Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A hora das manobras

Com a redução da intensidade das manifestações de rua, a imprensa volta a se concentrar em Brasília e retoma o modelo do jornalismo de declarações. Até mesmo o ex-governador José Serra, que estava em uma espécie de exílio político havia oito meses, ressurgiu no cenário: depois de aparecer no programa Roda Viva, da TV Culturade São Paulo, na semana passada, sua participação em reuniões com a cúpula do governo paulista é destacada pela Folha de S.Paulo.

Na segunda-feira (1/7), o protagonista do Roda Viva foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujas declarações também são transcritas diretamente para as páginas dos jornais no dia seguinte.

A própria Folha faz uma espécie de balanço do refluxo de protestos, exibindo na primeira página duas fotografias de passeatas ocorridas no mesmo lugar, na zona Oeste de São Paulo: uma na segunda-feira (1/7), com uma centena de manifestantes que protestavam contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, e outra ocorrida há duas semanas, com 65 mil pessoas exigindo o congelamento das tarifas de transporte público.

Os jornais registram a pulverização das manifestações e de suas causas, e nem mesmo o movimento dos transportadores rodoviários conseguiu chamar tanta atenção quanto as ondas que invadiram as grandes cidades no mês passado.

No momento em que as instituições da República digerem e tentam dar uma resposta aos protestos massivos que exprimiam o descontentamento geral com a política e os políticos, as expressões isoladas, mesmo quando grandes caminhões bloqueiam rodovias, têm menos importância, ainda que os jornais as publiquem em manchete.

Reivindicações específicas ainda têm canais eficientes para negociação dentro das instituições e não precisam necessariamente paralisar o país. A menos que, por trás delas, haja outros interesses, como ocorreu no Chile em 1973, quando os transportadores se colocaram a serviço de empresários e militares golpistas assessorados pelo governo dos Estados Unidos.

No mais, se um repórter perguntasse a manifestantes que pararam o trânsito no Largo da Batata, em São Paulo, por que eles desejam ver o senador Renan Calheiros fora do cargo, é muito provável que poucos deles se lembrariam da razão do protesto. Da mesma forma, têm ocorrido pelo país afora bloqueios e manifestações com dez ou vinte pessoas, que conseguem paralisar avenidas e estradas, sem que os rebeldes saibam dizer exatamente por que estão protestando.

Desviando o debate

A vitória da seleção brasileira na Copa das Confederações esvaziou os protestos contra a realização da Copa do Mundo, por revelar que, mesmo sob mobilizações massivas nas grandes cidades, o Brasil segue gostando muito de futebol e apreciando receber visitas. Além disso, uma vez que a televisão deixe de mostrar grandes mobilizações nos programas populares geralmente dedicados ao noticiário policial, a tendência é que os protestos pulverizados acabem se esvaziando. Por esse motivo, torna-se relevante observar as escolhas da imprensa, uma vez que o jornalismo declaratório é campo fértil para manipulações.

Considerando-se correta a pesquisa Datafolha, 73% dos brasileiros são a favor da convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política. Levando-se em conta uma relativa e natural confusão entre Constituinte e plebiscito, o que se deve analisar é o desejo geral de que a reforma política seja feita rapidamente e sem o protagonismo central dos atuais integrantes do Congresso Nacional. Portanto, a decisão da presidente da República de enviar ao Congresso uma proposta de consulta popular, antecipando dois temas centrais – financiamento de campanha e sistema de votação –, está em sintonia com o núcleo das manifestações que começaram formalmente com a questão das tarifas de transporte.

Interessante notar que a imprensa “escondeu” a informação de que a maioria dos brasileiros quer exatamente isso, e começa a dar espaço para declarações que desviam o debate desse eixo central, como as falas do ex-governador José Serra e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Se há uma crise institucional gerada pela insatisfação da sociedade, e se é colocada sobre a mesa uma solução aceita pela maioria, qual seria o interesse em desviar o debate e boicotar a realização da consulta popular, propondo que seja realizada junto com a eleição presidencial de 2014?

Não é preciso ser colunista de jornal para entender as intenções por trás dessa estratégia.