Navegar é preciso, disse o poeta. Comunicar também. Se em mares turbulentos, com prudência e competência técnica. Além das pautas já sugeridas, a insatisfação manifestada nos protestos e a perplexidade produzida indicam aos governos e às instituições que revisem suas práticas de comunicação. Em situações de crise, credibilidade e transparência são faces da mesma moeda presente nas mesas de negociação. Momento oportuno para a avaliação dos processos vigentes de produção e veiculação de informações oficiais sobre as políticas públicas e os serviços prestados à população.
Pertinência confirmada na matéria “Comunicação e economia, os problemas de Dilma“, de O Globo (7/7). Depois de décadas de exclusão – ou inclusão equivocada – da área academicamente definida como Comunicação, na concepção e no desenvolvimento das políticas públicas, ela surge agora como um dos tópicos responsáveis pela queda na avaliação do governo da presidente Dilma Rousseff: crise de comunicação entre população e os “poderes”, governo e partidos, para resumir. O setor público historicamente restringe a “comunicação” às práticas de assessoria de imprensa, relações públicas e publicidade que, pelo visto, não estão dando conta do “recado” gritado nas ruas.
As “campanhas publicitárias” promovidas pelos governos há muito tempo gastam, anualmente, considerável volume de recursos financeiros para… informar? Qual a efetiva contribuição dessas campanhas na melhoria dos serviços? E para a transparência nos gastos públicos, agora enfaticamente questionada pelos manifestantes? Ou mesmo na construção da cidadania realmente participativa. A constante presença de marqueteiros no cenário político – em altos níveis decisórios – parece não combinar mais com o clima “junho 2013”.
Planejamento adequado e a preparação
No setor saúde, a utilização da lógica marqueteira, há muito, é resistente às avaliações e análises. A surpreendente inexistência de política de comunicação elaborada especificamente para a saúde pública, fundamentada nos princípios do SUS – regionalizada, articulada nos três níveis de governo e com a participação social –, também é um obstáculo à melhoria do funcionamento do sistema de saúde, exigida nas ruas.
Quando lidamos com os direitos dos cidadãos, a lógica do marketing publicitário torna-se questionável [“Lógica Marqueteira”, O Globo, 20/3/2011, editoria Opinião]. Há distinções entre direito e consumo que podem ser debatidas em suas especificidades nos espaços adequados. Melhor com a participação de professores e alunos de Comunicação, já que a academia produz conhecimentos, nessa disciplina, necessários ao desenvolvimento das políticas públicas. Novos tempos: chamá-los para colaborar na formulação dessas políticas. Desaconselhável seria persistir em ignorar tudo isso, além de desperdício de oportunidade, num momento crítico para o aprimoramento da nossa democracia.
Plebiscito, ou referendo, requer a participação de servidores públicos competentes e acadêmicos nas áreas de Comunicação e de Educação. Preparar a população para compreender o complexo conjunto de conceitos e expressões sobre a “reforma política” não significa considerar a população incapaz. Longe disso e justo o contrário: é o cuidado necessário para o verdadeiro exercício da cidadania. Respeita-se o povo ao levar em conta o universo vocabular de milhões de cidadãos, cuja linguagem não abarca expressões como voto distrital e voto misto. Promover a ampliação do acervo de conhecimentos e o domínio de uma linguagem outra, estranha ao cotidiano da grande maioria dos brasileiros, é dignificar a consulta popular.
Há riscos em promover iniciativas sobre opções relevantes para o futuro do país sem planejamento adequado e a preparação daqueles que farão as escolhas. E, mais grave, muito a perder.
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Maria José de Freitas Rodrigues é servidora pública e mestre em Comunicação com especialização em Políticas Públicas