Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Denúncias de espionagem provocaram escarcéu sem razão

O dramalhão que se sucedeu à notícia de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA teria grampeado as comunicações nacionais causou chiliques generalizados. Deputados, senadores, ministros, secretários e oportunistas em geral subiram nas tamancas e criaram um escarcéu a ponto de até nossa presidente, em sua habitual agilidade, ter manifestado indignação menos de uma semana depois do ocorrido.

A comédia de erros começa pela denúncia de Glenn Greenwald, jornalista que descobriu Snowden e que, oportunamente, vive no Rio. Ele diz que não pode afirmar que tenha documentos que mostrem espionagem, mas não tem dúvida de que ocorra. Que raio de denúncia é baseada em suspeita? Diz apenas que o Brasil é, depois dos EUA, o país mais interceptado no continente.

Considerando o tamanho do país, sua importância econômica e a quantidade de brasileiros que vivem nos EUA, causaria espanto se Belize fosse o segundo colocado. A história é tão pulguenta que até o próprio Jornal Nacional, ao dar ao gringo seus 15 minutos de fama, questiona o interesse deles em espionar o governo do Brasil, que não é inimigo nem fonte de terroristas. Greenwald se defende alegando uma possível “espionagem industrial”. Do quê? Do açaí com charque?

Privacidade, e não transparência

A diplomacia americana, enrolada pela promiscuidade que tem com empresas privadas como a Booz-Allen, parece ter buscado consultoria do Chapolin Colorado. Não soube explicar o que era metadado, não soube defender a importância de um policiamento para impedir que a rede vire terra sem lei e não consegue explicar que seu único interesse no Brasil está em possíveis ameaças de bandidos ou traficantes com conexões internacionais. Qualquer potência internacional grampeia o que lhe diz respeito e não costuma dar satisfações. Os tais metadados não têm nada de terrível. Eles identificam quem ligou para quem, de onde e por quanto tempo. Não seria um problema se boa parte da internet não estivesse concentrada nos EUA.

Imagine sua internet sem Google (e YouTube e Gmail), Facebook, Microsoft (e Skype), Twitter e Wikipédia? Ou boa parte dos bancos e serviços de comércio eletrônico sem as tecnologias de segurança americanas? A culpa de boa parte das empresas de fibra ótica e satélite serem estrangeiras é resultado de nosso descaso com o investimento em educação e infraestrutura. Qualquer acesso a serviços fora do país – assumindo que alguém se interesse por algo que ocorra na Polônia, por exemplo – precisa passar por Pontos de Troca de Tráfego (PTTs) internacionais, a maioria deles nos EUA.

As bravatas dignas de Odorico Paraguaçu seriam esquecidas no folclore dos anões parlamentares se não escondessem duas grandes ameaças. A primeira é a criação de uma nova área para superfaturamento, em propostas de satélites e cabos para garantir a “segurança” da internet. Levando-se em conta que é uma rede mundial, o investimento não se justifica. A segunda ameaça, muito mais séria, é usar a situação para alterar a proposta de Marco Civil da Internet, criado para garantir a privacidade, liberdade de conteúdo e neutralidade na rede.

Sua formulação é barrada pelo lobby das telefônicas, que lucram quatro vezes mais que bancos e, não satisfeitas, ainda querem tarifas diferentes para quem acesse serviços que consumam muita banda, como Skype ou Netflix. Considerada a situação do governo e as manifestações promovidas por redes sociais, não faltariam parlamentares para propor pequenas alterações em estilo chinês ao Marco Civil, garantindo a ordem e a privacidade justamente para quem deve a todos maior transparência.

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Luli Radfahrer é colunista da Folha de S.Paulo