Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Hospedar dados no Brasil teria efeitos colaterais

Nos últimos dias, fomos surpreendidos com documentos estadunidenses que descrevem diversas iniciativas de monitoramento de informações de usuários, empresas e do governo brasileiro por parte da Agência Nacional de Segurança. Para além de investigações conduzidas pela Polícia Federal e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para apurar as denúncias de rastreamento de dados, o governo federal parece sentir a necessidade de apresentar uma resposta de impacto. A sugestão é que todos os dados de brasileiros passem a ser forçosamente hospedados no Brasil.

Quais são as consequências desta pauta?

A internet, por ser uma rede estruturalmente descentralizada, é internacional em sua essência. Não há um núcleo central capaz de organizar e dar sentido ao tráfego de dados. Pelo contrário, a fragmentação e a fluidez da rede dão o tom do profícuo universo de inovações que nasce e se desenvolve desta arquitetura. Hoje os dados do usuário brasileiro trafegam livremente por diversas partes do globo, o que facilita oferta de serviços e agilidade no tráfego. Redes sociais, sistemas de compartilhamento de vídeos, fotos e acesso a aplicativos são apenas alguns exemplos de serviços que são disponibilizados ao usuário brasileiro, mesmo que seus desenvolvedores não se situem aqui.

Uma muralha para a internet?

Forçar a hospedagem de dados no país traz consequências a novos negócios. De um lado, impõe uma barreira comercial àqueles que desejam ofertar serviços via internet. De outro, restringe o acesso de cidadãos brasileiros a uma gama de inovações que hoje são disponibilizadas em tempo real. Além disso, concretizar a hospedagem de dados no Brasil implica uma infraestrutura tecnicamente complexa, com potenciais perdas de agilidade no tráfego e custosa aos cofres públicos.

Por fim, podemos nos questionar quais seriam os destinos de movimentos como a Primavera Árabe e, por que não, a “Primavera Brasileira”, se o modelo de arquitetura da internet fosse centralizada, aos moldes de países como China e Vietnã.

Sob o argumento de defesa da soberania nacional, não estaríamos trocando uma realidade com altos riscos de sermos monitorados por potências mundiais com tecnologias de rastreamento de ponta, por outra em que o monitoramento é feito pelo governo brasileiro, gestor de uma internet mais lenta e com menor oferta de serviços?

Em última instância, queremos construir uma muralha para a internet no Brasil?

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Mônica Steffen Guise Rosina é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Alexandre Pacheco da Silva é pesquisador da mesma instituição