Os jornais anunciavam, na manhã desta quinta-feira (11/7), a intenção de três centrais sindicais de paralisar a cidade de São Paulo com seu “dia nacional de luta”. A previsão era de que seriam bloqueadas rodovias estratégicas e, como sempre, seria ocupada a avenida Paulista, símbolo do poderio econômico da maior cidade do País.
Também estavam marcadas manifestações e concentrações de trabalhadores em outras capitais e cidades importantes por todo o território nacional, mas as atenções da imprensa estariam concentradas no protesto que deveria reunir as três maiores organizações oficiais de trabalhadores na capital de São Paulo.
No entanto, os jornais não gastaram letras para analisar esse movimento, como fizeram com os protestos contra o custo do transporte público. Que sentido teriam essas mobilizações?
A rigor, segundo a imprensa, a única pauta comum capaz de reunir a CUT, a Força Sindical e a UGT foi a redução da jornada de trabalho. Também estavam previstas por alguns dos líderes palavras de ordem em favor do fim do fator previdenciário e a clássica reivindicação da reforma agrária, tema difuso sobre o qual nem os especialistas conseguem algum consenso.
Como uma parte representativa das lideranças também milita no Partido dos Trabalhadores ou se relaciona de alguma forma com a aliança política que governa o País, torna-se imperioso que as marchas sejam conduzidas em ordem absoluta, sob o comando dos potentes caminhões de som, para evitar constrangimentos.
Afinal, os sindicatos e, por consequência, as centrais sindicais, não sobrevivem sem uma relação muito íntima com o poder político, já que perderam representatividade, assim como o Congresso Nacional e os parlamentos das demais instâncias da República.
Se existe uma convergência nas muitas análises sobre a crise que se estabeleceu com as manifestações que paralisaram parte das capitais brasileiras no mês passado, ela diz exatamente isso: estamos vivendo o colapso do sistema representativo criado no processo de redemocratização. E essa falta de representatividade inclui as organizações sindicais, muitas das quais se transformaram em partidos políticos paralelos, entidades assistenciais ou meras cooperativas de negócios.
O passado se manifesta
Qual seria, então, a importância da manifestação conjunta das centrais sindicais, no rastro dos protestos recentes, centralizados na questão da mobilidade urbana?
Com todos os riscos implicados na análise dos fatos em cima de sua ocorrência, pode-se afirmar que a mobilização dos sindicalistas tem pouca ou nenhuma relevância, se comparada aos protestos contra o alto custo do transporte público.
A razão é o fato de que as organizações sindicais construídas no Brasil, como parte da luta liderada por Luís Inácio Lula da Silva nos anos 1970, já cumpriram seu ciclo histórico e voltaram às origens que pretendiam transformar. Não é por outra razão que o controlador da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva, quer usar sua base trabalhista para criar seu próprio partido político.
Os sindicatos renovados pela proposta de Lula da Silva executaram seu papel, levaram seu líder ao poder e com ele viram atendidas as principais demandas históricas dos trabalhadores urbanos. Trabalhadores com carteira assinada – muitos sindicalizados compulsoriamente –, formam hoje o que se chama de classe de renda média ascendente.
Com a plena oferta de empregos e salários em alta, não é fácil definir claramente bandeiras capazes de produzir mobilizações realmente impactantes. Restaria, então, às organizações sindicais, como estratégia oportunista, apoiar a pauta levada às ruas pelo Movimento Passe Livre, exigindo melhor educação, mais saúde e, claro, transporte gratuito ou barato. Acontece que os vínculos das centrais sindicais com o poder político tornam essa possibilidade muito controversa.
A avalancha dos protestos que há poucas semanas expressaram os descontentamentos difusos da sociedade têm um foco muito claro: o sistema representativo criado com a Constituição de 1988 e a infinidade de emendas que a transformaram numa espécie de estatuto do corporativismo.
Assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, os cartórios, o Judiciário, as profissões regulamentadas, as representações de certas categorias do funcionalismo público e os partidos políticos, as organizações sindicais ficaram no lado das instituições que a sociedade quer ver renovadas.
Por mais barulho que façam, os carros de som das centrais sindicais não poderão abafar a verdadeira voz das ruas. E elas pedem o fim de todos os privilégios, um país mais igualitário e uma nova forma de fazer política. Nesse processo de ruptura, os sindicalistas representam a parte que a História está rejeitando. Por isso, este “dia nacional de luta” não tem a menor importância.