Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um guia para aprimorar a arte da entrevista

Na rotina jornalística, a entrevista está entre as atividades mais essenciais. Ela é a alma do jornalismo: pode impulsionar ou detonar uma matéria, dar vida a narrativas e conduzir à compreensão de acontecimentos complexos. Ainda assim, a maioria dos repórteres aprimora esta habilidade por tentativa e erro. E, às vezes, o erro vai em formato de áudio com engasgadas vergonhosas direto para o editor.

Apesar de não ser uma ciência exata, dominar algumas técnicas pode facilitar o caminho do jornalista que quer se tornar um entrevistador daqueles que arrancam boas respostas até das fontes mais evasivas. Conheça algumas delas neste guia preparado pelo Centro Knight com links e dicas de profissionais experientes no assunto.

1. Defina seus objetivos

Antes de mais nada é preciso saber o que se quer da entrevista: aspas, confirmação, contexto, reconstituir uma cena? Este é o primeiro passo para traçar a estratégia a ser adotada.

A Knight Chair em Jornalismo e professora da Universidade de Missouri Jacqui Banaszynski aconselha osjornalistas a responderem as seguintes perguntas antes de ligarem seus gravadores: Por que você está fazendo esta matéria? O que você precisa saber (e como vai conseguir)? O que você quer saber (e como vai conseguir)? Qual é o seu propósito ou foco inicial? Quais são os desafios logísticos/jornalisticos/éticos/morais envolvidos?

2. Esteja preparado

Uma boa entrevista começa muito antes do contato com o entrevistado. Como Jon Talton, colunista do Seattle Times, escreveu para o Reynolds Center, conhecer muito bem a fonte e o tema que será tratado é o dever de casa. Fazer uma lista de perguntas prévias não garante o sucesso da entrevista, mas pesquisar e estar completamente por dentro do que será debatido e da pessoa com quem se debaterá pode render bons frutos.

Um bom exemplo disso é dado pelo colunista do Poynter Chip Scanlan: “AJ Liebling, uma escritora famosa da revista The New Yorker, conseguiu uma entrevista com o conhecidamente lacônico jóquei Willie Shoemaker. Abriu com uma única pergunta: Por que você monta com um estribo maior do que o outro? Impressionado com o conhecimento de Liebling, Shoemaker falou.”

3. Saiba como perguntar

Assim como Liebling, jornalistas frequentemente se deparam com entrevistados que não estão tão dispostos a falar quanto se deseja. Saber perguntar, nestas horas, faz toda a diferença. Segundo as lições do jornalista investigativo canadense John Sawatsky, uma autoridade na arte da entrevista, para a American Journalism Review e para o Poynter:

** evite perguntas cujas respostas possam ser apenas “sim” ou “não” (a não ser que se queira confirmar alguma informação precisa), prefira as do tipo “como”, “por que”, “o que”.

** mantenha as perguntas curtas e focadas em um único assunto (uma de cada vez)

** evite hipérboles ou palavras carregadas

** mantenha sua opinião fora das perguntas

** não tente argumentar com a fonte para convencê-la da sua versão; ao invés disso, peça para ela comentar uma informação que você sabe ser verdadeira

** sempre questione: como você sabe?

** pergunte sobre temas sensíveis sem soar “combativo”

** peça exemplos e descrições, isso ajuda a fonte a lembrar e articular as respostas

4. Conduza uma conversa

A ganhadora do Pulitzer Isabel Wilkerson considera entrevistas “conversas guiadas” nas quais a dinâmica da relação é mais importante que qualquer questão individual. “Nas escolas de jornalismo, ninguém chama as interações entre jornalistas e fontes de relacionamento, mas é isso que são”, diz ela.

Aprenda a fazer anotações sem olhar apenas para o caderno. É fundamental manter uma interação visual e corporal com o entrevistado. Demonstrar empatia deixa a fonte mais à vontade, o que aumenta as chances dela se abrir. “Entrevistar é a ciência de ganhar a confiança, depois ganhar a informação”, ressalta John Brady em A Arte da Entrevista.

