Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O grupo RBS e o jornalismo que vem do Sul

A nova edição especial comemorativa dos 15 anos do Observatório da Imprensa na TV Brasil [9/7] levou ao ar uma entrevista de Alberto Dines com o empresário Nelson Sirotsky, presidente do Conselho de Administração do Grupo RBS, um dos maiores empreendimentos de mídia do Brasil. Fundada em 1957 por Maurício Sirotsky Sobrinho, filho de imigrantes russos que chegaram ao país no início do século passado, a RBS é composta por emissoras de TV, rádios e jornais disponíveis em várias plataformas. O grupo atua na região Sul e conta com mais de seis mil colaboradores.

A seguir, a entrevista:

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Nesta série de depoimentos em comemoração aos 15 anos do nosso programa trazemos hoje um comunicador que, já aos 10 anos, apresentava um programa infantil na TV gaúcha. Hoje ele dirige a segunda maior empresa em número de jornalistas e uma das maiores da mídia privada do país inteiro. No entanto, o grupo foi fundado há pouco mais de meio século e só atua no extremo meridional, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nelson Sirotsky, não é um desperdício uma empresa deste porte, desta qualidade, desta excelência, ficar restrita a apenas uma parte do país?

Nelson Sirotsky – Boa noite Dines, boa noite telespectadores. É um prazer muito grande participar desta celebração dos 15 anos do Observatório de Imprensa. A RBS começa com a paixão de uma pessoa, de um homem, meu pai, nosso fundador Maurício Sirotsky Sobrinho, um homem de Comunicação do Sul do Brasil.

Que eu conheci muito bem.

N.S. – Ao longo de 55 anos. E nós vamos para o nosso quinquagésimo sexto ano. Nós desenvolvemos uma paixão pela Comunicação a partir da paixão de Maurício pela Comunicação, pelo rádio, pela televisão, pelo jornal no Sul do Brasil. Ao longo dos anos, nós evoluímos. Nós somos uma empresa essencialmente de Comunicação, conhecida como grupo RBS no Sul, na área de mídia. Mas evoluímos para um grupo empresarial. Hoje somos um grupo empresarial que atua predominantemente na área de Comunicação do Sul do Brasil, mas que também atua em outras áreas empresariais, em outros segmentos – sobretudo na área do mundo digital, de tecnologia, que está avançando – fora do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas sem dúvidas, somos uma empresa apaixonada por Comunicação, que procura fazer Comunicação no maior nível de excelência num mercado muito relevante, que são os mercados no Sul do país. Que, só para você ter uma ideia, são mercados do tamanho de um país como o Chile.

Nós temos um dado importante da atualidade que não podemos ignorar. Nós estamos gravando esse programa dois dias depois das grandes manifestações de São Paulo e do resto do país. Hoje é quarta-feira, é dia 19 [de junho], e não podemos, embora o programa seja gravado, nós não podemos ignorar este fenômeno, que é um fenômeno que não é pontual, é duradouro, criou uma série de perplexidades e nós temos que ver o papel da mídia nesse processo. Como é que você vê tudo isso, Nelson?

N.S. – Eu acho que nós estamos vivendo um momento muito bonito da história do Brasil. Eu acho que é um momento muito impactante, é um momento muito relevante. Eu comparo o que a gente vê nas ruas do país ao que aconteceu nos anos oitenta, Diretas Já, ao que aconteceu nos “caras-pintadas”. Eu comparo como fenômeno social e político aquele momento no país. E, sem dúvidas, é um protagonismo diferenciado da sociedade como um todo, e dos jovens, em particular, que nós temos que prestar muita atenção, muita atenção. Há sinais, mensagens que estão sendo dadas para a sociedade brasileira, para os políticos, para os empresários…

E para mídia.

N.S. – Para as instituições e para a mídia. E para a mídia. Sem dúvidas, são sinais claros que estão aí. Quando se fala nesse momento do país, eu acho que nós devemos primeiro separar, com clareza, esse movimento bonito que tem que ser ouvido, que tem que ser percebido das circunstâncias de aproveitamento que sempre acontece. Nós temos que separar isso. Eu estou falando desse momento bonito e que tipo de recado até agora a gente está entendendo. Na minha visão, do ponto de vista da mídia. O que esta juventude está nos dizendo é que o protagonismo da mídia nesse ambiente novo das redes sociais, do mundo digital e da Comunicação “tradicional”, que aquilo que nós fazemos – e acho que de modo geral todos estão fazendo de forma adequada a cobertura deste episódio – não é suficiente. A leitura que eu faço é que esta juventude está dizendo para mim: nós queremos um protagonismo diferenciado nesse mundo novo. E vocês, mídia tradicional, têm que incorporar este protagonismo diferenciado. Então, eu, embora não faça reparos nesse episódio a qualquer veículo de Comunicação, a qualquer empresa que eventualmente possa até ter sido alvo de uma ou outra manifestação…

Sim, mas não foi dirigido.

