Você gostaria de ter um computador quântico? Eu também. Será que o Google o deseja pela mesma razão que nós o desejamos? E qual será a razão pela qual o desejamos? Se formos levar em conta as promessas que vêm saindo na literatura há mais de uma década, o motivo deverá ser a extraordinária velocidade de processamento dessas máquinas.
Um bom computador comercial leva aproximadamente quatro dias para fatorar um número com mais de 50 dígitos, enquanto um computador quântico pode levar um pouco mais de 30 segundos. Fatoração de um número inteiro é a transformação desse número em um produto de números primos. Por exemplo, a fatoração de 15 é 3×5 e a de 2.552 é 23x11x29. Trata-se de um problema computacional dos mais complicados, razão pela qual é a base dos processos modernos de criptografia eletrônica.
Não se conhece qualquer algoritmo para computadores clássicos, desses que se encontra no comércio, que resolva esse problema eficientemente quando os números são muito grandes, como esse do exemplo. Estudos teóricos desenvolvidos desde os anos 1990 têm sugerido que computadores quânticos podem fazer isso com muita eficiência. O problema é construir o computador quântico.
Como assim, o problema é construir o computador quântico? E esse que o Google acaba de comprar por cerca de 30 milhões de reais, e que foi objeto de um artigo na Nature? Na verdade, esse modelo de 512 qubit (quantum bit) já é o segundo do D-Wave. O primeiro, com 128 qubit, foi vendido à Lockeed Martin, em 2011.
Não pense que é algo parecido com um desses computadores de mesa que estamos acostumados a ver, e que já achamos grandes frente aos portáteis que vemos embaixo do braço de muita gente na rua. Esse aí vendido à Lookeed Martin e ao Google é instalado numa sala de 10 metros quadrados, com um sistema criogênico capaz de resfriar a CPU, o coração da máquina, a uma temperatura próxima ao zero absoluto.
Mais possibilidades, menos tempo
Para entender por que o problema é construir o computador quântico, precisamos saber o que é computação quântica. O computador usual, que passarei a denominar computador clássico, funciona à base de chips de silício, um circuito microeletrônico cheio de transistores, cujo funcionamento baseia-se na capacidade de detectar e manipular corrente elétrica.
Nos transistores existem portas através das quais circulam correntes elétricas. Sempre que uma porta é acionada, o circuito gera um sinal, denominado ‘bit’, representado por 0 se não tem corrente passando e por 1 quando uma corrente é detectada. O fato importante é que o bit só tem dois valores, 0 ou 1. É por isso que esse sistema é chamado binário.
A natureza tem muitos exemplos de instâncias binárias, como a polarização da luz, o spin do elétron, entre outros (Leia mais sobre o tema nas colunas ‘O desafio da spintrônica‘ e ‘Alice, Bob e a comunicação quântica’). No caso do spin do elétron, ou de outra partícula, como o próton e o nêutron, podemos associar o bit ‘0’ ao spin em um sentido e o bit ‘1’ ao spin no sentido contrário. Como essas partículas estão sujeitas às leis da mecânica quântica, convencionou-se denominar esse bit de qubit (na sigla em inglês para bit quântico).
Agora, para entrarmos na computação quântica, é indispensável termos em mente uma diferença fundamental entre o bit e o qubit. O bit é 0 ou 1, ao passo que o qubit, por causa das propriedades quânticas, pode ser 0, 1 ou 0 e 1 ao mesmo tempo. Já falamos sobre isso na coluna sobre a comunicação quântica mencionada. Trata-se da propriedade conhecida como superposição, que pode resultar em entrelaçamento quântico.
Então, na computação quântica, é possível dispor simultaneamente de todas as possíveis soluções de um problema e escolher a melhor. É como se fosse um processamento paralelo ou inúmeros computadores resolvendo ao mesmo tempo um problema complexo. Cada um resolve uma parte e depois alguém junta todas as soluções parciais para formar a solução final. Essa possibilidade resulta em um tempo de processamento muito menor do que a resolução de problemas em computadores clássicos, mesmo naqueles classificados como supercomputadores.
