Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia alternativa também precisa de ação afirmativa

É fácil identificar o papel para a redemocratização do Brasil que publicações alternativas tiveram nos anos 1970, como os jornais Opinião, Pasquim e Movimento. Eram tempos de resistência à ditadura militar, tratava-se de dar voz a movimentos antiautoritários a caminho de tornarem-se maioria e que desembocaram na campanha das eleições ‘Diretas já’ e na Constituição de 1988. Mas não sobreviveram na nova situação política que ajudaram a construir, enquanto os grandes grupos de comunicação, nem sempre democráticos e alguns tendo mesmo apoiado os governos militares, expandiram seus negócios.

Menos evidente para a sociedade é a importância de meios alternativos para a democracia, depois de restabelecido o Estado de direito. A pequena mídia não dispõe de fontes de recursos para assegurar sua sobrevivência.

A Agência Carta Maior, que surgiu em 2001 para fazer um jornalismo progressista, dando grande espaço aos movimentos sociais, enfrenta graves dificuldades financeiras.

A Adital (Agência de Informação Frei Tito para a América Latina), iniciativa de entidades católicas que nasceu com este século para fazer um ‘jornalismo ético e social’, também trava luta permanente pela sua sobrevivência, com o apoio de instituições amigas e projetos sem garantias de continuidade.

A mídia alternativa de interesse público, seja de pequenos jornais e revistas, rádios comunitárias, publicações e redes radiofônicas de ONGs e variadas experiências audiovisuais, sobrevive de ajudas internacionais, pequenos patrocínios de incerta duração, apoios de amigos etc. Nada perene ou regular.

Propriedade cruzada

Temos avançado em diversas áreas na correção de alguns tipos de injustiças e de concorrências desequilibradas, na tentativa de estabelecer alguma igualdade de direitos e oportunidades. As microempresas gozam de alguns benefícios fiscais, o horário eleitoral gratuito divulga igualmente candidatos(as) pobres e ricos(as), as cotas étnicas ou sociais e o Pro-Uni ampliam o acesso de pobres à universidade, a agricultura familiar tem crédito subsidiado, pessoas com deficiência ganharam programas de inclusão social.

Mas na Comunicação Social ainda reina absoluto o mercado, a lei dos mais fortes, sob a capa da audiência. Quem já conseguiu mais leitores(as), espectadores(as) ou ouvintes concentra a receita de publicidade, tanto de fonte privada como estatal. Com esse poder financeiro há garantia de condições para ampliar a liderança e também influência política que rende outros dividendos.

Como no Brasil não há leis que impeçam a propriedade cruzada de meios, temos aqui o fenômeno da Globo que, possuindo poderosas redes de televisão e rádio, jornais, revistas e produtora de filmes. Utiliza todos esses meios de forma sinérgica para consolidar e ampliar uma hegemonia absoluta. Outros conglomerados de mídias dominam regiões ou estados.

Tudo isso tende a uniformizar o noticiário, as opiniões, a visão de mundo de toda a população, empobrecendo a sociedade e a democracia.

Maioria fragmentada

A diversidade, mais do que um valor é um principio vital, tanto na biologia como em todos os campos da vida humana. Sua afirmação foi o sentido comum das revoluções dos anos 1960. A uniformização geral, ou ‘massificação’, imposta pela sociedade industrial sofreu uma reviravolta naquela década em que explodiram as lutas pelos direitos dos ‘diferentes’, pela igualdade na diferença.

Foi o caso de pessoas negras nos Estados Unidos; da descolonização africana e asiática, da guerra do Vietnam; da Tchecoslováquia invadida em 1968 porque tentava um socialismo diferente do russo; do movimento antimanicomial na Itália; do direito a mais de duas opções sexuais; da inclusão das pessoas com deficiência; da defesa da biodiversidade e da diversidade cultural etc.

A convivência e disputa entre várias correntes de pensamento são indispensáveis à vitalidade e aprofundamento democráticos. Sem isso morre a criatividade, os conflitos tendem a ser destrutivos. Confundir igualdade com uniformidade, já se viu, foi fatal para o ‘socialismo real’ do partido único.

Nesse sentido, o domínio absoluto da ‘grande mídia’ não contribui para a democratização e desenvolvimento da sociedade. Reduz a nação a uma minoria, composta por ricos(as) e parte da classe média. Quantos milhões de brasileiros(as) lêem regularmente jornais e revistas de noticiário geral, como fonte de conhecimento e não apenas de entretenimento? Muito poucos(as). A ‘grande imprensa’ formadora de opinião só é comprada por essa pequena minoria das grandes metrópoles e se abastece de opiniões e visões dessa camada limitada a poucos milhões de brasileiros. É isso que explica seu distanciamento da opinião popular majoritária que elegeu Lula em outubro passado.

Setores mais pobres, regiões inteiras do país que estão longe dos centros de decisão, movimentos sociais, etnias discriminadas, pessoas com deficiência e a esquerda em geral têm pouca ou nenhuma representação nessa mídia dominante. Sem os meios alternativos, temas que interessam a essa maioria fragmentada podem ficar sem discussão pública, excluídos da agenda nacional. Reduz-se a representatividade dos parlamentos e o conhecimento do país como conjunto.

Contribuição social

Lúcio Flávio Pinto, por exemplo, criou há duas décadas o seu Jornal Pessoal, em Belém, para poder tratar de ‘temas incômodos aos anunciantes e aos aliados políticos’ dos grandes jornais em que havia trabalhado 17 anos. Com suas revelações e denúncias de escândalos amazônicos, ganhou vários prêmios de jornalismo, mas isso não garante vida fácil ao seu jornal que sobrevive de vendas avulsas e não aceita publicidade.

Outro exemplo radical de órgão alternativo é o Boca de Rua, redigido por meninos(as) e adultos(as) que vivem nas ruas de Porto Alegre sob orientação de jornalistas. A venda do jornal proporciona pequena renda aos(às) participantes do projeto, como acontece com a revista OCAS de São Paulo e muitas publicações similares no mundo.

A solução para a precariedade do financiamento desses meios é buscar mecanismos para assegurar à mídia alternativa, de reconhecido interesse público, alguma forma de apoio regular, legalmente regulamentado, que não sacrifique sua independência e sua função.

A cultura dispõe da Lei Rouanet e outras formas de incentivo. Esportes que não são rentáveis como espetáculo também contam com patrocínios, ainda que instáveis. Negros(as) e indígenas conquistaram ações afirmativas que permitem superar parcialmente as discriminações.

Já é hora de reconhecer a contribuição social e democrática dessa imprensa nanica e estabelecer, por exemplo, cotas de publicidade estatal ou patrocínios incentivados em seu favor. Ou formas mais criativas, se houver.

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Jornalista, correspondente da IPS