N.S. – Não foi dirigido para ele com relação à qualidade da cobertura. Ao não fazer reparos eu não deixo de considerar que tem uma mensagem, também para a mídia, nesse tipo de movimento. E é o nosso grande desafio: decodificá-lo e incorporá-lo nesse novo mundo que continua existindo, também a partir do Jornalismo, mas um Jornalismo diferente. Um Jornalismo que tem elementos básicos, que tem fundamentos básicos, mas que tem uma realidade nova, que é essa capacidade de integração, de Comunicação de mobilização a partir das redes sociais, a partir dos telefones celulares. Tem um jeito novo das pessoas protagonizarem e a mídia tem que estar inserida nesse contexto.

Nelson, uma das interpretações, pelo menos a que eu me inclino, é de que a revolta, claro que não nestes termos, foi uma rebelião contra a previsibilidade, contra o script. De repente a campanha eleitoral é antecipada, já há prognósticos e os campos estão divididos. Aí, adia-se os aumentos das tarifas para o meio do ano, porque no meio do ano vai ter uma mini copa do mundo, a copa do mundo costuma abafar protestos. Então, esse script, esse roteiro não levava em consideração, digamos, o imponderável, a vontade popular.

N.S. – É. Eu situo esse movimento na linha do desejo de protagonismo da sociedade pacífica, dos jovens, e eu decodifico de que o que está estabelecido não é suficiente. A mensagem que esse ambiente político não me serve…

Essa bipolaridade.

N.S. – Essa forma política não me serve. Esse ambiente institucional que as coisas acontecem e parece que está tudo bem, mas não está tudo bem, não me serve. Eu quero protagonizar, quero me posicionar sobre qualquer assunto, sobre qualquer episódio. E essa grande maioria silenciosa, e os jovens, que agora se comunicam todos os dias e têm a sua vida através dos facebooks, através dessas redes sociais, dizem: ‘eu também posso participar’. E, necessariamente, a minha participação não se dá exclusivamente no momento que eu sou chamado a participar, que é no momento do voto. Que ainda não tem sistema melhor, no meu entendimento, do que o da democracia, do voto direto, da representação direta. Só que isso não basta. Eu quero um protagonismo do dia-a-dia, de uma forma diferenciada. Então, eu decodifico o que está acontecendo, como este desejo, e nesse sentido acho sensacional. Acho que é uma transformação e que, tomara que todos, que a sociedade como um todo absorva e faça mudanças, faça alterações, faça alterações. E, sem dúvidas, a nossa formatação política é a que tem que estar observando muito…

Partidária.

N.S. – Eu não estou falando de partido A, B, C ou D, mas a estrutura política do país, o nosso modelo político do país, nós temos que prestar muita atenção no que essa garotada, essa juventude está nos dizendo.

Agora, puxando o assunto para a mídia e fugindo desse protesto, que nós estamos aí a uma distância cronológica que não nos permite avançar. Mas nós temos aí um episódio que é extremamente importante e que a mídia – os chamados jornalões, como eu os designo – não deu muita atenção. Nós tivemos o chefe do Judiciário, ministro Joaquim Barbosa, no exterior, num belo discurso em inglês, mas traduzido imediatamente, fazendo reparos contundentes à nossa imprensa, à nossa grande imprensa. Onde ele disse que a mídia brasileira não tem pluralismo, ela tende muito à direita. Simplificou isso de uma forma, mas eu acho que é uma alusão, ele não tem poder para interferir na mídia e nem quis, mas como cidadão e como um observador do processo ele fez um diagnóstico. Como é que você vê esse diagnóstico do ministro Joaquim Barbosa?