Escolhas e experimentos
Três grandes tarefas devem ser executadas para colocar a computação quântica em prática. A primeira delas é a elaboração de algoritmos e programas para a solução de problemas específicos. Algoritmo é uma espécie de estratégia, geralmente sob a forma de instruções para resolver um problema. Em termos mais populares, podemos dizer que é a receita para resolver um problema. Uma vez definido, o algoritmo precisa ser programado para cada tipo de máquina. A segunda tarefa é preparar o sistema quântico que servirá como ferramenta para a solução do problema e, finalmente, a terceira é a construção da máquina.
Para as duas primeiras tarefas, temos várias propostas, mas para a terceira só uma apareceu no mercado, o D-Wave. Não estamos considerando aqui as propostas relacionadas à criptografia quântica, que foi tratada na coluna de novembro de 2012.
Atualmente, existem dois modelos de algoritmos, um inspirado na microeletrônica, e por isso denominado modelo de portas quânticas, e o outro inspirado em processos termodinâmicos adiabáticos, e por isso denominado computação quântica adiabática. Nesse momento, ninguém sabe qual o mais eficiente, mas aparentemente experimentalistas e engenheiros preferem o modelo de portas quânticas, que exige um controle explícito do entrelaçamento quântico.
A maior parte dos trabalhos experimentais envolve tentativas de realização de algoritmos para portas quânticas. No entanto, a D-Wave Systems Inc. não acredita na eficiência do modelo de portas quânticas e construiu seu computador para realizar cálculos com algoritmos adiabáticos, que não dependem explicitamente do entrelaçamento. Isso motivou uma grande onda de ceticismo em parte da comunidade científica, gerando dúvidas a respeito da natureza quântica do D-Wave.
Os qubit do D-Wave são squids, uma espécie de anel de material supercondutor. Quando uma corrente elétrica circula no anel, o squid funciona como um spin artificial, cuja orientação (para cima qubit=1 ou para baixo qubit=0) depende do sentido da corrente no anel. Qualquer procedimento computacional é feito por meio da manipulação desses spins artificiais.
Para mostrar que esse procedimento obedece às leis da mecânica quântica e, portanto, que o D-Wave é um computador quântico, eles simularam o ordenamento de 8 spins (8 qubits).
Durante o processo adiabático, cada spin procura o local de menor energia. Cada qubit tem dois estados de energia à sua disposição, representados pelos dois poços na figura abaixo. Quando um dos estados tem sua energia diminuída, deixando o poço mais fundo, o spin que ocasionalmente está no estado de maior energia migra para o de menor energia. Essa migração pode ser efetuada de duas maneiras. A primeira, regida pela física clássica, é pela ativação térmica, de modo que o spin salta a barreira que separa os dois poços. A outra, regida pela física quântica, é o tunelamento.
Os resultados experimentais mostraram-se consistentes com a migração via tunelamento, de modo que o procedimento computacional deve ter sido acompanhado por entrelaçamento entre os spins. Ou seja, o D-Wave parece ser um computador quântico.
Mas vale ressaltar que o D-Wave, como já disse, foi construído para realizar cálculos com algoritmos adiabáticos. Ao contrário dos computadores clássicos, que podem rodar em qualquer sistema operacional e estão habilitados a resolver qualquer tipo de problema, desde que exista o algoritmo apropriado, os computadores quânticos deverão ser confeccionados para aplicações específicas. Uma parte da comunidade científica não acredita na possibilidade de um CQ universal.
O algoritmo utilizado no D-Wave é especialmente apropriado para fazer grandes classificações, separar grupos de objetos, como uma letra em um texto, descobrir falhas em sistemas mecânicos, detectar mudanças temporais em imagens de satélite, examinar detalhadamente imagens em geral, verificar e validar software, fazer reconhecimento de voz, entre outras habilidades úteis para o desenvolvimento de inteligência artificial.
Com tudo isso, não surpreende o interesse do Google e da Nasa, que firmaram um acordo de pesquisa a ser desenvolvida no Laboratório de Inteligência Artificial Quântica, que será construído ao longo desse ano nas dependências da Nasa, em Moffett Field, Califórnia, EUA.
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Carlos Alberto dos Santos é professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana