os “espiões” da polícia ou agências de inteligência do governo. Pelo lado positivo, os drones são ferramentas poderosas e precisas para avaliar o tamanho das multidões que participam dos protestos. Mas, pelo lado negativo, elas podem ser utilizadas para identificar e denunciar manifestantes, líderes informais e ativistas políticos.

Nessas horas de crise, é sempre bom recordar o passado, a História. No século 19, outra inovação tecnológica, a fotografia, que tinha sido recém-inventada, foi utilizada pela polícia francesa pela primeira vez para identificar os revoltosos da Comuna de Paris. Eles estavam entrincheirados em barricadas nas ruas e a polícia pôde utilizar imagens individuais como prova jurídica para incriminar os manifestantes franceses.

Novas tecnologias demandam novas posturas éticas, e principalmente nova legislação. E esse é o problema dos drones. Nos Estados Unidos, a operação dessa tecnologia por jornalistas é considerada ilegal. No Brasil ainda não temos legislação específica que regulamente e controle a utilização de aviões-robôs.

Além da cobertura jornalística de protestos populares, os drones também podem ser úteis para outras situações de risco como coberturas de guerra e operações policiais, além de oferecer alternativas para a captação de imagens em desastres naturais como enchentes, incêndios ou terremotos. Eles também substituem, com mais eficiência, os caríssimos e perigosos helicópteros que sobrevoam multidões de manifestantes. Há sempre o risco de queda ou colisão com utilização indiscriminada de aeronaves que congestionam o espaço aéreo das capitais brasileiras.

Mas nenhuma tecnologia exclui riscos. As aeronaves não tripuladas que portam câmeras de vídeo para cobrir grandes eventos, mas precisam ser operadas por profissionais qualificados, podem apresentar problemas técnicos e cair causando muitas vítimas.

Ameaças do passado

A imprensa especializada descreve a “revolução dos drones” e projeta milhares de aparelhos nos céus, em breve, seja a serviço do governo e de empresas civis. Isso pode ser considerado uma boa notícia com grandes benefícios para todos. Aviões-robôs com câmeras ocultas podem mostrar os fatos, mas também podem espionar e denunciar aqueles que ousaram sair às ruas para mudar o país.

Nesses momentos de crise, a maioria silenciosa, indiferente e tímida que assiste a tudo pela TV, não deve jamais menos menosprezar o poder das imagens dos noticiários ou esquecer as palavras da história recente:

“Primero mataremos a todos los subversivos, luego mataremos a sus colaboradores, después a sus simpatizantes, enseguida a aquellos que permanecen indiferentes y, finalmente, mataremos a los tímidos.” [Declaração do general argentino Saint Jean, governador da província de Buenos Aires, publicada no diário Internacional Herald Tribune (Paris), em 26/7/1977]

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Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Telejornalismo (GIPTELE) e autor do livro Telejornalismo Imaginário (Editora Insular)