N.S. – Com todo o respeito ao ministro Joaquim Barbosa, eu acho que o ministro Joaquim Barbosa escolheu o fórum errado para fazer a sua avaliação, num fórum internacional. Esse é o tipo de discussão que nós temos que fazer na sociedade brasileira, não precisamos fazer em fóruns na Costa Rica ou onde quer se seja. E acho que o ministro Joaquim Barbosa, com todo o respeito, fez uma colocação sob um viés pessoal, sob seu ângulo de visão pessoal, e não como presidente… A própria colocação do ministro me parece passível de uma crítica quando ele diz assim: só existem três jornais no Brasil, três grandes jornais nacionais. Eu gostaria de saber quais são os três grandes jornais no Brasil. Nós temos, no Brasil, centenas de jornais diários, e jornal de circulação, jornal de repercussão nacional, nós não temos nenhum. Nós temos aqui a Folha de S.Paulo.

É uma referência.

N.S. – Ele se referia à Folha de S.Paulo, ao Globo e ao Estado de S.Paulo como os grandes títulos de jornal, mas, na realidade, o parque nacional de jornais é de mais de 100 jornais diários. A própria Associação Nacional de Jornais tem mais de 150 jornais diários que são afiliados e não são jornais nacionais. São jornais locais, na minha visão, no conjunto com esse pluralismo, com esta abertura, com esta transparência, com esta liberdade, com esta independência que o ministro deseja, que o ministro solicita, que no meu entendimento existe na imprensa brasileira. Eu, em absoluto, posso concordar que a imprensa brasileira seja segmentada de direita ou seja segmentada de esquerda ou seja segmentada de centro. Existe uma pluralidade e que reflete o que deve efetivamente existir numa sociedade democrática com liberdade e com independência.

Isso vai nos conduzir, mas também não vamos nos deter muito agora, porque é um assunto que vai exigir um pouco mais de reflexão, é por que é que um jornal como o seu, a Zero Hora, não está aqui, não está entre esses jornalões, entende? Porque é essa pluralidade que está faltando. Nos Estados Unidos você tem o Los Angeles Times, o Chicago Tribune, você tem o Miami Herald. São jornais regionais que repercutem nos grandes centros.

N.S. – Mas a Zero Hora está aqui, a Zero Hora está aqui. O nosso foco são as coisas que acontecem no mundo a partir do Rio Grande do Sul. Como o Diário de Santa Maria é a partir da cidade de Santa Maria. No dramático episódio que aconteceu na boate Kiss em Santa Maria, o mundo participou daquele episódio que aconteceu em Santa Maria a partir do Diário de Santa Maria, que é um dos jornais do Grupo RBS. Então, quando eu digo assim: eu não aceito não estar, nós temos. E eu estou muito satisfeito, muito satisfeito quando eu assisti, nesse programa aqui, ao depoimento do Warren Buffett e a sua inserção no mundo do Jornalismo, lá nos Estados Unidos. A crença do Warren Buffett é a nossa crença nesse mundo. O Jornalismo local, a inserção das comunidades – ele chama de tribos –, a inserção das tribos a partir de um Jornalismo e de uma marca que um jornal provoca, porque ele é parte de uma tribo, é a grande tendência do Jornalismo. É o grande caminho do Jornalismo. E é nisso que nós acreditamos. Então, nós acreditamos que os nossos veículos, as nossas empresas jornalísticas, as nossas marcas de jornal, que elas refletem, como ninguém, elas têm a obrigação de refletir, como ninguém, o que se passa naquele ambiente. Por isso que uma das linhas mestras, centrais, da nossa linha editorial da empresa é o localismo.

Tem aí outro dado da atualidade que preocupa muito, não apenas os jornalistas enquanto corporação profissional, mas a própria sociedade, porque o assunto começa a transbordar, que é o processo de enxugamento, que de repente aconteceu na mídia a partir do início de abril e vazou que o Estadão ia fazer um corte grande, o enxugamento no número de páginas e cadernos. Logo em seguida as outras empresas também, Folha, Veja, TV Record, todos entraram nesse processo de enxugamento e isso ficou visível. Eu já citei aqui que, de repente, eu que demorava uma hora para ler todos os grandes jornais, hoje leio tudo em vinte minutos. Isso é ruim. Nem todos leem todos os jornais, mas de qualquer forma seria mais interessante que houvesse mais profundidade. Isso num momento em que a mídia impressa precisa mostrar o seu potencial, seu diferencial. Como é que você vê essa crise?

