Ainda sobre a cobertura dos protestos no Brasil, cabe assinalar a recorrência de certo desequilíbrio na forma como a mídia vem abordando a questão da violência nas manifestações. De modo geral, TVs e jornais têm destacado casos envolvendo manifestantes em detrimento de situações em que há violência policial – cujo grau de gravidade é, se não o mesmo, ainda maior, uma vez que as forças de segurança devem, por ofício, preservar vidas, e não ameaçá-las.
Ao assumir tal postura, os meios de comunicação se distanciam ainda mais de parte do público, principalmente das camadas mais jovens, que são especialmente ativas nas redes sociais. É justamente na internet que circulam, neste momento, centenas de textos e vídeos relatando casos absurdos de truculência e covardia policial, mostrando, por exemplo, soldados jogando bombas de gás lacrimogêneo em manifestantes pacíficos que apenas tentavam fugir dos confrontos.
Chega a ser bizarra, inclusive, a obsessão de grandes emissoras de TV e jornais em desqualificar os atos de violência cometidos pelos manifestantes. Em quase todas as reportagens repete-se o mesmo texto, que parece seguir uma fórmula para conquistar a simpatia do público, tratando os casos de violência como fatos isolados, sem jamais deixar, contudo, de condená-los de maneira veemente: “Um pequeno número de arruaceiros/ baderneiros/ marginais entrou em choque com a polícia/ tentou invadir/ depredar…” Já em entrevistas com intelectuais ou estudantes, a pergunta “O que você acha da violência praticada por essa pequena parcela dos manifestantes?” tornou-se obrigatória.
Críticas à grande mídia
Não há mal algum em recriminar a violência, mas os grandes veículos de comunicação parecem ter errado na dose dedicada ao tema na cobertura dos protestos. Afinal, como a própria mídia tem insistido, os casos de “arruaça” e “baderna” nas manifestações são isolados e não representam nem podem sobressair aos pleitos da população que está nas ruas se manifestando.
Ao concentrar suas atenções nos confrontos e deixar as transgressões policiais em segundo plano, a mídia reforça em parte do público o sentimento de que está mais interessada em tirar o foco dos protestos e defender a ordem vigente ou, como gostam os acadêmicos, o status quo (afinal, ficou evidente a preocupação dos jornais em criticar a depredação do patrimônio público e privado, o que é sempre um primeiro sinal de descontrole da ordem).
Vale ressaltar que têm se acentuado significativamente as críticas à grande mídia nas redes sociais, onde já há inúmeras postagens acusando os veículos de comunicação de empreenderem uma cobertura tendenciosa dos protestos, questionando, por conseguinte, a credibilidade dos principais telejornais e publicações impressas do país.
Atenção à agenda das redes sociais
No domingo (30/6), por exemplo, uma das imagens que ganhou maior destaque nas emissoras de TV foi justamente a de um manifestante jogando um coquetel molotov em um policial durante confronto no entorno do Maracanã, onde ocorria a decisão da Copa das Confederações. Em paralelo, circulavam nas redes sociais dezenas de histórias relatando abusos policiais, as quais, por sua vez, não ganharam atenção da mídia.
A atual onda de protestos, organizada basicamente a partir da articulação por meio das redes sociais, deveria servir como alerta para que os jornais passassem a se antenar mais com o que está sendo discutido na internet. Do contrário, sua cobertura pode tender, ainda que no longo prazo, à obsolescência.
Como se diz no linguajar das redes sociais, #Fikaadica.
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João Montenegro é jornalista, São Paulo, SP