5. Escute e controle o ritmo

Às vezes o jornalista está tão preocupado em seguir o seu rascunho que não percebe os momentos por onde a história pode se desenvolver mais. Não corte a possibilidade de informações mais profundas virem à tona pulando muito rapidamente para a sua próxima pergunta. Se houver limitações de tempo, concentre-se no tópico mais importante, escolha com sabedoria. Se o tempo for liberado, explore os pontos que soarem mais interessantes durante a entrevista.

6. Faça perguntas a partir das respostas

Não deixe qualquer dúvida passar em branco. Questões derivadas de respostas mal compreendidas costumam dar pano pra manga. Como ensina Banaszynski, “para cada questão, pergunte outras cinco”.

Seja um ouvinte interessado e perceba quando as respostas te levam para outras perguntas sobre o tema. Conforme explica Sawatsky, quanto mais você demonstra que está realmente ouvindo, mais confiança se estabelece.

7. Negocie os termos de antemão

Deixe claro o propósito e o contexto da entrevista e procure saber no início as preocupações da fonte. Isso pode evitar que você seja surpreendido com um pedido de off the record [não publicar a informação passada] depois de uma entrevista reveladora.

Em um interessante artigo sobre a arte da entrevista para a Columbia Journalism Review, a jornalista Ann Friedman cita Max Linsky, um entrevistador de peso do Longform Podcast, que diz: “Longas entrevistas podem ter três atos – saiba onde você quer começar, onde você quer terminar, e como você quer chegar lá. E deixe o entrevistado conhecer o plano! Essas conversas podem sair dos trilhos rapidamente – compartilhar o roteiro antecipadamente permite que você interrompa e mude as coisas com mais facilidade. Faz com que entrevistado e entrevistador se sintam como se estivessem no mesmo time.”

8. Cara a cara, telefone, e-mail?

A entrevista pode ser feita das mais variadas formas: pessoalmente, por telefone, skype, e-mail, com uso ou não de câmeras de vídeo. Escrevendo para o Poynter, a jornalista Mallary Jean Tenore citou a preferência de cinco jornalistas com os quais conversou. A maioria ressalta que a conversa cara a cara permite que o repórter observe detalhes do comportamento do entrevistado e da cena que escapam em conversas por telefone ou e-mail.

Quando a distância com a fonte não permite o contato pessoal, recorre-se ao telefone ou até mesmo a ferramentas como o Skype. Ao falar por ligações online, o uso da webcam tem a vantagem de permitir que se veja a expressão corporal do entrevistado.

É unanimidade que a entrevista por e-mail é a última opção. Mas o meio é válido para agendar a entrevista, fazer perguntas preliminares ou verificar informações e tirar dúvidas posteriores.

Aqueles que optarem por gravar em vídeo devem estar atentos a algumas questões técnicas, como a captura de áudio e os planos que serão usados. Casey Frechette, do Poynter, aconselha antecipar o que pode dar errado durante a entrevista em vídeo para ter sempre uma carta na manga. Checar duas vezes se as baterias estão carregadas, se o equipamento está funcionando bem e se a locação está liberada, por exemplo, é crucial.

9. Seja esperto, ouse ser ignorante

Certifique-se de que entendeu o que significam certas expressões, jargões e busque analogias. Nas palavras de Ann Friedman, “banque o estúpido”, especialmente quando o assunto é técnico e complexo demais. Peça para a fonte explicar como se estivesse falando a uma criança.

10. Fique atento ao pós-entrevista

Banaszynski observa que é sempre bom anotar telefones, e-mails, endereços, detalhes sobre o local e o entrevistado. Se precisar, não hesite em fazer contato novamente para tirar dúvidas ou até mesmo agendar uma segunda entrevista. Após a publicação, é sempre bom passar a matéria à fonte e estar aberto a seus comentários.

Chip Scanlan acrescenta que a auto-avaliação é uma boa forma de se aperfeiçoar. Ao transcrever as conversas gravadas (e gravar é fundamental!), observe não só as respostas, mas as suas perguntas. “Você faz mais perguntas que encerram a conversa ou que a estimulam? Você interrompe o seu interlocutor quando ele está começando a se soltar? Você soa um ser humano interessado e amável ou um promotor atormentado?”

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Natalia Mazotte, do blog Jornalismo nas Américas