N.S. – Eu vejo como um dos fundamentos desse Jornalismo que você defende, que eu defendo, um Jornalismo sério, contributivo, fiscalizador, participativo da vida das comunidades. Eu vejo como fundamental para que se faça esse exercício, a independência econômica. Só se pode fazer esse tipo de Jornalismo com uma sustentação econômica adequada. Nesse sentido, vamos lá. O que a gente observa hoje? Na indústria jornalística do mundo e do Brasil em particular. No Brasil em particular nós vivenciamos uma questão conjuntural. Nos últimos três anos a economia brasileira não cresceu nos níveis que…

Se esperava.

N.S. – Isso acaba afetando a atividade econômica, os resultados, as receitas decorrentes da atividade jornalística. Elas são impactadas por essa situação conjuntural e que leva, no meu entendimento, naturalmente, as empresas, cada uma do seu modo, a fazerem os ajustes, a tomarem as providências para preservar a atividade e preservar essa independência fundamental para o exercício desse Jornalismo plural. Agora, tem uma situação conjuntural específica das empresas jornalísticas. Antigos editores, exclusivamente de jornais, de mídia impressa, de jornais impressos, que aí não é uma questão estrutural brasileira, é uma questão mundial, que há uma transformação estrutural dessa indústria decorrente da migração de uma das fontes de receita para a televisão e para outros meios. Para outros meios fragmentados que é a publicidade. As empresas jornalísticas, no mundo inteiro, estão perdendo ano após ano um pouquinho da receita e indo para outros espaços. Isto determina, Dines, um desafio gigantesco para quem quer fazer Jornalismo, esse Jornalismo inserido com independência. É realmente isso. As empresas precisam fazer uma reformatação do seu modelo de operação para sobreviver e continuar sendo relevantes na construção da sociedade. Então, o que as empresas no Brasil e no mundo estão fazendo, e cada uma escolhe o seu jeito, cada um escolhe a sua maneira, isso é outra beleza do mercado, uns acertam outros erram, isto é assim. Cada um faz aquilo que entende que tem que fazer para a preservação desta condição de fazer Jornalismo nesse mundo novo. Nós, da RBS, estamos muito preocupados com isso. Estamos investindo profundamente nessa metamorfose, nessa transformação, porque nós achamos que há espaço para o Jornalismo de qualidade, o Jornalismo sério, o Jornalismo responsável e o Jornalismo independente a serviço do cidadão. Mas para que isso seja feito nós também temos que agir, temos que fazer coisas.

Você dá a entender, e muito claramente, de forma muito explícita, que as empresas de comunicação têm que ser multimídia, para que elas, diversificando, possam procurar novas fontes de receita e não perder aquela coisa tradicional que é a mídia impressa que, digamos, é aquela icônica do processo de informação. Como é que você analisa as empresas que se fixaram na mídia impressa?

N.S. – As empresas que estão focadas exclusivamente no Jornalismo, ela têm vários desafios.

No Jornalismo impresso.

N.S. – Não existe mais esse. Mundo real. Não existe mais apenas o Jornalismo impresso. Não existe mais. Nenhuma empresa do planeta terra que faz Jornalismo pode pensar em se fixar no Jornalismo impresso. Porque quem assim o fizer, vai desaparecer. Evapora. Então, esse é um desafio: a inserção do Jornalismo nas novas plataformas, e estar do lado dos seus leitores, seja em que plataforma o leitor queira acessar a informação. Agora, o grande desafio que nós temos é exatamente esse. Houve uma migração de uma das receitas, que é a receita de publicidade, para outros meios. O desafio das empresas que fazem esse Jornalismo novo, que não é só o Jornalismo impresso, é o Jornalismo que tem vídeo, que tem áudio, que é o Jornalismo que tem interação, que tem rede social, é de buscarmos novas fontes de receita para substituir aquelas receitas que nós estamos perdendo para outros meios. E essas novas fontes de receita vão gerar, no nosso entendimento, a sustentabilidade destas empresas jornalísticas. Esta é a visão. O desafio é: onde nós vamos buscar essas receitas? O que nós temos que fazer para buscar essas receitas? Com que objetivo? Para preservarmos a nossa independência. É preservar a independência para poder fazer esse Jornalismo. Nós, na RBS, estamos trabalhando profundamente nesse conceito, exatamente com esse objetivo de preservação da relevância da nossa atividade jornalística. Porque nós entendemos que nós temos, como operadores de empresa jornalística, um compromisso com a sociedade. E nós estamos trabalhando nessa direção e investindo muito, não cortando. Investindo muito.

Então, preocupado com esse momento, porque a gente não pode esquecer que é esse momento que vai criar os próximos momentos, é um encadeamento de situações. Preocupado com isso é, digamos, a explicação para os cortes, enxugamentos e encurtamentos é de que o grande bolo publicitário está quase todo dirigido para televisão, e sobretudo a TV aberta. As empresas que não dispõem de um veículo de televisão estão sofrendo. Isso está visível, está claro. E, por outro lado, a TV aberta, e fazendo uma análise da conjuntura toda, a TV aberta não está preocupada com densidade da informação. Ela tem os telejornais, alguns melhores do que os outros, mas a TV aberta não dá aquela substância necessária para alimentar uma sociedade, sobretudo num momento de transição. Então esse momento ficou muito ruim.

N.S. – Eu diria de novo. É o mercado. Realmente, no Brasil, A TV aberta é o principal meio de Comunicação de massa. Eu, me permita discordar, Dines, mas eu acho que a TV aberta, em alguns segmentos, cumpre muito bem esse papel jornalístico.

Em momentos…

N.S. – É a TV aberta e as novas formas de distribuição. Quantos canais especializados em informação. É televisão paga, mas que nós temos e que são fundamentadas nesse bom Jornalismo…

A revolução virá pelos canais.

N.S. – Mas já acontecem. São fundamentadas nessas empresas multimídia que estão fazendo um papel jornalístico muito relevante para sociedade brasileira. Agora, as empresas que começaram no papel, as empresas tradicionais, essas têm que se transformar, que buscar outros caminhos para serem competitivas, inclusive com essas empresas multimídia que estão atuando. O Brasil tem uma realidade. A televisão aberta é o veículo líder do mercado publicitário. É o veículo líder da audiência nacional e por consequência é o veículo líder do mercado publicitário brasileiro, por consequência pega a maior fatia do bolo publicitário brasileiro. Perfeito, é parte do jogo. As empresas jornalísticas que não foram para esse caminho têm que se movimentar para preservar a sua situação. Desculpe usar o exemplo da nossa empresa. Claro que nós fazemos parte rigorosamente desse mundo. Rigorosamente com as coisas boas e com seus problemas e com seus desafios. Agora, as nossas receitas, que também estão caindo. Por que nós temos a crença de que é possível preservar? Porque nós estamos trabalhando para buscar outras formas de gerar receita para a empresa, baseadas nessas tecnologias. E que isso é que vai dar sustentabilidade para o nosso negócio. Nós temos hoje na RBS mais de mil jornalistas. Nosso novo presidente-executivo, CEO, que é um membro da terceira geração, meu sobrinho Eduardo Sirotsky, preside executivamente a empresa; eu presido o Conselho de Administração da empresa e o Comitê Editorial. O Duda, numa conversa no Comitê Editorial, trouxe um conceito muito interessante na linha: ‘Olha, nós temos que repensar essa reformulação das redações, sem dúvida, a partir da qualidade dos nossos jornalistas. Mas será que nós não devemos botar para dentro das nossas redações matemáticos, engenheiros, tecnólogos para nos ajudarem dentro da redação a fazermos essa conexão com o nosso público que não se comunica conosco e entre si exclusivamente pelo que nós mandamos para ele. Que tem uma capacidade de conexão. Uma capilaridade com redes sociais, com blogs?’. Então, veja que interessante dentro desse conceito. Nós investimos junto à universidade PUC do Rio Grande do Sul, que tem um centro de desenvolvimento científico chamado TECNOPUC. Nós criamos uma plataforma tecnológica voltada para produtos de Jornalismo. E nós estudamos Jornalismo, aplicação do Jornalismo, sob uma ótica tecnológica do consumidor, daquilo que ele quer, que é diferente. Olha o que os jovens nos protestos estão nos dizendo: eu quero protagonizar, o meu protesto não é contra A, B, C, D ou E, o meu protesto é contra tudo, não é contra tudo é contra várias situações e eu quero protagonizar. E eu quero que vocês, empresa jornalística, de credibilidade, responsáveis, eu quero que vocês me ouçam e eu quero que vocês me ajudem a participar nesse processo. É essa a leitura que nós estamos fazendo, e é isso que nós temos que fazer, e quem tiver êxito nisso, eu tenho certeza, vai ter muito orgulho de continuar tendo o Jornalismo como atividade relevante.

Então deixa eu continuar provocando você num assunto que para mim é de capital importância. Que é essa coisa, essa insularidade da RBS. Eu acho que é, eu até já usei essa expressão inúmeras vezes, é uma linha de Tordesilhas que existe e que, digamos, o Centro-Norte e Nordeste do Brasil não têm tem a qualidade da mídia que vem do Centro-Sul ou do Sul-Sudeste. Por que a qualidade da Zero Hora – a que eu não tenho acesso todos os dias, mas é um jornal de excelente qualidade – não pode chegar? Não pode ter uma ‘sub Zero Hora’ no Recife ou em Salvador ou não sei onde? E com isso nós estamos dividindo o país em qualidade jornalística. Eu acho isso, para o momento, catastrófico.

N.S. – Mas eu acho que isso é ao mesmo tempo um alerta interessante. É uma oportunidade, não necessariamente para a RBS. Eu conheço razoavelmente o funcionamento das empresas jornalísticas do nosso país. Eu devo te dizer, Dines, que, de um modo geral e também no Norte e no Nordeste, há essa consciência. Claro que sempre pode ter uma exceção, um desvirtuamento. Há grandes empresas, há empresas comprometidas com a sua visão, há empresas comprometidas com a visão local. Eu conheço e há, prefiro até não citar ABC ou D, mas eu conheço e há. Agora, nós fizemos uma opção, Dines. Fizemos uma opção na área de Comunicação. Nós participamos, quando estamos em televisão, nós participamos do maior projeto, do projeto mais vitorioso, do projeto mais bem-sucedido da televisão brasileira. Nós somos a Rede Globo de Televisão. Nós somos a Rede Globo de Televisão no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. E somos com muito orgulho. E ajudamos, como todas as demais afiliadas, a construir esse modelo vitorioso, participamos desse modelo. Somos os mais antigos afiliados da Rede Globo de Televisão. Então, nós temos essa operação em televisão. Na área de jornais, de Jornalismo puro, impresso e os seus desdobramentos. Você é leitor de jornal. Como está te sobrando tempo, faz uma assinatura da Zero Hora Digital, que você gosta tanto. A de hoje eu já li, cheguei cedo, não tô em Porto Alegre.

Eu sou do papel.

N.S. – Mas está te sobrando tempo. Faz uma assinatura da Zero Hora Digital que você vai acessar e você vai ver a qualidade desse jornal que é feito a partir de uma ótica. De uma ótica local. Então veja bem, esses protestos desses últimos dias, eu asseguro a você que o leitor da Folha de S. Paulo, do Estado de S. Paulo ou do Globo – o leitor desses jornais, dessas marcas, ele teve, também sou leitor, teve uma informação perfeita. Eu asseguro a você que o leitor da Zero Hora teve uma informação tão boa, tão qualificada quanto qualquer outro. Porque ele está tão bem informado, não apenas no que acontece no Rio Grande do Sul sobre o episódio, mas o que está acontecendo no mundo. Ele está tão bem informado. Essa é a nossa opção. Nós queremos uma prestação de serviço plena para o público que nós legamos. Tem espaço empresarial para se fazer isso em outros mercados? Pode ter. Nós necessariamente não focamos no nosso projeto empresarial esse viés, porque, lá no Sul, nós temos oito jornais no nosso grupo, oito empresas jornalísticas, oito títulos diferentes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nós achamos que ali é um foco, nós podemos fazer isso com muita relevância, nós podemos fazer isso com muito investimento. E num nível, olhando isso no portfólio de negócios de um grupo empresarial, num nível adequado de risco, num nível adequado e num nível de excelência de prestação de serviço.

Temos aqui um assunto que é importante, que vai definir, de certa forma, os rumos da informação no Brasil, que é a questão da regulação ou autorregulamentação, monitoramento da concorrência. São coisas que estão fechadas no mesmo tópico. Nos Estados Unidos, que é, digamos, um dos modelos que marcam a Comunicação do Brasil, eles têm, desde 1934, uma entidade criada por Franklin Delano Roosevelt chamada FCC (Federal Communication Commission) cuja função primordial é monitorar; ela atua também no conteúdo da mídia eletrônica, mas sobretudo monitorar a concorrência. No Brasil nós temos o CADE, que deveria fazer isso. E aí nós estamos entrando num assunto importante que é a concentração da mídia no Brasil. Em alguns lugares já houve queixas contra a RBS, que embora ela esteja confinada, e não devia estar confinada no Sul, ela está muito oligopolizada. Como é que você vê essa questão da concentração e da concorrência?

N.S. – Eu acho que esse é um tema muito excitante e com uma dimensão muito ampla e tem várias dimensões. Primeiro, as empresas de Comunicação são empresas reguladas em todas as suas dimensões, como qualquer atividade econômica. Então, no Brasil, nós estamos sujeitos à regulação de qualquer natureza, começando pela de impostos. Tem uma falácia de que as empresas de Comunicação não pagam impostos. Pagam impostos de tudo e qualquer natureza. Pagam PIS, pagam COFINS, pagam contribuição sobre o lucro, pagam imposto de renda. Têm uma isenção um negócio do papel. Nós somos regulados de todas as maneiras. A atividade jornalística, o controle sobre o conteúdo, esse é o grande debate. Esta é a grande preocupação. Nós entendemos que o processo do Jornalismo, nosso programa aqui é o Observatório de Imprensa, ele tem que ser independente, tem que ser responsável, tem que ser plural e ele tem que ser livre. E ele não pode estar submetido a qualquer tipo de controle. Então, todos os mecanismos que se criam em nome de uma regulação, que podem representar algum tipo de tutela para a atividade jornalística, para a liberdade de expressão, para a liberdade de imprensa, nós temos que ter muito cuidado, muito cuidado na forma. No mundo tem vários mecanismos. Agora mesmo na Inglaterra se discute o relatório Leveson, como é que vai fazer, como é que não vai fazer, o que vai substituir o PCC. O que vai substituir. Qual é o organismo que vai ser criado. Nos Estado Unidos o FCC é um pouco diferente, porque o FCC também regula relações econômicas, regula propriedades cruzadas. O modelo brasileiro: área de regulação de conteúdo. A nossa posição: Não pode existir nada, não precisa existir nada, aprioristicamente. O Jornalismo, esse independente e responsável, independente ele tem que ser muito responsável. E evidentemente, quando se comete erros, quando tem problemas, ou quando as pessoas se sentem, de alguma maneira, violentadas pelo Jornalismo que é feito, as pessoas têm o direito de querer repor as suas posições. Têm o direito de ser ouvidas. Essa é a nossa visão. Nós achamos que a melhor forma de fazer são mecanismos autorregulatórios. São mecanismos diretos na relação, estou falando na área do Jornalismo, diretos na relação entre aquilo que nós produzimos e o que o público consome. Mecanismos autorregulatórios. Isso não nos exime da responsabilidade. Porque nós entendemos, e a regulação existe neste sentido, que o Marco Legal brasileiro permite que qualquer cidadão, não precisa de nenhuma lei nova, ele entra com uma ação de dano moral, de calúnia e difamação contra um jornalista, contra uma empresa jornalística em cima de uma matéria que ele não…

Embora o Direto de Resposta…

N.S. – Eu ia comentar exatamente o Direito de Resposta. Eu acho que se tem um aperfeiçoamento que nós poderíamos fazer, está voltado no Direito de Resposta. E eu colocaria o Direito de Resposta retificante. O Direto da Resposta de correção.

Não de discussão de doutrina.

N.S. – Não discussão, porque doutrina é doutrina. Nós por exemplo aqui, nós da RBS temos um guia de ética e autorregulamentação jornalística. De uma maneira transparente nós colocamos para o público a nossa linha editorial, como nós colocamos, entre outras coisas, a correção. Então nós nos comprometemos de, diante do erro, seja em que plataforma for, a publicação da correção. É um compromisso que é parte do nosso mecanismo de autorregulamentação. Mas, talvez, uma lei amparando especificamente o direito de resposta, no nosso entendimento, retificante, que corrige um erro que foi publicado, talvez seja algo que deva ser explorado. Na nossa compreensão, não precisa mais nada. Não precisa rigorosamente de mais nada para isso. Porque o cidadão tem a Justiça para, a posteriori, ir buscar o seu reparo. Então não precisa de Conselho de Comunicação, não precisa de mais nada disso.

Deixa eu só falar sobre isso, que esse assunto é quente. Sobretudo o Conselho de Comunicação, que é um órgão consultivo. O Conselho de Comunicação está na esfera do Senado, é um órgão auxiliar do Congresso. Ficou abandonado, desprezado, agora voltou a funcionar de uma forma que eu acho capenga, mas isso não importa. O que importa é o seguinte: existe uma entidade que você já presidiu, que seu pai já presidiu, o Jayme também. Eu me lembro que fizemos um curso para professores de Jornalismo, foi a ANJ e naquela época eu estava não me lembro aonde e nós fizemos o primeiro curso para professores de Jornalismo, isso anos 1980. Bom, não importa. Mas existe uma entidade chamada ANJ e acho que você já se chateou comigo algumas vezes por causa disso, eu vejo que ela é um pouco cerceadora, ela é corporativa demais, ela tira a flexibilidade, a diversidade que é necessária ao negócio jornalístico como um todo.

N.S. – A Associação Nacional de Jornais, que todos nós participamos e a nossa família tem uma atuação muito ativa nela, surge, lá na época da ditadura, com o propósito da defesa da Liberdade de Expressão. Esse é o fundamento dela. E ao longo dos anos, ela é uma entidade empresarial, mas que tem uma preocupação com esse Jornalismo livre, independente, responsável e plural. Nós, na entidade, comitê editorial que vários diretores de redação participam de uma forma independente, que trocam ideias de tendências de caminhos. Mas não há qualquer articulação, na entidade, do ponto de vista de conteúdo jornalístico, qualquer articulação, e qualquer articulação do ponto de vista de mercado de posicionamento de mercado, em absoluto. A entidade, a essência é a Liberdade de Expressão e a discussão da indústria. Veja bem, no tema que falamos, no tema de Conselho de Comunicação. A entidade defendeu e incorporou no seu estatuto um Código de Ética e autorregulamentação. Obrigando aos seus associados que cumpram alguns elementos básicos do Jornalismo e da atividade jornalística para poderem ser filiados à entidade, caso contrário não podem ser filiados à entidade. Entre as coisas, que cada jornal afiliado à entidade tenha o seu Código de Ética, como a RBS tem os seus e a maioria dos jornais tem. E que esse Código de Ética seja transparente para o público de cada jornal e que seja considerado nas relações de autorregulamentação entre o jornal e o seu público e o seu leitor. Então, nós entendemos, a ANJ presta um serviço para o país na Liberdade de Expressão, na defesa, no acompanhamento de mecanismos que possam representar algum tipo de ameaça a esta ideia de tutela sobre o conteúdo da comunicação e por isso a ANJ se posiciona muito firmemente contra qualquer movimento que represente risco à Liberdade de Expressão e à Liberdade de Imprensa.

Você me deu, de mão beijada, um assunto que precisamos encarar com seriedade, porque eu considero que é um risco, uma grande ameaça à Liberdade de Imprensa que é essa presença ostensiva e ao mesmo tempo sutil das confissões religiosas na mídia brasileira. Hoje, contrariando o espírito e a letra da Constituição. Nós temos hoje, televisões abertas vendendo seu horário, é uma concessão pública, vendendo seu horário pra confissões religiosas. Nós temos uma aberração dentro do Congresso, que precisava ser corrigida, que são parlamentares que deveriam fiscalizar as concessões, mas eles são concessionários, ao mesmo tempo. E isso eu acho que tinha que ser a grande bandeira da ANJ. Imediata.

N.S. – Eu tendo a concordar consigo. Existem algumas atividades que são incompatíveis com a atividade do jornalismo e da informação. São incompatíveis. Esta mistura de religião, de qualquer credo, de qualquer natureza, com a comunicação de massa, tem que ter muito cuidado. Ela pode ser até específica, nós temos canais religiosos que estão ali com esse propósito. Nós temos mesmo no Brasil, tem canais: esse aqui é um canal religioso. Essa televisão é uma televisão da igreja X e pratica a igreja X e para esse propósito. Isso pra mim OK. Agora, o problema é a mistura.

Sobretudo na TV aberta.

N.S. – O problema é a mistura, é a confusão e também traz uma outra deformação. Quando tem essa confusão, você tem uma outra fonte de receita, que é meio obscura, que não é clara dentro do processo. E da mesma forma eu tendo a concordar consigo. Essa mistura da política partidária com o meio de comunicação é desastrosa pra esse processo, é desastrosa.

Para a democracia.

N.S. – É desastroso para a democracia. Eu acho que naturalmente está havendo uma limpeza desse processo no nosso país. E mesmo aqueles que têm atividade política, que ainda preservem ações, preservem atividades na área de comunicação. Eu acho que começa a se criar uma consciência de que é impossível a continuidade disso. Quer dizer, o Jornalismo, a Comunicação é um negócio muito sério, tem uma responsabilidade muito grande, tem um compromisso com a sociedade, tem um compromisso com o país, muito grande e nesta área esse tipo de conflito de interesses não é possível. Eu realmente espero que se crie uma condição e que esse tipo de deformação a gente vá corrigindo ao longo do tempo.

Nós vamos cobrar de você.